Falta um mês para Michel Temer dizer adeus ao Planalto e do Jaburu (ele jamais quis
morar no Alvorada porque, dizem as más-línguas, tem medo de assombração), depois de 2 anos e 7 meses no timão da Nau dos Insensatos.
No livro de memórias que porventura venha a escrever (sobretudo se a Justiça
lhe conceder bastante tempo ocioso), é provável que não mencione as três oportunidades de prestar um serviço inestimável à nação que ele teve nas mãos, mas deixou escapar. Então, façamo-lo nós.
Mesmo sendo o grande articulador e o maior beneficiário da
impeachment da anta vermelha, Temer poderia
ter declinado da Presidência. Não o fez, e, verdade seja dita, poucos em seu lugar tê-lo-iam feito.
Mas o castigo veio a cavalo — ou em lombo do jegue, pois nossa Justiça
tem 4 instâncias, nosso Congresso é
dominado por corruptos e nossa Suprema Corte, por aberrações (mais detalhes nesta
postagem).
Embora a substituição da Rainha Bruxa do Castelo do Inferno pelo Vampiro do Jaburu tenha sido
uma lufada de ar puro após 13 anos, 4 meses e 12 dias de clausura lulopetista, os
sinais de tempestade surgiram logo depois, quando o prometido ministério de notáveis se revelou uma notável confraria de corruptos. Mas o
castelo de cartas ruiu de vez quando Lauro
Jardim revelou detalhes de uma conversa pra lá de suspeita entre o presidente e certo moedor de carne com vocação para delator — e
burro a ponto de delatar a si mesmo —, o que nos leva à segunda oportunidade de
fazer um bem ao país, que sua excelência não aproveitou.
Diante da repercussão das revelações bombásticas, o presidente cogitou de renunciar, mas foi
demovido da ideia por sua entourage.
Assim, despido de vez do manto da moralidade, afirmou em pronunciamento à nação que não renunciaria, e que a investigação no Supremo seria “o terreno onde surgiriam as provas de sua inocência”. Ato contínuo,
lançou mão de toda sorte de artimanhas para escapar da cassação. Mas o diabo
sempre cobra sua parte no pacto: Temer tornou-se refém do Congresso, e isso foi o
começo do fim.
O presidente pato-manco decidiu sair cena exatamente como entrou. Em 2016, ele
autorizou seus apoiadores no Congresso a aprovar um pacote de reajustes que engordou os contracheques de 38 carreiras
do funcionalismo; agora, desprezando sua derradeira chance de se redimir aos
olhos da população, sanciona o vergonhoso reajuste salarial
autoconcedido pelos ministros do STF
e avalizado pelo Congresso de Eunício
Oliveira, a despeito de as contas públicas estarem em petição de miséria.
Se
o presidente Temer fez o que fez
porque a Lava-Jato inseriu em sua
biografia duas denúncias criminais e dois inquéritos por corrupção, isso é ele
quem deve dizer. O fato é que, tão logo desça a rampa do Planalto, em 1º de
janeiro, o cidadão Temer poderá
receber a qualquer instante uma visita matutina dos agentes da Polícia Federal.
Voltando à novela do “insulto de Natal”: No final de 2016, Temer estabeleceu que só poderiam ser beneficiados condenados a no máximo 12 anos que não fossem reincidentes e que tivessem
cumprido um quarto da pena até 25 de dezembro daquele ano. Em 2017, já
desacreditado e desmoralizado, sua excelência, sem motivo de jogar para a torcida, assinou um decreto ainda mais benevolente. Raquel Dodge (que
foi escolhida pelo próprio Temer
para comandar a PGR) entrou
com uma ação no Supremo para suspender os efeitos daquele descalabro —
que, segundo ela, resultaria em impunidade para crimes graves, sobretudo os
apurados no âmbito da Lava-Jato e de
outras operações de combate à “corrupção sistêmica”.
A então presidente do STF decidiu suspendeu
os pontos questionados no processo, o ministro Luís Roberto Barroso foi sorteado relator
de processo, e assim, com a celeridade
típica da nossa suprema corte, só agora, às vésperas da troca do comandante-em-chefe desta Banânia, os ministros resolveram se debruçar sobre o
assunto. A propósito, Bolsonaro postou no Twitter que foi eleito presidente para
atender aos anseios do povo brasileiro, que pegar pesado na questão da
violência e criminalidade foi um dos seus principais compromissos de campanha,
e que, se houver indulto para criminosos
neste ano, certamente será o último.
O julgamento começou na quarta-feira 28, mas foi adiado
(devido “ao avançado da hora”) quando o placar estava empatado em 1 a 1, e novamente suspenso na sessão subsequente, desta vez por um pedido de
vista do ministro Luiz Fux, quando o
placar estava em 6 a 2 a favor da permissão para que o presidente da República possa indultar quem
ele quiser, sob qualquer critério.
Em tese, o pedido de
vista se destina a dar mais tempo para o magistrado estudar o processo e
formar seu entendimento, mas é largamente utilizado para obstruir a votação. Essa prática foi introduzida como estratégia
pelo então ministro Nelson Jobim,
que a trouxe de sua experiência no Congresso, onde a obstrução é uma arma da
maioria para se fazer ouvir ou impedir algum ato do governo, e acabou sendo
useira e vezeira no STF.
Pelo
regimento interno da Corte, a devolução dos autos deve ser feita até a segunda sessão
subsequente à do pedido de vista, mas ninguém se atém a isso, de modo que, na prática, não existe prazo. Assim, o autor do pedido
de vista pode devolver o processo somente quando vislumbrar a possibilidade de um ou
mais magistrados mudarem o voto, ou quando a maioria formada já não fizer mais
diferença. E é isso que deve acontecer agora.
O impasse na sessão de quinta-feira ocorreu duas vezes,
pois também seu presidente, ministro Dias Toffoli, achou por bem pedir vista quando se formou maioria pela
manutenção da liminar que impediu Temer
de indultar os acusados de crimes do colarinho branco. A manobra de votar
separadamente — primeiro a liminar, depois votar o mérito — foi proposta por Gilmar Mendes (sempre ele!); se a
liminar fosse derrubada, Temer
ficaria livre para dar o indulto à sua maneira, e a discussão do mérito não teria
mais nenhum valor.
Mendes, Toffoli e o próprio Temer foram vítimas do próprio veneno:
em novembro do ano passado, seguindo um roteiro previamente combinado com o presidente numa reunião fora da agenda, Toffoli impediu que a decisão
majoritária do plenário da Corte reduzisse o foro privilegiado dos
parlamentares, e Mendes fez o mesmo
durante o julgamento do financiamento de campanha dos políticos.
Fato é que o pedido de “vista obstrutivo” quase sempre tem um “motivo oculto” — como no caso de Toffoli, na questão do foro privilegiado, e de Mendes, no financiamento das campanhas. Na sessão de quinta-feira, Fux fez uma “defesa constitucional” do Supremo ao evitar que o indulto de Natal representasse um presente de Papai Noel para políticos e empresários condenados por crimes de corrupção, impedindo que políticos como Eduardo Cunha e Geddel Vieira Lima fossem soltos pelo “insulto presidencial”.
Como faltam menos de 3 semanas para o início do recesso do Judiciário, o tema só deve ser retomado no próximo governo, e Jair Bolsonaro já disse que, com ele na Presidência, não haverá indulto de Natal.