TEM GENTE QUE DEIXA A GENTE COM UM GOSTINHO DE QUERO MAIS (QUERO MAIS QUE SE FODA!)
Já me cansei de contemplar fotos de gente feliz. Parece
tremendamente antipático falar assim, eu sei. Mas é difícil passar o dia vendo
imagens de looks da moda, gente na academia, viagens, como se a vida fosse
eternamente férias. Ainda mais porque não é verdade. Dá impressão que essas pessoas
nem sequer espirram. Na real, vivem às voltas com boletos para pagar, crises
como qualquer um de nós, e muitas vezes só sorriem nas selfies. Pior, muitos
sonham em ser o @felipeneto, mas só conseguem exibir a boa forma física. Pensei
muitas vezes: “Serei o único a ter barriga neste mundo?”. Enfim, resolvi dar
uma limpada no meu Instagram.
Eu seguia quase 1 800
pessoas. Mal via os posts de cada uma. A gente segue um, depois segue outro… O número vai aumentando. Eu
sempre gostei de ter contato com colegas de trabalho, sites literários,
editoras (para ver os lançamentos), turismo, artes plásticas e, é óbvio, os
amigos. Também os conhecidos. Mas as exigências foram aumentando. Recebia
mensagens: “Gostou da minha foto?”. Educadamente, dizia que sim. “Por que não
curtiu?” Sinceramente, no início dava o like. E outro, e outro. Virou uma
função. Parei. Pedem mil coisas. Como usar minha influência para angariar
fundos para vaquinhas virtuais. Respeito as causas. Mas só apoiaria uma
vaquinha se conhecesse os organizadores pessoalmente. Já aconteceu tanta
história suspeita, não é?
Gosto de imagens oníricas, esculturas, obras de arte.
Não apareciam na minha timeline. Motivo: eu seguia muita página. Iniciei os
unfollows. Critério: pessoas ou mesmo amigos com quem não tenho interação pelo
Instagram. Se não nos falamos nunca, por que sou obrigado a, por exemplo, ver
pela décima vez o TBT da última viagem de fulano à Europa (viagem na qual se
endividou, acabou sem lugar para ficar e dormiu no aeroporto, mas os posts exalam
plena felicidade, como se tivesse construído a Torre Eiffel)? Mal comecei,
vieram mensagens ofendidas. “Que aconteceu? Algum problema?” Gente que não
falava comigo há um ou dois anos escreveu magoada. Alguns insistiram para eu
voltar a segui-los.
Jamais imaginei que o unfollow tivesse essa carga
emocional. Observei que algumas pessoas, como o @leandro_karnal, não seguem
praticamente ninguém. Que herói! Cada eliminação é um drama. Quando eu respondo
que estou mudando o meu tipo de Instagram, não parecem compreender. Desde
quando o Instagram virou problema psicológico? Será que tem alguém em terapia
dizendo que dei unfollow?
Por que tanta chateação se os posts não correspondem à
vida real? Talvez muita gente acredite que sua vida é assim, tão maravilhosa quanto
aparece no Instagram. E que a realidade é somente uma parte chata, desagradável
de sua vida. O que desejam que eu seja, um cúmplice dessa ilusão? Se der likes,
estou chancelando essa vida de selfies, academias e paisagens?
Muitos nem falam mais comigo, desde que comecei. Mas
minha lista já caiu pela metade, praticamente. Ficará ainda menor. Entre
rosnados e lágrimas, sigo dando unfollow.
Publicado por Walcyr Carrasco em VEJA de 14 de outubro
de 2020, edição nº 2708