HÁ QUE ENFRENTAR DRAGÕES PARA CHEGAR À PRINCESA.
A Última Flor do
Lácio — como se referiu à língua portuguesa o poeta
brasileiro Olavo Bilac — é o idioma oficial em Portugal (obviamente), no Brasil
e em Angola, Moçambique, Guiné-Bissau,
Timor-Leste, Guiné Equatorial, Macau,
Cabo Verde, e São Tomé e Príncipe. Mas os falantes de cá nem sempre (ou quase
nunca) entendem o que falam os de lá e de acolá. E vice-versa.
Em Portugal não se vai ao dentista, mas ao estomatologista. Puto é garoto e canalha, um grupo de crianças. Bicha quer dizer fila; autocarro é ônibus; comboio, trem; almeidas, garis. Bica é cafezinho; calcinha, cueca, e pica, injeção. Boceta é uma caixinha para guardar miudezas; punheta é um prato à base de bacalhau; cacete é pão, e grelo, um tipo de salsinha.
No Brasil, com 5.570 municípios espalhados por 8.511.000 km² — área superior à da Austrália e equivalente às da China e EUA — não seria de esperar que 213,7 milhões de habitantes falassem todos do mesmo jeito e se comportassem do mesmo modo. Claro que tamanho não é documento: o território da Itália é 30 vezes menor que o brasileiro e a população não chega a um terço da tupiniquim (59.641.488), mas há naquele país nada menos que 11 mil dialetos.
Por essas e outras, não espere que alguém nascido e criado no município gaúcho de Santa Vitória do Palmar, na divisa com o Uruguai, entabule uma conversa fluente com um baiano de Ibó, na divisa com Pernambuco (para ter uma ideia melhor do ponto que quero ressaltar, assista a este vídeo).
Chamamos língua a um instrumento de comunicação dos falantes — posto que essa é sua principal finalidade —, idioma, à língua própria de um povo (como é o português para nós) e dialetos, às variações linguísticas próprias de uma determinada região. Além do sotaque e das expressões idiomáticas, outras variações linguísticas “personalizam” a maneira como o português é falado no Brasil.
O idioma que herdamos dos colonizadores muda de acordo com localização geográfica das pessoas que o falam. As variações podem ser diatópicas (regionais), diacrônicas (históricas), diastráticas (sociais) e diafásicas (estilísticas).
Os dialetos — mutações impostas à língua por diferentes grupos regionais e respectivos subgrupos (etários, socioeconômicos, ocupacionais etc.) — pertencem à categoria das variações diatópicas, já que têm ver com características do idioma como sotaque, vocabulário e gramática, entre outras, nas diversas regiões do país.
Palavras como “Mandioca”, “aipim”, “macaxeira”, “castelinha”, “uaipi”, “maniva”, “maniveira” e “pão-de-pobre”, entre outras, designam a mesma raiz tuberosa, mas são usadas em diferentes regiões do país.O R caipira do interior de São Paulo, Mato Grosso, Minas Gerais, Paraná e Santa Catarina se deve aos indígenas que aqui moravam e que não conseguiam pronunciar o R dos portugueses. Como o som dessa letra não existia nos mais de 1200 idiomas falados pelos silvícolas em terra brasilis, acabou-se criando essa jabuticaba que não existe em Portugal.
Isso também explica o fato de muitas pessoas trocaram o trocarem L por R, como em farta (falta) e frecha (flecha). E com a chegada dos italianos a São Paulo o sotaque local incorporou o R vibrante atrás dos dentes, sobretudo em bairros paulistanos como Mooca, Brás e Bexiga. Já o R arrastado, como o falado no Rio de Janeiro, advém do modismo de pronunciar a letra como os franceses — hábito que a elite carioca tratou de copiar a nobreza portuguesa, a exemplo do S chiado.
Um poeta escreveu: "Entre doidos e doídos, prefiro
não acentuar". Às vezes, não acentuar parece ser mesmo a solução. Eu, por
exemplo, prefiro a carne ao carnê e o coco ao cocô. No entanto, nem sempre a
ausência do acento é favorável. Pense no cágado, por exemplo, o ser vivo mais
afetado quando alguém pensa que o acento é mera decoração. E há outros casos,
claro.
Eu não me medico; vou ao médico. Quem baba não é a babá.
Você precisa ir à secretaria para falar com a secretária. Será que a romã é de Roma?
Seus pais vêm do mesmo país? A diferença na palavra é um acento, e assento não
tem acento. Assento fica embaixo e acento, em cima. Embaixo é junto e em cima,
separado.
Seria maio o mês mais apropriado para usar maiô? Quem
sabe mais entre a sábia e o sabiá? O que tem a pele do Pelé? O que há em comum
entre o camelo e o camelô? O que será que a fábrica fabrica? E tudo que se musica
vira música?
Será melhor lidar com as adversidades da conjunção “mas”
ou com pessoas más? Será que tudo que eu valido se torna válido? E entre o amem
e o amém, que tal os dois? Na sexta, comprei uma cesta logo após a sesta. É a
primeira vez que tu não o vês. Vão tachar de ladrão se taxar muito alto a taxa da
tacha. Asso um cervo na panela de aço que será servido pelo servo.