Voltará Aécio Neves
a se aboletar em sua confortável poltrona no Senado? Poderá retornar às baladas
― que o tornaram tão conhecido no Rio ― e tocar a vida adiante como se Joesley, a mala de dinheiro, a irmã e o
primo em prisão domiciliar não passassem de um sonho mau? E como será despertado
desse pesadelo? Por votação fechada, como quer a maioria dos seus pares para
evitar a execração pública? Confira mais esse emocionante capítulo da novela na
sessão do Senado de amanhã, quando suas insolências decidirão o destino do
tucano de asas negras.
Como sabemos, na quarta-feira passada, a pretexto de
minimizar a crise entre os poderes Legislativo
e Judiciário, o plenário do STF decidiu, por 6 votos a 5, que deputados e senadores têm a palavra final
sobre medidas cautelares que envolvem afastamento do mandato
parlamentar. Porém, o que estava em julgamento não eram os limites entre o Congresso e o próprio Supremo, mas o destino do neto de Tancredo Neves, como ficou evidente na
confusão da formulação do voto da presidente da Corte. Ao fim e ao cabo, o Supremo manteve a prerrogativa de o Judiciário processar parlamentares, mas
não de afastá-los sem o aval da Câmara ou do Senado. E esse é o “x” da questão:
com mais de 30 senadores e 152 deputados
que responderam ou respondem a inquérito na mais alta Corte do país,
dificilmente o espírito de corpo não prevalecerá.
Para quem aposta na vitória do fisiologismo, o juiz Marcio Lima Coelho de Freitas, da
Sessão Judiciária do Distrito Federal, determinou, na última sexta-feira, que a
votação seja aberta e nominal ― com base na emenda 35/2001, que altera o artigo
53 da Constituição e veta a possibilidade de votação fechada em casos que
envolvem a suspensão de direitos parlamentares.
Mas a pergunta que não quer calar é: o que levou a maioria dos ministros a abrir mão de uma prerrogativa tão
importante? A questão é controversa, mas a melhor explicação é que, com o STF dividido, a busca pelo consenso foi
a melhor alternativa, no âmbito da democracia, para pôr fim nos queixumes do
Legislativo e jogar água na fervura da crise entre os Poderes. Mas há que se
ter em mente que juízes não são líderes partidários, devendo, portanto, se aterem
ao processo e decidi-lo com base em seu livre entendimento jurídico, e não político.
Para o ministro Luís
Roberto Barroso, que acompanhou
o relator e foi voto vencido, a ideia de o Judiciário
não poder usar seu poder cautelar para
impedir um crime em curso é a negação do estado de direito. Ele destacou
o fato de Aécio ter pedido R$ 2
milhões a Joesley Batista e de o
dinheiro ter sido entregue, em uma mala, a um primo do senador: “No mundo em que vivemos, ninguém circula
por aí indo de São Paulo a Minas Gerais levando malas com R$ 500 mil”. O
magistrado também citou o trecho da gravação onde Aécio diz a Joesley que
a pessoa indicada para pegar o dinheiro seria “alguém que a gente possa matar antes de fazer delação”, e, mesmo não levando isso ao
pé-da-letra, ponderou que “só teme
delação quem não está fazendo uma coisa correta”. Segundo ele, a decisão
relativa a Aécio foi um passo atrás
no combate à impunidade, já que a 1ª Turma optou pelo recolhimento noturno
porque outros três envolvidos haviam sido presos pelos mesmos fatos. “Se você está prendendo executores do crime,
denunciados pelo mesmo fato que o suposto mandante, não aplicar qualquer
consequência ao mandante seria perpetuar a tradição brasileira de prender peixe
pequeno e proteger o graúdo. Eu não compactuo com essa tradição” ― concluiu
o ministro.
“Como se não bastasse
o foro privilegiado, agora teremos o autoindulto privilegiado”, disse a
ex-senadora Marina Silva ― com quem
eu não simpatizo, mas que, nesse caso, está coberta de razão. Segundo ela, a
decisão do Supremo, que não se
limita a Aécio, vai na contramão do
desejo da sociedade de que a Justiça seja igual para todos. “Evitar uma crise constitucional colocando
em risco a própria segurança institucional cria uma insegurança ainda maior,
pois concede a um poder o direito de pairar acima dos demais. As instituições
devem ser autônomas, mas não podem fazer o próprio julgamento, sob pena de
passar a mensagem equivocada de alguns setores estão acima da lei”,
sintetizou a eterna candidata à presidência da Banânia.
Toda essa celeuma poderia ter sido evitada com a desejável
restrição ― ou mesmo extinção, excetuando-se, no máximo, os presidentes da
República, do Legislativo e do Judiciário ― do famigerado foro privilegiado. A questão é complexa e merece ser tratada com
mais vagar em outra oportunidade, mas vale adiantar que essa prerrogativa foi
instituída pelos constituintes quando o fedor da ditadura ainda rescendia na
Praça dos Três Poderes. A intenção era garantir o livre exercício do mandato
parlamentar, mas a blindagem se estendeu aos crimes comuns, embora não faça o
menor sentido um deputado, por exemplo, ser processado no Supremo por ter
batido uma carteira ou espancado a cara-metade, também por exemplo.
Restrições à prerrogativa de foro vem sendo discutidas desde
sempre, mas parece não existir a menor vontade política de levar a coisa até o
final. Em junho, o ministro Barroso
votou para que autoridades só tenham acesso ao foro em crimes relacionados ao
exercício do cargo e durante o mandato. Três outros ministros seguiram seu voto,
mas Alexandre de Moraes pediu vista
do processo, e embora já o tenha devolvido à pauta do STF, liberando o plenário para retomar o julgamento, não há previsão
de quando teremos essa importante decisão.
Vamos aguardar para ver que bicho dá.
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