sábado, 1 de dezembro de 2018

O ESTREBUCHAR DE UM GOVERNO FISIOLOGISTA E CORRUPTO E A NOVELA DO “INSULTO DE NATAL”


Falta um mês para Michel Temer dizer adeus ao Planalto e do Jaburu (ele jamais quis morar no Alvorada porque, dizem as más-línguas, tem medo de assombração), depois de 2 anos e 7 meses no timão da Nau dos Insensatos. No livro de memórias que porventura venha a escrever (sobretudo se a Justiça lhe conceder bastante tempo ocioso), é provável que não mencione as três oportunidades de prestar um serviço inestimável à nação que ele teve nas mãos, mas deixou escapar. Então, façamo-lo nós.

Mesmo sendo o grande articulador e o maior beneficiário da impeachment da anta vermelha, Temer poderia ter declinado da Presidência. Não o fez, e, verdade seja dita, poucos em seu lugar tê-lo-iam feito. Mas o castigo veio a cavalo — ou em lombo do jegue, pois nossa Justiça tem 4 instâncias, nosso Congresso é dominado por corruptos e nossa Suprema Corte, por aberrações (mais detalhes nesta postagem). 

Embora a substituição da Rainha Bruxa do Castelo do Inferno pelo Vampiro do Jaburu  tenha sido uma lufada de ar puro após 13 anos, 4 meses e 12 dias de clausura lulopetista, os sinais de tempestade surgiram logo depois, quando o prometido ministério de notáveis se revelou uma notável confraria de corruptos. Mas o castelo de cartas ruiu de vez quando Lauro Jardim revelou detalhes de uma conversa pra lá de suspeita entre o presidente e certo moedor de carne com vocação para delator — e burro a ponto de delatar a si mesmo —, o que nos leva à segunda oportunidade de fazer um bem ao país, que sua excelência não aproveitou.

Diante da repercussão das revelações bombásticas, o presidente cogitou de renunciar, mas foi demovido da ideia por sua entourage. Assim, despido de vez do manto da moralidade, afirmou em pronunciamento à nação que não renunciaria, e que a investigação no Supremo seria “o terreno onde surgiriam as provas de sua inocência”. Ato contínuo, lançou mão de toda sorte de artimanhas para escapar da cassação. Mas o diabo sempre cobra sua parte no pacto: Temer tornou-se refém do Congresso, e isso foi o começo do fim.

O presidente pato-manco decidiu sair cena exatamente como entrou. Em 2016, ele autorizou seus apoiadores no Congresso a aprovar um pacote de reajustes que engordou os contracheques de 38 carreiras do funcionalismo; agora, desprezando sua derradeira chance de se redimir aos olhos da população, sanciona o vergonhoso reajuste salarial autoconcedido pelos ministros do STF e avalizado pelo Congresso de Eunício Oliveira, a despeito de as contas públicas estarem em petição de miséria. 

Se o presidente Temer fez o que fez porque a Lava-Jato inseriu em sua biografia duas denúncias criminais e dois inquéritos por corrupção, isso é ele quem deve dizer. O fato é que, tão logo desça a rampa do Planalto, em 1º de janeiro, o cidadão Temer poderá receber a qualquer instante uma visita matutina dos agentes da Polícia Federal.

Voltando à novela do “insulto de Natal”: No final de 2016, Temer estabeleceu que só poderiam ser beneficiados condenados a no máximo 12 anos que não fossem reincidentes e que tivessem cumprido um quarto da pena até 25 de dezembro daquele ano. Em 2017, já desacreditado e desmoralizado, sua excelência, sem motivo de jogar para a torcida, assinou um decreto ainda mais benevolente. Raquel Dodge (que foi escolhida pelo próprio Temer para comandar a PGR) entrou com uma ação no Supremo para suspender os efeitos daquele descalabro — que, segundo ela, resultaria em impunidade para crimes graves, sobretudo os apurados no âmbito da Lava-Jato e de outras operações de combate à “corrupção sistêmica”. 

A então presidente do STF decidiu suspendeu os pontos questionados no processo, o ministro Luís Roberto Barroso foi sorteado relator de processo, e assim, com a celeridade típica da nossa suprema corte, só agora, às vésperas da troca do comandante-em-chefe desta Banânia, os ministros resolveram se debruçar sobre o assunto. A propósito, Bolsonaro postou no Twitter que foi eleito presidente para atender aos anseios do povo brasileiro, que pegar pesado na questão da violência e criminalidade foi um dos seus principais compromissos de campanha, e que, se houver indulto para criminosos neste ano, certamente será o último.

O julgamento começou na quarta-feira 28, mas foi adiado (devido “ao avançado da hora”) quando o placar estava empatado em 1 a 1, e novamente suspenso na sessão subsequente, desta vez por um pedido de vista do ministro Luiz Fux, quando o placar estava em 6 a 2 a favor da permissão para que o presidente da República possa indultar quem ele quiser, sob qualquer critério.

Em tese, o pedido de vista se destina a dar mais tempo para o magistrado estudar o processo e formar seu entendimento, mas é largamente utilizado para obstruir a votação. Essa prática foi introduzida como estratégia pelo então ministro Nelson Jobim, que a trouxe de sua experiência no Congresso, onde a obstrução é uma arma da maioria para se fazer ouvir ou impedir algum ato do governo, e acabou sendo useira e vezeira no STF

Pelo regimento interno da Corte, a devolução dos autos deve ser feita até a segunda sessão subsequente à do pedido de vista, mas ninguém se atém a isso, de modo que, na prática, não existe prazo. Assim, o autor do pedido de vista pode devolver o processo somente quando vislumbrar a possibilidade de um ou mais magistrados mudarem o voto, ou quando a maioria formada já não fizer mais diferença. E é isso que deve acontecer agora.

O impasse na sessão de quinta-feira ocorreu duas vezes, pois também seu presidente, ministro Dias Toffoli, achou por bem pedir vista quando se formou maioria pela manutenção da liminar que impediu Temer de indultar os acusados de crimes do colarinho branco. A manobra de votar separadamente — primeiro a liminar, depois votar o mérito — foi proposta por Gilmar Mendes (sempre ele!); se a liminar fosse derrubada, Temer ficaria livre para dar o indulto à sua maneira, e a discussão do mérito não teria mais nenhum valor.

Mendes, Toffoli e o próprio Temer foram vítimas do próprio veneno: em novembro do ano passado, seguindo um roteiro previamente combinado com o presidente numa reunião fora da agenda, Toffoli impediu que a decisão majoritária do plenário da Corte reduzisse o foro privilegiado dos parlamentares, e Mendes fez o mesmo durante o julgamento do financiamento de campanha dos políticos. 

Fato é que o pedido de “vista obstrutivo” quase sempre tem um “motivo oculto” — como no caso de Toffoli, na questão do foro privilegiado, e de Mendes, no financiamento das campanhas. Na sessão de quinta-feira, Fux fez uma “defesa constitucional” do Supremo ao evitar que o indulto de Natal representasse um presente de Papai Noel para políticos e empresários condenados por crimes de corrupção, impedindo que políticos como Eduardo Cunha e Geddel Vieira Lima fossem soltos pelo “insulto presidencial”. 

Como faltam menos de 3 semanas para o início do recesso do Judiciário, o tema só deve ser retomado no próximo governo, e Jair Bolsonaro já disse que, com ele na Presidência, não haverá indulto de Natal.