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sábado, 9 de março de 2019

AS ESTULTICES DE BOLSONARO — OU: ÁGUA MOLE EM PEDRA DURA...


Minha ideia era falar no bispo abilolado — que provavelmente será considerado inimputável e, portanto, não responderá criminalmente pelo atentado contra a vida de Bolsonaro —, mas a notável perseverança do presidente em agir como opositor de si mesmo, poupando a esquerda desse trabalho (basta-lhe assistir e aplaudir), levou-me, mais uma vez, a mudar a pauta. Sem mais delongas, passemos ao que interessa (ou nem tanto, mas é o que se tem para hoje).

Na última quinta-feira, durante uma cerimônia em homenagem aos 211 anos do Corpo de Fuzileiros Navais, Bolsonaro acrescentou mais uma pérola ao colar que vem fiando desde a campanha. Mas basta assistir ao vídeo para ver que fizeram tempestade em copo d’água. Salta aos olhos que a intenção do presidente era elogiar as Forças Armadas, e não desmerecer os Poderes da República. Todavia, como vem se tornando hábito e se repetindo com uma frequência irritante, o capitão escolheu muito mal as palavras.

O prurido resultante de mais esse nonsense pode ser classificado como “muito peido e pouca bosta” (a expressão pode ser deselegante, mas perde longe para o vídeo escatológico — e não pornográfico, porque não exibe relações sexuais —, tuitado pelo presidente (ou por zero dois, que tem acesso às contas do pai nas redes sociais). E se a intenção era desqualificar os blocos carnavalescos, o feitiço virou contra o feiticeiro. A ação dos dois desqualificados, filmada supostamente durante o Carnaval, não serve para alertar a população de coisa alguma, muito menos de que "é isto que tem virado muitos blocos de rua no carnaval brasileiro". Se não há dúvida de que houve quebra de decoro, tampouco há que se falar em consequências danosas para o país — que não a repercussão do ato falho presidencial na imprensa internacional. Até aí, nada de mais. Se não fosse Bolsonaro o presidente, talvez a repercussão fosse bem outra. Enfim, bola pra frente. Segue o baile. Ponto final.

Dois erros não produzem um acerto. Pedir impeachment do presidente, com todas as consequências nefastas para um país que já vai mal das pernas, seria dar o tiro de misericórdia na reforma da Previdência, acelerar as máquinas deste Titanic de dimensões continentais e travar o leme no curso de colisão com a monstruosa montanha de gelo que o espera mais adiante. Uma atitude idiota como que só cabe na cabeça de petistas e assemelhados, que é mantida oca a poder de laxante.

Voltando à "monumental ofensa" à democracia e aos três Poderes que a sustentam, ninguém espera que Bolsonaro discurse como um Demóstenes, que domine nosso idioma como um Machado de Assis ou que faça política como um Ruy Barbosa. Mas ele bem que poderia se ater ao script, evitando os improvisos que tanto desconforto têm causado. Ainda que sua tropa de choque acorra para apagar os incêndios, a insistência do capitão, de botar fogo no paiol de pólvora, é positivamente estarrecedora.

Observação: Não dá para dizer que essa pantomima seja um déjà vu do período dilmista, até porque a Rainha Bruxa do Castelo do Inferno não conseguia juntar lé com cré, mas suas tiradas abiloladas eram apenas alvo de chacota, ao passo que as "bolsonarianas", quando mais não seja, derrubam a Bolsa e fazem o dólar disparar. Isso sem mencionar que, a cada edição revista e atualizada dessa tragicomédia, um pouco da nossa confiança no governo desce pelo ralo.  

Como na fábula do velho, o menino e o burro, Bolsonaro é criticado tanto pelo que diz ou faz quanto pelo que deixa de dizer ou fazer. Porém, ao tomar para si a tarefa da oposição, sua excelência fomenta especulações de que o país estaria melhor nas mãos do vice, em que pese o desconforto produzido pela ideia da volta ao militarismo. A vocação inata de meter os pés pelas mãos parece estar no DNA da “família real”, como se pode inferir dos esforços do “príncipe zero dois” em desconstruir o governo do pai. Pouco importa se as intenções são boas, já que boas intenções pavimentam a estrada para o inferno. E pelo visto, não é só o pitbull do presidente que precisa de focinheira.

Mesmo num arremedo de republiqueta de bananas como a nossa, não dá para o presidente governar pelo Twitter e se pronunciar somente através do seu porta-voz. Depois que Rodrigo Maia alertou para o fato de que, se governo não assumir uma atitude proativa, não será possível aprovar a reforma da Previdência, Bolsonaro vem tentando fazer sua parte. Foi o que se viu na tal cerimônia no Rio, quando ele mencionou a necessidade de todos (aí incluídos os militares) darem sua contribuição de sacrifício. O problema é que não pisou no freio antes da curva, como teria feito um bom piloto, e isso obrigou a eletrônica embarcada a corrigir a trajetória para evitar o acidente. 

Ainda que o núcleo militar do governo esteja sempre pronto a pressionar a tecla do controle remoto que muda o idioma presidencial do bolsonarês para o português, isso deveria ser exceção, não a regra geral. E, de novo, a frequência é assustadora: a nota lida pelo porta-voz, general Otávio do Rego Barros (sobre o apreço de Bolsonaro pelo Carnaval) ainda repercutia no noticiário quando o chefe do Gabinete de Segurança Institucional e o vice-presidente precisaram entrar em ação para apagar o novo incêndio. 

O general Augusto Heleno ponderou que “tentaram distorcer isso [a fala do presidente] como se [a garantia da democracia] fosse um presente dos militares para os civis”; o general Hamilton Mourão disse que “O presidente falou que onde as Forças Armadas não estão comprometidas com democracia e liberdade, esses valores morrem. É o que acontece na Venezuela. Lá, infelizmente as Forças Armadas venezuelanas rasgaram isso aí. Foi isso o que ele quis dizer". Aliás, o professor Olavo de Carvalho — ponto de referência para Bolsonaro — já disse estar arrependido de apoiar Mourão na campanha, que o vice "afaga os que odeiam o presidente e ofende os que o amam", que ele traiu os eleitores com posicionamentos recentes (que supostamente vão contra o pensamento de Bolsonaro) e por aí afora. Peguntado sobre o fato, o general fez o gesto de beijo na mão, sinalizando que as acusações são irrelevantes.

Segue o baile.