Resolução de ano novo é como promessa de político em campanha:
zero chance de ser honrada. Já as retrospectivas servem, em anos aziagos, somente para botar sal na ferida. Parafraseando o
mefistofélico mandatário de turno, "nada
não está tão ruim que não possa piorar". Então, hope for the
best but expect the worst.
Em 2014, a reeleição de Dilma
jogou o Brasil na pior recessão da história recente do país — lembrando que até então não estavam no
radar o SARS-CoV-2 e a praga negacionista que se alojaria no Palácio
do Planalto dali a quatro anos
Encerramos 2015 com uma presidanta encurralada,
sem autoridade, nexo ou respeito, com um presidente da Câmara descrito como “homem
de poderes sobrenaturais”, um ex-presidente da República
picareta, sempre
prestes a “virar o jogo” mediante conchavos milagrosos e um
cangaceiro presidindo o Senado e atuando como marechal de campo na
guerra para manter no comando a “presidanta honesta, competenta e eleita democraticamente “.
Em dois mil e dezechega — como se dizia no final de 2016 —, a anta incompetenta foi penabundada e o vice decorativo, tido e havido como "a ponte que poderia conduzir o país à salvação" foi promovido a titular.
Nesse entretempo, o senhor das
urnas capaz de eleger qualquer poste para qualquer cargo tornou-se réu pela
primeira vez, e a economia deu sinais de recuperação. A inflação e a
taxa básica de juros começaram a recuar, os índices de desemprego pararam de
crescer e reformas importantes para o país começaram a avançar. Mas não há nada como o tempo para passar.
Nem bem o calendário virou para 2017 — ano em que esperávamos
melhorias mais consistentes —, rebeliões
eclodiram nos presídios e uma greve absurda da PM causou
a morte de centenas de inocentes. Mas ninguém imaginava que dali a três anos milhares de brasileiros morreriam
diariamente de Covid enquanto um psicopata genocida daria de ombros,
riria e diria: “E daí?”.
Foi também em janeiro de 2017 que uma queda de aeronave matou
o ministro Teori Zavascki, deixando os processos da Lava-Jato no STF sem
relator às vésperas da homologação da Delação
do Fim do Mundo. Ainda assim, houve avanços significativos na luta contra a corrupção.
Foram para na cadeia elementos como Rodrigo
Rocha Loures — o “homem da mala”, ex-assessor e pessoa da
mais estreita confiança do presidente Michel Temer —, Geddel
Vieira Lima — aquele dos R$51 milhões e também amigão
do peito do mandatário de turno —, os ex-governadores Sérgio
Cabral e Anthony
Garotinho, quase todos os membros
do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro e do
alto escalão da Alerj (a começar pelo presidente
da Casa) e, em abril, o
picareta dos picaretas.
Em maio, uma conversa de alcova entre Temer e o moedor de carne bilionário dono da JBS veio a público. O país parou enquanto o vampiro do Jaburu ensaiava o papel de vestal ofendida — que ele só se sentiu preparado para encenar na tarde do dia seguinte, quando finalmente tentou explicar o inexplicável e justificar o injustificável.
Em rede nacional, Temer disse que não renunciaria, lamentou que "o fantasma da crise política tivesse voltado a rondar o Planalto" e esbravejou — com uma cara de pau de deixar Lula roxo de inveja — que a investigação no STF seria "o território onde aflorariam as provas de sua inocência".
A partir de então, deu-se o que era previsto e esperado: o presidente empenhou sua alma imortal para impedir que a Câmara autorizasse o STF a
processá-lo. Chegou-se a dizer que "o governo
estava com os dias contados”, mas estamos no Brasil, onde é comum esses cagalhões se manterem na superfície, boiando como merda n'água, e terminarem melancolicamente suas desditosas gestões.
Em janeiro de 2019, após o maior estelionato eleitoral desde a reeleição de Dilma, a terrível, Temer transferiu a faixa presidencial à surreal combinação de Caixa de Pandora com os Cavaleiros do Apocalipse (Peste, Guerra, Fome e Morte), eleito como solução "in extremis" para impedir que o país fosse governado por um criminoso condenado e preso. Mas a emenda ficou pior que o soneto, e o mau militar e parlamentar medíocre só continua à frente do Executivo graças à pusilanimidade e o espírito do corpo (ou porco?) dos Poderes Legislativo e Judiciário.
Sabíamos que nem
a Velhinha de Taubaté esperaria grande coisa desse ser ignóbil, mas não se
imaginava que tê-lo no comando da Nau dos Insensatos seria como enfrentar, a um
só tempo e de uma só vez, as Sete
Pragas do Egito.
Foi também em 2019 que o STF restabeleceu o império da impunidade sem que se ouvisse um único pio daquele que prometeu travar uma cruzada contra a corrupção.
Tampouco se insurgiu contra essa vergonha o superministro da Justiça, mas é preciso ter em mente que, se contrariasse o chefe, Moro seria prontamente exonerado. E como ele tinha um projeto (ou dois, melhor dizendo, pois Bolsonaro havia prometido indicá-lo para o STF), o ex-juiz da Lava-Jato passou os meses seguintes engolindo sapos e sorvendo a água da lagoa.
Paulo Guedes foi outra decepção, mas, de novo, seria injusto lhe atribuir toda a culpa, até porque integrar esse governo de merda exige dar o rabo e
pedir desculpas por estar de costas.
Com o segundo ano de mandato de Jair Asmodeu Bolsonaro vieram a Covid,
a demissão de Mandetta do Ministério da Saúde, a passagem-relâmpago de Teich e a subsequente militarização da pasta por um autoproclamado especialista em logística que não amarrava os próprios coturnos sem consultar seu dono (é simples assim, um
manda e o outro obedece).
O desembarque de Moro resultou na abertura de um inquérito no STF para investigar a interferência do
"mito" de pés de barro na PF, mas a subserviência
do PGR, os constantes afastamentos e subsequente aposentadoria do
ministro Celso de Mello e a nomeação de um pau mandado para
preencher sua vaga não colaboraram para que coelhos saíssem daquele mato.
No que tange às agruras trazidas por 2021, a
história foi escrita tão recentemente que a tinta ainda nem secou, e modo que encerro esta bagaça com um texto que Dora
Kramer publicou em sua coluna no apagar das luzes de 2020.
Nos últimos acordes do atípico ano de 2020 o senso comum
lançou em toda parte um sonoro “já vai tarde”, tentando semear a
esperança de que tudo será melhor em 2021. Que será, será, mas não
necessariamente muito diferente, pois problemas não caminham sozinhos nem são
subservientes ao calendário. Continuam aí, embora o mundo já receba, do esforço
universal tão inédito quanto espetacular dos cientistas, instrumentos para
enfrentar o maior deles a golpes de vacinas.
Para tudo, porém, há um contraponto. A pandemia tirou as
coisas dos eixos tais como vinham girando até que um morcego do outro lado do
planeta pusesse a humanidade à prova, entregue ao desafio de encontrar novos ou
reencontrar antigos pontos de equilíbrio. A disfunção é universal e cada país
ainda tem adversidades específicas — decorrentes voluntária e involuntariamente
da ofensiva do vírus — para administrar.
Os Estados Unidos, por exemplo, livraram-se de uma dessas
circunstâncias que deram um trabalho enorme: um presidente criador de casos,
cujos métodos contribuíram ao longo do ano para o desvio do combate à crise
sanitária.
Por aqui, junto com cargas pesadas a carregar e sapos
robustos para engolir, temos esse tipo de governante, só que ainda com
dois anos de mandato pela frente e sem dar sinal de que pretenda parar de criar
caso com tudo e todos que lhe contrariem a ilusão de poder absoluto.
Bolsonaro perdeu e continua perdendo
todas as tentativas de dar contornos reais ao devaneio de mandar porque pode e
daí fazer todos obedecer por ser, na visão dele, providos de juízo. Tenta
compensar no grito as perdas que acumula no Judiciário, no Legislativo, na
comunidade científica, entre governadores, na sociedade organizada (e na
desorganizada também), na imprensa, nos desmentidos que lhe impõem os fatos.
Muito embora a banda da democracia não toque ao ritmo de
marcha militar, o general da banda ganhou algumas paradas ao custo de enormes
prejuízos ao país, levando-nos a perder lugar de destaque e respeito mundiais
na cultura, no trato do meio ambiente, na diplomacia e, mais recente e de modo
especialmente danoso, na política de imunização construída em bases exitosas
nas últimas quatro décadas. Um legado que vai muito além de 2020, cuja marca
foi a da ineficiência.
O que esperar então do amanhã mais imediato? O presidente
continuará nessa toada de cavar chances para celebrar aqui e ali “mais uma
que o Bolsonaro ganhou”, pouco se importando com o destino do coletivo. E o
Brasil social e institucionalmente do outro lado seguirá empreendendo um
esforço enorme para reagir e resistir às investidas... nem vou dizer contra a
democracia por se tratar de uma ação inexequível, mas contra a normalidade da
vida e da relação do governante com seus governados.
É toda hora uma declaração estapafúrdia ou uma ação
descolada da realidade, coisas que exigem a mobilização de uma energia brutal
dedicada ao acessório que, no entanto, se torna essencial porque não se pode
deixar passar certas atitudes sob o risco de lá na frente o preço a pagar ficar
muito mais alto.
Esse passivo particularmente brasileiro é que vamos
carregar neste momento em que o combate da pandemia já não é uma hipótese, mas
uma situação concreta na qual seria indispensável contar com uma governança
concentrada na emergência. O plano anunciado é difuso. Os 20 bilhões de reais
de aporte anunciados não ajudam quando se tem um presidente que põe dinheiro,
mas não impõe moral e desqualifica a vacinação e se mostra incapaz de imunizar
a população, a coisa tende a não funcionar.
Problema ainda agravado por dificuldades como a queda de
renda dos mais pobres, a incerteza sobre o andamento dos trabalhos no Congresso
para o que é fundamental na economia, a redução de leitos disponíveis seja pelo
receio de se retomarem os hospitais de campanha devido às falcatruas ocorridas
e/ou da necessidade de atendimento de doenças cuja demanda ficou reprimida pela
prioridade dada à Covid.
Isso sem falar nos efeitos crescentes da tensão
pré-eleitoral em cujas águas o presidente candidato à reeleição navega em clima
de tormenta, donde a tendência de seus pretensos oponentes será a do jogo
pesado, tendo a vacina como centro. Mas essa é outra história. Por ora, fica o
desejo: que a realidade supere as más expectativas e tudo corra bem no ano que
vem.
Como se vê, pouca coisa mudou de lá para cá. Talvez algumas moscas, mas a merda continuou basicamente a mesma. Que tudo realmente melhore em 2022. Afinal, para sonhar não se paga imposto.
Ainda.