sábado, 12 de setembro de 2020

SOBRE A LAVA-JATO E A TROCA DE COMANDO NO STF

 


Não é incomum um paciente nos estertores apresentar sensível melhora antes de empacotar de vez. Tomara que não seja esse o caso, mas não deixa de chamar a atenção o fato de a Lava-Jato, logo após levar a maior traulitada — ora com ataques in plain sight orquestrados pelo consórcio formado por partidos de esquerda,  parte da mídia (vide Intercept de Verdevaldo e seus comparsas), cúpula da PGR, bandas podres do Congresso e do Supremo e, pasmem, o Executivo Federal — partir para o contra-ataque com tamanha rapidez e de forma tão contundente.

A nova fase da operação no Rio de Janeiro devolveu ao noticiário dois flagelos velhos, analisa Josias de Souza. O peleguismo patronal, abrigado no Sistema S, e a advocacia de fachada. O primeiro retira seu sustento de mordidas nas folhas de pagamento das empresas. A força-tarefa carioca sustenta que um pedaço dessa caixa registradora, administrado pela Federação do Comércio do Rio, foi desviado para montar esquema de blindagem judicial do então presidente da entidade, o empresário Orlando Diniz, que, pilhado, virou delator.

Foram à alça de mira dos procuradores mais de duas dezenas de advogados — alguns vinculados a políticos de alto coturno — entre eles Roberto Teixeira e Cristiano Zanin, defensores de Lula; Ana Tereza Basílio, advogada de Witzel; e Fred Wassef, ex-advogado da família Bolsonaro. O caso envolve também o doutor Eduardo Filipe Alves Martins, filho do recém-empossado presidente do STJ, ministro Humberto Martins.

Alega-se que é perseguição política, uma tentativa de criminalizar a advocacia. Se for, está muito fácil de resolver. A Lava-Jato sustenta que, juntos, os doutores receberam indevidamente R$ 151 milhões. A transferência de quantias milionárias para advogados não está entre as atribuições do Sistema S. Ademais, não haveria comprovação dos serviços prestados pelos advogados. A verba teria financiado um esquema de lobby e tráfico de influência junto ao governo e aos tribunais de Brasília.

De duas, uma: ou há documentos comprovando a prestação dos serviços advocatícios ou o Ministério Público demonstra que quem criminalizou a advocacia foram os criminosos, seguindo velhos costumes e maus hábitos.

Diante desse quadro, há uma pergunta boiando na atmosfera: onde está a faca de Paulo Guedes? Em dezembro de 2018, o Posto Ipiranga, falando para uma plateia de empresários na Federação das Indústrias do Rio, disse que "o Brasil virou um paraíso de burocratas e piratas privados". Ele perguntou: "A CUT perde e aqui fica tudo igual?" Depois, ameaçou: "Tem que meter a faca no Sistema S também."

Os trabalhadores eram surrupiados em um dia de salário. A reforma trabalhista eliminou essa tunga. O Sistema S morde um percentual das folhas das empresas. Coisa de R$ 17 bilhões por ano. A máquina sindical do patronato continua intacta. Os presidentes de 42 federações patronais estão no cargo há mais de dez anos. Cinco, há mais de 40 anos. Mas a facada de Paulo Guedes ficou no gogó, como tantas outras promessas.

Quanto à “transferência de comando” do STF — em cerimônia solene transmitida ao vivo, em cores e em tempo real, na tarde de quinta-feira, pela GloboNews, CNN Brasil e outras emissoras focadas no jornalismo, o principal desafio do ministro Luiz Fux é restaurar a supremacia do STF. E para atingir esse objetivo o substituto de Dias Toffoli precisa defender o Supremo de si mesmo.

A instância máxima do Judiciário vive uma fase de raro desprestígio. Deve-se o fenômeno menos aos ataques externos e mais ao descontrole interno. É difícil para o Supremo ter uma relação saudável com a sociedade se os próprios ministros não respeitam uns aos outros.

Ex-presidente do STF, o constitucionalista Carlos Ayres Britto costuma dizer que, numa democracia, ninguém pode impedir a imprensa de falar primeiro e a Suprema Corte de falar por último. Verdade. O problema é que a voz do Supremo se tornou desconexa. Oito em cada dez decisões são tomadas individualmente, fazendo com que existam 12 supremos — os 11 ministros mais o plenário.

Não raro os magistrados decidem na contramão do colegiado. Dizer que o Supremo frequentemente desfaz o que o Supremo fez é pouco para traduzir a atmosfera de balbúrdia. Isso sem mencionar as decisões divergentes tomadas pelas duas Turmas. A “Câmara de Gás” é adepta da tranca, ao passo que o “Jardim do Éden” prefere abrir as celas.

O Supremo existe para harmonizar conflitos, dissolver desavenças. Operando em desarmonia, produz o oposto: insegurança jurídica. Diz-se que, sob Toffoli, as togas já não discutem diante das câmeras. Na verdade, algumas nem se falam.

Fux é diferente de Toffoli. Para ficar na distinção mais óbvia: um é lavajatista; outro tem ojeriza à "República de Curitiba. Mas o fato de serem diferentes não faz a menor diferença no exercício da presidência. Por quê? Simples: O Supremo não respeita hierarquia. 

Ter isso em mente é fundamental para compreender o funcionamento da Corte. A figura do presidente do Supremo, que os mais desavisados poderiam confundir com a de um chefe, é, na verdade, um mero coordenador dos trabalhos (volto com mais detalhes numa próxima oportunidade).

Fux "comandará" o Supremo no biênio 2020-2022 não porque seus pares o consideram mais capaz. Foi "eleito" presidente em 25 de junho porque chegou a vez dele no sistema de rodízio. Sabe-se desde logo que Rosa Weber, "eleita" vice-presidente, herdará a poltrona de Fux daqui a dois anos. Nesse jogo jogado, cabe ao presidente organizar a pauta de julgamentos do plenário e tentar impor um tratamento civilizado aos conflitos.

Em condições normais, o Supremo deveria ser um lugar onde pessoas que pensam diferente tratam-se compulsoriamente como iguais. Todos são — ou deveriam ser — efetivamente iguais ali.

A opinião de Fux vale tanto quanto a de qualquer um dos outros dez ministros. Significa dizer que a pior ilusão que pode acometer um presidente do Supremo é a ilusão de que preside.

Com Josias de Souza.