A postagem de hoje foca a decisão estapafúrdia (mais uma) do
STF, que na última terça-feira anulou o julgamento do ex-presidente do BB e da Petrobrás
Aldemir Bendine, abrindo espaço para
uma enxurrada de pedidos análogos, inclusive por parte da defesa de certo
ex-presidente petralha — cuja soltura, de alguma maneira, qualquer que seja ela,
parece ter se tornado prioridade zero para alguns membros da nossa mais alta
Corte de Justiça. Como eu tive outros assuntos para tratar no dia de ontem,
faltou-me tempo para estudar melhor o tema em tela e tecer considerações
mais circunstanciadas (tenciono preencher as lacunas no post de amanhã, caso
não aconteça nenhuma outra catástrofe). Dito isso, vamos em frente.
Quando era juiz de primeira instância, Moro condenou Bendine e vários outros réus usando o mesmo critério que ora foi
contestado pela 2ª turma dos supremos
togados (vencido o voto do relator, ministro Luís Edson Fachin, e ausente o decano Celso de Mello, que está se recuperando de uma pneumonia). Note que
tanto o TRF-4 quanto o STJ já haviam referendado a decisão emanada
da 13ª VF do Paraná, a despeito de a defesa sustentar que o réu deveria ter
tido o direito de apresentar suas “alegações finais” depois dos delatores, réus
como ele, pois estes teriam se transformado em “assistentes de acusação”, e a
lei garante que a defesa tenha a palavra final, depois da acusação.
Observação: Isso é balela: os réus continuam sendo réus,
apenas obtêm determinadas vantagens (como uma pena mais branda) por terem colaborado
com a Justiça. Demais disso, só agora, depois que a Lava-Jato estar ativa e operante por mais de 5 anos, e de ter produzido os resultados que produziu graças, em boa medida, às delações premiadas, é que o Supremo resolve, do nada, entender que as regras do jogo precisam ser mudadas? Para mim, isso fede a oportunismo barato.
Moro rejeitou a tese da defesa por
absoluta "falta de previsão legal,
forma ou figura em Juízo”. Segundo ele, “a lei estabelece prazo comum para a apresentação de alegações finais,
ainda que as defesas não sejam convergentes, e não cabe à Justiça estabelecer
hierarquia entre acusados, todos com igual proteção da lei”.
Aliás, todos os julgamentos de processos da Lava-Jato presididos por ele enquanto juiz da 13ª Vara Federal do Paraná certamente seguiram o mesmo critério, segundo
o qual “o acusado colaborador não se
despe de sua condição de acusado no processo, apenas opta, com legitimidade,
por defender-se com a pretensão de colaborar com a Justiça". Acolher o
requerimento da defesa de Aldemir Bendine seria o equivalente a estabelecer uma
hierarquia entre os acusados, distinguindo-os entre colaboradores e não
colaboradores, com a concessão de privilégios aos últimos por não terem
colaborado.
É no mínimo um absurdo anular uma sentença com base em
filigrana processual sem base legal. A decisão da turma causou espécie, tanto porque não há na lei exigência que a sustente — uma vez
que o instituto da delação premiada ainda é novo na nossa legislação penal —,
quanto pelo fato de a ministra Cármen
Lúcia não ter seguido o voto do relator, e, sim, se alinhado com Mendes e Lewandowski.
Observação: Para que um processo seja anulado, o CPP exige demonstração cabal de
prejuízo para a defesa do réu, e os doutos decisores da 2ª Turma, com exceção do relator e do enfermo, entenderam que o fato
de dar o mesmo prazo para todos os réus, quando alguns eram delatores, feriu os
direitos de Bendine.
Na avaliação dos procuradores da Lava-Jato, essa lamentável decisão abre brecha para outros casos, devendo, pois,ser questionada o quanto antes e
pacificada pelo plenário da Corte. A PGR
está providenciando um pedido nesse sentido, visando ao menos tentar minimizar
um possível efeito cascata em outros julgamentos de réus sentenciados por
corrupção e demais crimes.
A defesa de Lula entrou nesta quarta-feira com mais um pedido de habeas corpusSTF para anular a sentença a 12 anos e 11 meses de prisão, imposta pela juíza Gabriela Hardt no processo do sítio de Atibaia e a condenação imposta por Moro, a 9 anos e 6 meses no caso do triplex (que depois viria a ser reduzida pelo STJ a 8 anos e 10 meses). Se você tem estômago forte, leia a entrevista que esse dejeto de camiranga concedeu à BBC um diadepois que a 2ª turma dos urubus proferiu sua esdrúxula decisão.
Raquel Dodge solicitou
que o grupo de trabalho da Lava-Jato
no STF discuta as alternativas
jurídicas para um eventual recurso. A atual coordenadora das investigações
penais na PGR, Raquel Branquinho, ficou de reunir o grupo para estudar o assunto.
Uma das estratégias é levantar precedentes de outros julgamentos do STF para ver como os ministros se
posicionaram contra esse mesmo argumento utilizado pela defesa de Bendine.
Dodge precisa
esperar a 2ª Turma disponibilizar o
acórdão do julgamento, para só então contestar os argumentos. A estratégia em
análise seria ingressar com embargos de
declaração — instrumento jurídico que não tem o condão de reverter o
resultado do julgamento, mas é usado para elucidar pontos obscuros ou
controversos da decisão. Assim, a PGR
poderia tentar delimitar o alcance da decisão e evitar que ela atinja os demais
processos da Lava-Jato (as defesas de Dirceu
e Vaccari avaliam pedir anulação das
condenações de seus clientes essa decisão absurda).
Agora é o próprio Toffoli
que busca superar essas liminares asininas. Valendo-se do plantão e da
hermenêutica e a pretexto de atender um pedido de Flávio Bolsonaro, o supremo togado suspendeu liminarmente todos os processos em que
houve compartilhamento de informações fiscais e bancárias pelo Coaf sem prévia autorização judicial.
A exemplo dos desdobramentos da Vaza-Jato de Verdevaldo, discorrer sobre esse assunto exige doses
cavalares de metoclopramida (princípio
ativo do Plasil), mas vamos lá: A
decisão monocrática de Toffoli não
só compromete as investigações da Lava-Jato
e os processos delas decorrentes, como também pode resultar sanções
internacionais (o entendimento do ministro vai de encontro a diretrizes
estabelecidas por organismos intergovernamentais, como o Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e Financiamento
do Terrorismo) e favorecer aqueles que rapinaram e rapinam o Erário.
Ao contrariar a decisão colegiada que o STF tomou em 2016, Toffoli não beneficia somente
o zero um, mas também outros acusados de crime contra o sistema financeiro a
partir de dados repassados diretamente pelo Coaf. Pelo princípio da isonomia, a liminar alcança um sem-número
de criminosos, de traficantes a terroristas. É crucial, portanto, que o plenário
do Supremo se manifeste o quanto
antes sobre o compartilhamento de provas em investigação criminal, e não somente
no final de novembro.
Observação: O ativismo de Toffoli no plantão de férias causou enorme desconforto entre seus pares. Alguns já falam em antecipar a deliberação do plenário sobre a esdrúxula liminar do plantonista, que, em seu despacho, anotou que o tema será analisado pelo colegiado somente em 21 de novembro. A ala incomodada deseja adiantar o relógio, antecipando o julgamento para o mês que vem, tão logo o tribunal retorne do recesso, já que a demora pode arruinar investigações e carbonizar a já combalida imagem da corte. A preocupação dos ministros aumentou depois que a PF, em cumprimento à ordem bizarra de Toffoli, suspendeu todas as investigações que se serviram de dados repassados pelo Coaf, pela Receita e pelo Bacen, para gáudio de toda sorte de bandidos — de sonegadores a traficantes. Disseminam-se entre os supremos togados críticas à forma como seu presidente agiu, desfazendo sozinho procedimentos validades em pelo menos três julgamentos colegiados — dois na 1ª Turma e um no plenário, com voto favorável do próprio Toffoli. Um ministro que sabe fazer contas estima que a liminar asnática que brecou investigação contra Flávio Bolsonaro e uma legião de suspeitos deve cair, e aposta no placar de 6 a 5.
No mínimo, seria preciso definir o que acontece com os
processos que estão suspensos — a tese dos advogados dos investigados é que
eles não poderão ser retomados, mesmo com a autorização judicial, pois os dados
já revelados invalidam as provas. Por outro lado, diversos juristas entendem
que, mesmo se o plenário aderir à tese de Toffoli,
as ações podem ser retomadas, desde que adequadas às novas normas. Ministros do
próprio STF, como Celso de Mello e Marco Aurélio de Mello, consideram que nenhum dado, mesmo genérico,
pode ser entregue pelo Coaf sem
decisão judicial, mas, mesmo assim, Marco
Aurélio vê indícios de inconstitucionalidade na decisão monocrática do
presidente da Corte.
O Supremo já
autorizou, em diversas oportunidades, investigações das operações atípicas
detectadas pelo Coaf sem
necessariamente passar pela autorização judicial. Desde que o plenário deliberou,
por 9 votos a 2, que os órgãos de investigação podem receber dados de movimentações
consideradas suspeitas, o Coaf tem
enviado informações detalhadas dos gastos dos investigados sem autorização da
Justiça, o que tecnicamente não significa quebra do sigilo bancário.
Toffoli, que em
2016 votou a favor dessas investigações, agora entende — ou pelo menos é isso
que se infere de sua liminar — que as informações devem ser fornecidas em
números globais, e o detalhamento, só com decisão judicial. Em prevalecendo essa
tese, a agilidade das investigações restará prejudicada, pois adicionará mais
uma etapa burocrática que pode retardar a ação da PF e/ou do MP no combate
ao narcotráfico e crimes de lavagem de dinheiro. De novo: é fundamental que o
plenário liquide essa fatura o quanto antes, sob pena de o país ser punido
tanto pela inviabilização do combate aos crimes financeiros quando pela
rejeição de órgãos internacionais como a OCDE,
que exigem legislação dura contra a lavagem de dinheiro internacional.
Em sua participação no Jornal
da Gazeta de ontem, José Nêumanne pondera que reportagem da Crusoé é lógica e verossímil. Não dá
para duvidar que Toffoli atropelou
seus pares do STF tomando a decisão
maluca de destroçar o combate ao crime organizado e a corrupção no Brasil para
blindar sua mulher e a de Gilmar Mendes (detalhes mais adiante), embora quem lhe deu pretexto foi defesa de Flávio
Bolsonaro, ao pedir a providência para seu cliente. As reações
completamente fora do esquadro do presidente Jair Bolsonaro em relação ao advogado-geral da União, André Mendonça, indicado por Toffoli,
nomeado por Temer e mantido por ele,
agora elogiado como “ministro terrivelmente evangélico”, provoca uma pulga
atrás da orelha sobre alguma eventual recompensa no futuro para premiar a “boa
vontade” do presidente do STF agora.
Toffoli, nunca é demais lembrar,
deixou a militância petista, mas esta jamais o deixou (mais detalhes na
sequência de postagens iniciada por esta aqui). Em fevereiro passado, quando
vieram a lume informações sobre uma apuração interna da Receita envolvendo a advogada Guiomar Mendes, o presidente supremo sinalizou que haveria reação à
iniciativa de esquadrinhar as movimentações financeiras da esposa do colega.
Como salienta a revista
eletrônica Crusoé, não demorou para
que surgisse a notícia de que, a exemplo de Guiomar, o escritório da também advogada Roberta Maria Rangel — mulher de
Toffoli — estava no radar da Receita,
e diante disso o bom amigo e diligente maridão pautou para março passado o julgamento de
um recurso extraordinário que visa delimitar até que
ponto órgãos como a própria Receita
podem repassar informações fiscais para procuradores e outros investigadores. Mas depois voltou atrás e reagendou a discussão para novembro, e agora, aproveitando-se do recesso do Judiciário...
Embora essa enjoativa novela venha sendo exigida ad nauseam por todos os telejornais, não custa reforçar: numa só
uma canetada, Toffoli atendeu ao pedido do primogênito do presidente Jair
Bolsonaro e estancou na origem o
incômodo causado desde que surgiram as notícias sobre o pente fino nas operações
financeiras do escritório de sua mulher e nas contas da mulher de seu colega Gilmar. Ainda segundo Crusoé, três
semanas antes de ele expedir a
decisão, a Receita havia pedido
explicações a algumas das empresas que contrataram os serviços do escritório de Roberta, e assim, ao proibir que os auditores repassem informações detalhadas
aos órgãos de controle sem que haja uma ordem expressa de um juiz, Toffoli desarmou a bomba — pelo menos até o plenário do STF cassar sua liminar.
Observação: Crusoé pediu à Receita informações sobre o avanço da
apuração envolvendo a banca de advocacia de Renata Rangel — do qual o próprio Toffoli era sócio quando ainda trabalhava para o PT —, mas o órgão limitou-se a
responder que não pode comentar o assunto. O escritório se escusou de
responder, a exemplo da assessoria da presidência do STF, que informou “não ter conseguido contatar o ministro para
falar sobre o assunto”.
Depois que Toffoli
deixou a sociedade, Roberta levou a
banca adiante e hoje cuida de centenas de processos em Brasília. Segundo os
registros na OAB, um advogado que trabalhou
com Toffoli figura como
sócio de Renata (detalhes mais adiante). Em outra matéria,
publicada tempos atrás, Crusoé
noticiou que Toffoli recebia da mulher uma “mesada” de R$100
mil, metade dos quais era transferido para a conta de sua ex,
Monica Ortega, e o restante, usado
para pagar despesas correntes, como faturas de cartão.
Discreta, Roberta
despacha em um prédio moderno, conhecido por abrigar os famosos lobistas que
circulam pela capital federal. À diferença das grandes bancas, que gostam de
ostentar suas marcas, o nome do escritório de Roberta aparece apenas no tapete. Os processos sob seus cuidados
tramitam ou tramitaram principalmente no STJ
e no TSE, e entre seus clientes há
uma infinidade de políticos desconhecidos (muitos prefeitos de cidades pequenas
e médias, por exemplo), um “banqueiro” de jogo de bicho e diversas empresas. No
STJ, a causídica atuou recentemente
numa ação envolvendo disputa de terras no Mato Grosso. Quando o processo subiu
para Brasília, uma das partes contratou o escritório do advogado Sérgio Bermudes — que tem como sócia a mulher
de Gilmar Mendes — e a outra parte
contratou a mulher de Toffoli. O
litígio foi encerrado no fim de 2017, mediante acordo celebrado entre as partes,
e os honorários não foram discriminados no documento obtido por Crusoé, embora ficasse claro que ambos
os escritórios se deram bem no acerto.
Roberta evita
atuar no Supremo, mas um caso ajuda
a entender como funciona a engrenagem dos tribunais superiores em Brasília. Em
dezembro de 2014, ela deixou de advogar num processo sob a relatoria do marido,
mas repassou a tarefa para o colega Daniane
Mangia Furtado, que trabalhou com o próprio Toffoli quando este ainda estava na advocacia. O ministro se deu
por impedido de julgar a ação, mas sua relação com Daniane segue firme e forte: hoje ele é sócio de Roberta Rangel, ou seja, o sócio da
mulher do Toffoli é um ex-parceiro
do próprio ministro.
Além de se dedicar à advocacia, Roberta é procuradora da Câmara
Legislativa do DF, um cargo público que lhe rende salário com a
flexibilidade de poder advogar, e dona do Instituto
Brasiliense de Estudos Tributários — criado em março deste ano e que tem
como sede o próprio escritório da advogada em Brasília. Procurado por Crusoé, Toffoli não quis falar. “O ministro não irá se manifestar”,
respondeu sua chefe de gabinete. A Sra. Toffoli também não quis se pronunciar.
Observação: Segundo VEJA publicou em
2016, Léo Pinheiro, num dos anexos
de sua delação premiada, informou que Toffoli teria
comentado com ele que sua casa estava com problemas de infiltração. O então
presidente da OAS mandou prontamente
uma equipe de engenheiros fazer uma verificação e indicou uma empresa para
executar a obra. Depois que os trabalhos foram concluídos, uma nova vistoria
realizada pela OAS atestou que tudo
estava bem. Em nota a Veja, o
ministro afirmou não ter recebido nenhum tipo de ajuda da OAS, mas a revista assevera que sua casa foi inteiramente reformada
em 2011, quando ganhou novos quartos, adega, espaço gourmet, instalações de
gás, energia solar e paisagismo, além de a área construída ter aumentado de 370
para 451 metros quadrados. Amigos de Toffoli
dizem que a casa antiga virou “mansão de revista” — mansão essa que, ainda
segundo Veja, está para a OAS assim como o sítio em Atibaia e o
triplex no Guarujá estavam para certo ex-presidente presidiário e chefe da ORCRIM do PT. O vazamento do conteúdo da
delação de Léo Pinheiro
levou Rodrigo Janot, então no
comando da PGR, a suspender o acordo
de colaboração. E assim o dito ficou pelo não dito.
Em 2015, a área técnica do Banco Mercantil identificou transações consideradas atípicas que chegavam
a R$ 4,5 milhões. Em casos assim, cabe
ao banco notificar o Coaf — um dos
órgãos agora alcançados pela decisão de Toffoli
— mas não foi o que ocorreu: após uma ordem da diretoria do banco, os relatos
com os indícios de irregularidades foram engavetados. Assim como agora, Toffoli não se manifestou sobre o caso —
nem à altura da publicação, nem nos quase dois anos transcorridos desde então.
Na
quarta-feira, 17, em resposta à saraivada de críticas que passou a receber após
sua abilolada decisão, Toffoli repisou o argumento central de seu
despacho — o de que órgãos como a Receita
e o Coaf só podem passar informações
adiante com a intermediação de um juiz. Suas declarações reverberam o discurso
entoado por Gilmar Mendes quando
veio à tona a informação sobre a apuração da Receita envolvendo sua mulher. A certa altura, Gilmar apontou um suposto interesse da OperaçãoLava-Jato por
trás da iniciativa dos auditores fiscais, e chegou a dizer que um dos envolvido
na apuração havia trabalhado em conjunto com procuradores da Lava-Jato no Rio — um indício, segundo Gilmar, de que o levantamento teria o
objetivo de atingi-lo.
Fazer previsões, tudo mundo faz. Acertar é que são elas.
Eu,
particularmente, não levo a sério aqueles videntes
que, entra ano, sai ano, preveem a morte de “um artista famoso”, mas sem dar
nomes aos bois. E o mesmo vale para horoscopistas que recomendam aos nascidos
sob o signo tal “cuidar melhor da saúde”, “evitar investimentos arriscados” ou
“aguardar novidades no campo sentimental”.
Mesmo com todo o avanço tecnológico ocorrido no século XX, a maioria das previsões “sérias” ― como as publicadas no Livro da Juventude de 1968 ― deram com os burros n’água. Bill
Gates, gênio da tecnologia e um dos homens mais ricos do mundo, errou
redondamente ao afirmar, nos anos 80, que 640 kilobytes seriam memória mais que suficiente para um PC
(hoje em dia, qualquer modelo de entrada de linha traz pelo menos 2 gigabytes de RAM).
Visão, mesmo, tinha Leonardo da Vinci, que no século XV idealizou o helicóptero (engenhoca
que se tornaria realidade 500 anos depois). Ou Júlio Verne, que no
livro “Da Terra à Lua”, escrito em 1865,
antecipou a missão Apollo 11 ―
errando por míseras 20 milhas o local do lançamento ―, e em 20.000
Léguas Submarinas, escrito 4 anos depois, idealizou o Nautilus,
antecipando com espantosa exatidão os submarinos nucleares que começariam a ser construídos dali a 100 anos.
Se você está se perguntando a que vem isso, a explicação é a
seguinte: no dia 27 do mês passado, o jornalista José Carlos Marques (diretor editorial da Ed. Três) publicou em IstoÉ a previsão (furada, ao que tudo
indica) de que Lula seria solto dali a
10 dias (para conferir, clique aqui).
Eu também receava que o trio
assombro togado aprontasse mais uma das suas, mas o horizonte se desanuviou
quando o ministro Dias Toffoli
seguiu o voto do relator (Edson Fachin),
e mais ainda depois que Gilmar Mendes
negou o pedido da defesa (“em homenagem à colegialidade”) e Lewandowski seguiu a manada.
Até agora (são 17h30 de quinta-feira), o ministro Celso
de Mello não se pronunciou, e o prazo pare ele proferir seu voto expira às 23h59. Mesmo não querendo fazer previsões, acho que o decano não
deverá mijar fora do penico, mas cabeça de juiz e barriga de criança...
Ainda que a maioria tenha sido
estabelecida com voto de Gilmar Mendes,
seria bom que o recurso fosse negado por unanimidade, ou que Mello não inventasse de pedir vista ou
destaque, pois aí o julgamento deixaria o âmbito virtual e a questão teria de
ser discutida presencialmente. Haja coração!
Atualização: Celso
de Mello, que juntou seu voto ao
dos colegas na noite de ontem, também seguiu o relator (em respeito ao
princípio da colegialidade) e negou o recurso da defesa de Lula. Com isso, a decisão da 2.ª turma foi unânime. Nesse entretempo,
o ministro EdsonFachin negou seguimento a um novo
recurso contra a prisão do sevandija de Garanhuns ― na verdade um recurso “requentado”,
pois se insurge contra o primeiro habeas corpus preventivo de Lula, que foi negado em março, por
unanimidade, pela 5.ª Turma do STJ (embora
tenha enviado pelo ministro Humberto
Martins, do STJ, no último dia
19, somente ontem que o recurso foi protocolado no STF). Outro HC com teor similar foi negado pelo Supremo (por 6 votos a 5) no início do mês passado. Resta saber até quando os advogados
do petralha continuarão abusando da nossa paciência.
O placar no TRF-4
foi 3 x 0, mas, se considerarmos a sentença condenatória do juiz Sérgio Moro, o escore passa a ser de 4 x 0 ― sem mencionar o jus sperniandi da defesa do molusco, que
colheu uma derrota atrás da outra nas quatro instâncias do Judiciário. Aliás, como
venho dizendo desde quando Lula se
tornou réu pela primeira vez, “é difícil defender o indefensável”.
Tão logo forem julgados os embargos declaratórios, o TRF-4
poderá determinar a expedição do mandado de prisão contra Lula, para a execução provisória da
pena ― o que não obsta a interposição de recursos especial e extraordinário (no
STJ e no STF, respectivamente), mas impede que o molusco aguarde a decisão
das instâncias superiores em liberdade. Claro que Zanin deverá incluir no apelo o pedido de efeito suspensivo, mas isso já é outra conversa.
O “x” da questão é
que o cumprimento da pena a partir da condenação em segunda instância é controverso
no Supremo: embora 6 dos 11 ministros tenham se posicionado a favor dessa tese
em outubro de 2016, a Corte deverá julgar em breve duas ações que questionam essa
autorização para a execução penal, e Gilmar
Mendes já afirmou diversas vezes que pode mudar seu voto.
Observação: Há defensores e detratores dessa tese, até
porque, por Lei, todos são inocentes até prova em contrário (ou até a sentença
condenatória transitar em julgado, melhor dizendo). Mas, no Brasil, permitir que
condenados recorram em liberdade às 4 instâncias do Judiciário a pretexto da presunção de inocência é fomentar a
impunidade, ou, no mínimo, produzir uma indesejável insegurança jurídica, como fizeram
alguns ministros do STF ao colocar
em liberdade o ex-goleiro assassino Bruno Fernandes de Souza, o médico
estuprador Roger Abdelmassih e o mensaleiro e petroleiro JoséDirceu,
por exemplo, a pretexto de travar uma “cruzada” contra o alongamento excessivo
das prisões provisórias ― instrumento que, como a condução coercitiva e as
delações premiadas, é um dos grandes responsáveis pelo sucesso da Operação Lava-Jato.
Já se fala que os advogados de Lula, useiros e vezeiros em recorrer a chicanas judiciais, tencionam pedir a anulação do julgamento da última quarta-feira com base em questiúnculas surreais, como o fato de
a acusação ter tido mais tempo do que a defesa na sustentação oral e de o juiz
da 10.ª Vara da Justiça Federal em Brasília ter determinado a apreensão do passaporte
do petralha, alegando existir “risco concreto aos bens jurídicos protegidos no
processo e à garantia da ordem pública e da aplicação da lei penal por uma possível
fuga do País, notadamente para países
sem acordo de extradição com o Brasil ou que lhe poderiam conceder
institutos jurídicos internacionais como o asilo
político”.
Observação: Como é sabido, Lula pretendia viajar à Etiópia para
participar de um evento contra a fome em Adis
Abeba, e sua defesa se disse disse estarrecida com a decisão do
magistrado, até porque ele decidiu sobre um processo que não está
sob sua jurisdição. Além disso, segundo Zanin,
o TRF-4 foi informado sobre a
viagem de seu cliente e não opôs qualquer restrição.
Por mim, Lula poderia ir à Etiópia, ou mesmo à merda, desde que nunca mais voltasse. Mas, cá entre nós, confiscar seu passaporte neste momento é dar munição para os defensores do petista embasarem a tese de perseguição política e outros absurdos que tais. Pecaram por excesso, a meu ver, tanto o Ministério Púbico quanto o juiz que acolheu o pedido e determinou a apreensão do passaporte, impedindo o petralha de participar de um evento que, em última análise, havia sido marcado bem antes da decisão do TRF-4. Aliás, essa medida não tem relação direta com a
decisão do TRF-4, mas com o
processo que apura suposto tráfico de influência de Lula na compra de aviões militares suecos ― no qual o
molusco está convocado para um interrogatório
no próximo dia 20 de fevereiro. O juiz Ricardo Leite, responsável pela
decisão de apreender o passaporte do ex-presidente, é o mesmo magistrado que,
em maio do ano passado, determinou
a suspensão das atividades do Instituto Lula.
Deixando de lado por um instante a questão penal e passado à
esfera eleitoral, o PT finge não ter
um plano B ― como fingia acreditar
que Lula seria absolvido pelo TRF-4. Mas fará “o diabo” para tentar demover
o TSE de impugnar a candidatura do petista.
Assim, quando o inevitável acontecer ― ou seja, o registro da candidatura
do molusco for rejeitado à luz da Lei da Ficha-Limpa, o que deve ocorrer somente
no início de setembro ―, a decisão do TRF-4
terá sido tão politizada, e Lula,
tão vitimizado, que seu “capital eleitoral” passará quase que automaticamente para Jaques Wagner, Fernando Haddad ou outro nome que a
sigla venha a escolher para disputar a presidência. Ou pelo menos é nisso que aposta a cúpula do partido, mas é bom ter em mente o imprevisto pode ter voto decisivo na
assembleia dos acontecimentos.
Fato é que Lula está mais perto da cadeia do que da presidência. Se for preso, ele não
poderá sair em caravana pelo país para vender seu peixe podre aos desavisados de
ocasião. Para os cidadãos de bem, no entanto, a vida segue, até porque o mundo
não vai acabar quando o deus pai da Petelândia for engaiolado, digam o que
disserem os devotos da Seita do Inferno. Aliás, o Brasil não implodiu quando seu sumo pontífice foi conduzido coercitivamente para
depor, quando se tornou réu pela primeira vez, quando depôs na 13.ª Vara
Federal em Curitiba, quando passou a colecionar processos (já são 7), quando recebeu
sua primeira condenação ou quando o TRF-4
amentou sua pena para 12 anos e um mês de prisão em regime fechado.
Para o ministro da Justiça, Torquato Jardim, a eventual prisão de Lula exige “muita prudência”, já que o STF pode rever a qualquer momento a possibilidade de execução da
pena após condenação em segunda instância. Aliás, Jardim telefonou a Thompson
Flores para cumprimentá-lo pela “atuação brilhante” dos desembargadores da
8.ª Turma, que demonstraram dominar completamente o assunto em julgamento e
saber exatamente do que estavam falando.
A decisão do TRF-4 parece ter abalado
a convicção de parte de seus apoiadores ― isso, sim, é estarrecedor, considerando a fidelidade canina que a patuleia dedica
ao grande crápula vermelho. Uma pesquisa feita pelo Ideia
Big Data com 1000 eleitores do petista, logo depois depois da
decisão do TRF-4, dá conta de que
54% disseram acreditar que ele não chegará ao fim da disputa, e 43% acreditam
que ele irá para a prisão. Mesmo assim, Maurício
Moura, CEO do Ideia Big Data,
avalia que um terço dos eleitores de
Lula votarão em um candidato indicado pelo ex-presidente. Resta saber o que
acontecerá com os outros dois terços.
Voltará Aécio Neves
a se aboletar em sua confortável poltrona no Senado? Poderá retornar às baladas
― que o tornaram tão conhecido no Rio ― e tocar a vida adiante como se Joesley, a mala de dinheiro, a irmã e o
primo em prisão domiciliar não passassem de um sonho mau? E como será despertado
desse pesadelo? Por votação fechada, como quer a maioria dos seus pares para
evitar a execração pública? Confira mais esse emocionante capítulo da novela na
sessão do Senado de amanhã, quando suas insolências decidirão o destino do
tucano de asas negras.
Como sabemos, na quarta-feira passada, a pretexto de
minimizar a crise entre os poderes Legislativo
e Judiciário, o plenário do STF decidiu, por 6 votos a 5, que deputados e senadores têm a palavra final
sobre medidas cautelares que envolvem afastamento do mandato
parlamentar. Porém, o que estava em julgamento não eram os limites entre o Congresso e o próprio Supremo, mas o destino do neto de Tancredo Neves, como ficou evidente na
confusão da formulação do voto da presidente da Corte. Ao fim e ao cabo, o Supremo manteve a prerrogativa de o Judiciário processar parlamentares, mas
não de afastá-los sem o aval da Câmara ou do Senado. E esse é o “x” da questão:
com mais de 30 senadores e 152 deputados
que responderam ou respondem a inquérito na mais alta Corte do país,
dificilmente o espírito de corpo não prevalecerá.
Para quem aposta na vitória do fisiologismo, o juiz Marcio Lima Coelho de Freitas, da
Sessão Judiciária do Distrito Federal, determinou, na última sexta-feira, que a
votação seja aberta e nominal ― com base na emenda 35/2001, que altera o artigo
53 da Constituição e veta a possibilidade de votação fechada em casos que
envolvem a suspensão de direitos parlamentares. Parte inferior do formulário
Mas a pergunta que não quer calar é: o que levou a maioria dos ministros a abrir mão de uma prerrogativa tão
importante? A questão é controversa, mas a melhor explicação é que, com o STF dividido, a busca pelo consenso foi
a melhor alternativa, no âmbito da democracia, para pôr fim nos queixumes do
Legislativo e jogar água na fervura da crise entre os Poderes. Mas há que se
ter em mente que juízes não são líderes partidários, devendo, portanto, se aterem
ao processo e decidi-lo com base em seu livre entendimento jurídico, e não político.
Para o ministro Luís
RobertoBarroso, que acompanhou
o relator e foi voto vencido, a ideia de o Judiciárionão poder usar seu poder cautelar para
impedir um crime em curso é a negação do estado de direito. Ele destacou
o fato de Aécio ter pedido R$ 2
milhões a Joesley Batista e de o
dinheiro ter sido entregue, em uma mala, a um primo do senador: “No mundo em que vivemos, ninguém circula
por aí indo de São Paulo a Minas Gerais levando malas com R$ 500 mil”. O
magistrado também citou o trecho da gravação onde Aécio diz a Joesley que
a pessoa indicada para pegar o dinheiro seria “alguém que a gente possa matar antes de fazer delação”, e, mesmo não levando isso ao
pé-da-letra, ponderou que “só teme
delação quem não está fazendo uma coisa correta”. Segundo ele, a decisão
relativa a Aécio foi um passo atrás
no combate à impunidade, já que a 1ª Turma optou pelo recolhimento noturno
porque outros três envolvidos haviam sido presos pelos mesmos fatos. “Se você está prendendo executores do crime,
denunciados pelo mesmo fato que o suposto mandante, não aplicar qualquer
consequência ao mandante seria perpetuar a tradição brasileira de prender peixe
pequeno e proteger o graúdo. Eu não compactuo com essa tradição” ― concluiu
o ministro.
“Como se não bastasse
o foro privilegiado, agora teremos o autoindulto privilegiado”, disse a
ex-senadora Marina Silva ― com quem
eu não simpatizo, mas que, nesse caso, está coberta de razão. Segundo ela, a
decisão do Supremo, que não se
limita a Aécio, vai na contramão do
desejo da sociedade de que a Justiça seja igual para todos. “Evitar uma crise constitucional colocando
em risco a própria segurança institucional cria uma insegurança ainda maior,
pois concede a um poder o direito de pairar acima dos demais. As instituições
devem ser autônomas, mas não podem fazer o próprio julgamento, sob pena de
passar a mensagem equivocada de alguns setores estão acima da lei”,
sintetizou a eterna candidata à presidência da Banânia.
Toda essa celeuma poderia ter sido evitada com a desejável
restrição ― ou mesmo extinção, excetuando-se, no máximo, os presidentes da
República, do Legislativo e do Judiciário ― do famigerado foro privilegiado. A questão é complexa e merece ser tratada com
mais vagar em outra oportunidade, mas vale adiantar que essa prerrogativa foi
instituída pelos constituintes quando o fedor da ditadura ainda rescendia na
Praça dos Três Poderes. A intenção era garantir o livre exercício do mandato
parlamentar, mas a blindagem se estendeu aos crimes comuns, embora não faça o
menor sentido um deputado, por exemplo, ser processado no Supremo por ter
batido uma carteira ou espancado a cara-metade, também por exemplo.
Restrições à prerrogativa de foro vem sendo discutidas desde
sempre, mas parece não existir a menor vontade política de levar a coisa até o
final. Em junho, o ministro Barroso
votou para que autoridades só tenham acesso ao foro em crimes relacionados ao
exercício do cargo e durante o mandato. Três outros ministros seguiram seu voto,
mas Alexandre de Moraes pediu vista
do processo, e embora já o tenha devolvido à pauta do STF, liberando o plenário para retomar o julgamento, não há previsão
de quando teremos essa importante decisão.
Vamos aguardar para ver que bicho dá.
Visite minhas comunidades na Rede .Link:Parte inferior do formulário