quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

VOCÊ SABIA?

HÁ QUE ENFRENTAR DRAGÕES PARA CHEGAR À PRINCESA.

A Última Flor do Láciocomo se referiu à língua portuguesa o poeta brasileiro Olavo Bilac — é o idioma oficial em Portugal (obviamente), no Brasil e em Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Timor-Leste, Guiné Equatorial, Macau, Cabo Verde, e São Tomé e Príncipe. Mas os falantes de cá nem sempre (ou quase nunca) entendem o que falam os de lá e de acolá. E vice-versa.

Em Portugal não se vai ao dentista, mas ao estomatologista. Puto é garoto e canalha, um grupo de criançasBicha quer dizer filaautocarro é ônibus; comboiotrem; almeidasgarisBica é cafezinho; calcinha, cueca, e picainjeçãoBoceta é uma caixinha para guardar miudezas; punheta é um prato à base de bacalhau; cacete é pão, e grelo, um tipo de salsinha.

No Brasil, com 5.570 municípios espalhados por 8.511.000 km² — área superior à da Austrália e equivalente às da China e EUA — não seria de esperar que 213,7 milhões de habitantes falassem todos do mesmo jeito e se comportassem do mesmo modo. Claro que tamanho não é documento: o território da Itália é 30 vezes menor que o brasileiro e a população não chega a um terço da tupiniquim (59.641.488), mas há naquele país nada menos que 11 mil dialetos

Por essas e outras, não espere que alguém nascido e criado no município gaúcho de Santa Vitória do Palmar, na divisa com o Uruguai, entabule uma conversa fluente com um baiano de Ibó, na divisa com Pernambuco (para ter uma ideia melhor do ponto que quero ressaltar, assista a este vídeo).

Chamamos língua a um instrumento de comunicação dos falantes — posto que essa é sua principal finalidade —, idioma, à língua própria de um povo (como é o português para nós) e dialetos, às variações linguísticas próprias de uma determinada região. Além do sotaque e das expressões idiomáticas, outras variações linguísticas “personalizam” a maneira como o português é falado no Brasil. 

O idioma que herdamos dos colonizadores muda de acordo com localização geográfica das pessoas que o falam. As variações podem ser diatópicas (regionais), diacrônicas (históricas), diastráticas (sociais) e diafásicas (estilísticas). 

Os dialetos — mutações impostas à língua por diferentes grupos regionais e respectivos subgrupos (etários, socioeconômicos, ocupacionais etc.) — pertencem à categoria das variações diatópicas, já que têm ver com características do idioma como sotaque, vocabulário e gramática, entre outras, nas diversas regiões do país. 

Palavras como “Mandioca”, “aipim”, “macaxeira”, “castelinha”, “uaipi”, “maniva”, “maniveira” e “pão-de-pobre”, entre outras, designam a mesma raiz tuberosa, mas são usadas em diferentes regiões do país.

O R caipira do interior de São Paulo, Mato Grosso, Minas Gerais, Paraná e Santa Catarina se deve aos indígenas que aqui moravam e que não conseguiam pronunciar o R dos portugueses. Como o som dessa letra não existia nos mais de 1200 idiomas falados pelos silvícolas em terra brasilis, acabou-se criando essa jabuticaba que não existe em Portugal. 

Isso também explica o fato de muitas pessoas trocaram o trocarem L por R, como em farta (falta) e frecha (flecha). E com a chegada dos italianos a São Paulo o sotaque local incorporou o R vibrante atrás dos dentes, sobretudo em bairros paulistanos como Mooca, Brás e Bexiga. Já o R arrastado, como o falado no Rio de Janeiro, advém do modismo de pronunciar a letra como os franceses — hábito que a elite carioca tratou de copiar a nobreza portuguesa, a exemplo do S chiado.

Um poeta escreveu: "Entre doidos e doídos, prefiro não acentuar". Às vezes, não acentuar parece ser mesmo a solução. Eu, por exemplo, prefiro a carne ao carnê e o coco ao cocô. No entanto, nem sempre a ausência do acento é favorável. Pense no cágado, por exemplo, o ser vivo mais afetado quando alguém pensa que o acento é mera decoração. E há outros casos, claro.

Eu não me medico; vou ao médico. Quem baba não é a babá. Você precisa ir à secretaria para falar com a secretária. Será que a romã é de Roma? Seus pais vêm do mesmo país? A diferença na palavra é um acento, e assento não tem acento. Assento fica embaixo e acento, em cima. Embaixo é junto e em cima, separado.

Seria maio o mês mais apropriado para usar maiô? Quem sabe mais entre a sábia e o sabiá? O que tem a pele do Pelé? O que há em comum entre o camelo e o camelô? O que será que a fábrica fabrica? E tudo que se musica vira música?

Será melhor lidar com as adversidades da conjunção “mas” ou com pessoas más? Será que tudo que eu valido se torna válido? E entre o amem e o amém, que tal os dois? Na sexta, comprei uma cesta logo após a sesta. É a primeira vez que tu não o vês. Vão tachar de ladrão se taxar muito alto a taxa da tacha. Asso um cervo na panela de aço que será servido pelo servo.

Vão cassar o direito de casar de dois pais no meu país. Por tanto nevoeiro, portanto, a cerração impediu a serração. Para começar o concerto tiveram que fazer um conserto. Ao empossar, permitiu-se à esposa empoçar o palanque de lágrimas. Uma mulher vivida é sempre mais vívida, profetiza a profetisa

Calça, você bota; bota, você calça. Oxítona é proparoxítona. Na dúvida, com um pouquinho de contexto, garanto que o público entenda aquilo que publico. E paro por aqui, sem mais delongas, que esta lista já está longa.