Não é incomum um paciente nos estertores apresentar sensível
melhora antes de empacotar de vez. Tomara que não seja esse o caso, mas não
deixa de chamar a atenção o fato de a Lava-Jato, logo após levar a maior
traulitada — ora com ataques in plain sight orquestrados pelo
consórcio formado por partidos de esquerda, parte da mídia (vide Intercept de Verdevaldo
e seus comparsas), cúpula da PGR, bandas podres do Congresso e do
Supremo e, pasmem, o Executivo Federal — partir para o contra-ataque
com tamanha rapidez e de forma tão contundente.
A nova fase da operação no Rio de Janeiro devolveu ao
noticiário dois flagelos velhos, analisa Josias de Souza. O peleguismo
patronal, abrigado no Sistema S, e a advocacia de fachada. O primeiro retira
seu sustento de mordidas nas folhas de pagamento das empresas. A força-tarefa
carioca sustenta que um pedaço dessa caixa registradora, administrado pela Federação
do Comércio do Rio, foi desviado para montar esquema de blindagem judicial
do então presidente da entidade, o empresário Orlando Diniz, que,
pilhado, virou delator.
Foram à alça de mira dos procuradores mais de duas dezenas
de advogados — alguns vinculados a políticos de alto coturno — entre eles Roberto
Teixeira e Cristiano Zanin, defensores de Lula; Ana Tereza
Basílio, advogada de Witzel; e Fred Wassef, ex-advogado da
família Bolsonaro. O caso envolve também o doutor Eduardo Filipe
Alves Martins, filho do recém-empossado presidente do STJ, ministro Humberto
Martins.
Alega-se que é perseguição política, uma tentativa de
criminalizar a advocacia. Se for, está muito fácil de resolver. A Lava-Jato
sustenta que, juntos, os doutores receberam indevidamente R$ 151 milhões. A
transferência de quantias milionárias para advogados não está entre as
atribuições do Sistema S. Ademais, não haveria comprovação dos serviços
prestados pelos advogados. A verba teria financiado um esquema de lobby e
tráfico de influência junto ao governo e aos tribunais de Brasília.
De duas, uma: ou há documentos comprovando a prestação dos
serviços advocatícios ou o Ministério Público demonstra que quem
criminalizou a advocacia foram os criminosos, seguindo velhos costumes e maus
hábitos.
Diante desse quadro, há uma pergunta boiando na atmosfera:
onde está a faca de Paulo Guedes? Em dezembro de 2018, o Posto Ipiranga,
falando para uma plateia de empresários na Federação das Indústrias do Rio,
disse que "o Brasil virou um paraíso de burocratas e piratas privados".
Ele perguntou: "A CUT perde e aqui fica tudo igual?" Depois, ameaçou:
"Tem que meter a faca no Sistema S também."
Os trabalhadores eram surrupiados em um dia de salário. A
reforma trabalhista eliminou essa tunga. O Sistema S morde um percentual
das folhas das empresas. Coisa de R$ 17 bilhões por ano. A máquina sindical do
patronato continua intacta. Os presidentes de 42 federações patronais estão no
cargo há mais de dez anos. Cinco, há mais de 40 anos. Mas a facada de Paulo
Guedes ficou no gogó, como tantas outras promessas.
Quanto à “transferência de comando” do STF — em
cerimônia solene transmitida ao vivo, em cores e em tempo real, na tarde de
quinta-feira, pela GloboNews, CNN Brasil e outras emissoras focadas
no jornalismo, o principal desafio do ministro Luiz Fux é restaurar a
supremacia do STF. E para atingir esse objetivo o substituto de Dias
Toffoli precisa defender o Supremo de si mesmo.
A instância máxima do Judiciário vive uma fase de raro
desprestígio. Deve-se o fenômeno menos aos ataques externos e mais ao
descontrole interno. É difícil para o Supremo ter uma relação saudável
com a sociedade se os próprios ministros não respeitam uns aos outros.
Ex-presidente do STF, o constitucionalista Carlos
Ayres Britto costuma dizer que, numa democracia, ninguém pode impedir a
imprensa de falar primeiro e a Suprema Corte de falar por último.
Verdade. O problema é que a voz do Supremo se tornou desconexa. Oito em
cada dez decisões são tomadas individualmente, fazendo com que existam 12
supremos — os 11 ministros mais o plenário.
Não raro os magistrados decidem na contramão do colegiado.
Dizer que o Supremo frequentemente desfaz o que o Supremo fez é
pouco para traduzir a atmosfera de balbúrdia. Isso sem mencionar as decisões
divergentes tomadas pelas duas Turmas. A “Câmara de Gás” é adepta da tranca, ao
passo que o “Jardim do Éden” prefere abrir as celas.
O Supremo existe para harmonizar conflitos, dissolver
desavenças. Operando em desarmonia, produz o oposto: insegurança jurídica.
Diz-se que, sob Toffoli, as togas já não discutem diante das câmeras. Na
verdade, algumas nem se falam.
Fux é diferente de Toffoli. Para ficar na distinção mais óbvia: um é lavajatista; outro tem ojeriza à "República de Curitiba. Mas o fato de serem diferentes não faz a menor diferença no exercício da presidência. Por quê? Simples: O Supremo não respeita hierarquia.
Ter isso em mente é fundamental para compreender o funcionamento da
Corte. A figura do presidente do Supremo, que os mais desavisados
poderiam confundir com a de um chefe, é, na verdade, um mero coordenador dos
trabalhos (volto com mais detalhes numa próxima oportunidade).
Fux "comandará" o Supremo no biênio
2020-2022 não porque seus pares o consideram mais capaz. Foi "eleito"
presidente em 25 de junho porque chegou a vez dele no sistema de rodízio.
Sabe-se desde logo que Rosa Weber, "eleita" vice-presidente, herdará
a poltrona de Fux daqui a dois anos. Nesse jogo jogado, cabe ao
presidente organizar a pauta de julgamentos do plenário e tentar impor um
tratamento civilizado aos conflitos.
Em condições normais, o Supremo deveria ser um lugar
onde pessoas que pensam diferente tratam-se compulsoriamente como iguais. Todos
são — ou deveriam ser — efetivamente iguais ali.
A opinião de Fux vale tanto quanto a de qualquer um dos outros dez ministros. Significa dizer que a pior ilusão que pode acometer um presidente do Supremo é a ilusão de que preside.
Com Josias de Souza.