Há um ano e oito meses Jair Bolsonaro governa sem
filiação partidária. Ele deixou o PSL em novembro de 2019 e tentou criar,
sem sucesso, o Aliança para o Brasil. De lá para cá, entabulou
negociações com nove legendas, chegou a pensar em ressuscitar a UDN, mas
nada deu certo.
Desde que a República é República não se tem notícia de algo
parecido. Ainda que nos últimos 132 anos o Brasil não tenha tido na Presidência
ninguém nem de longe parecido com Bolsonaro — não por falta de
concorrentes no quesito picaresco —, a situação é inusitada. O poder é um
atrativo para partidos. Presidentes da República, então, representam uma
oportunidade única de crescimento para qualquer agremiação.
Partidos crescem na Presidência. Basta ver o que foram PMDB
e PFL no governo Sarney, o PSDB na passagem de FHC
pelo Planalto, o PT na era Lula e observar a ascensão do PSL
à condição de segunda maior bancada da Câmara no abrigo dado à candidatura de Bolsonaro.
O crescimento se traduz em poder político não apenas
central, mas também capilar com a conquista (por eleição ou adesão) de governos
estaduais e prefeituras — os tucanos chegaram a governar ao mesmo tempo os três
maiores colégios eleitorais do país, São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro
—, além de render um bom dinheiro.
Recursos antes majoritariamente privados, na forma de
doações empresariais, e públicos desde 2017 com o gordo aporte do fundo
eleitoral criado para "financiar a democracia" a expensas do
contribuinte, que, além de não ter sido consultado a respeito, não recebe
retorno pelo serviço pago. Tomemos o exemplo do PSL: em 2018, antes de
abrigar Bolsonaro, teve direito a 9,2 milhões de reais. Em 2022, a
projeção pelo montante de 5,7 bilhões de reais aprovados na LDO é de algo entre
558 milhões e 567 milhões de reais. Que tal? Negócio da China ter em seus
quadros um presidente da República, pois não?
Depende. Se o governante em questão quiser açambarcar o
butim com fome de anteontem, como Bolsonaro e companhia limitada à
família, a transação pode não ser vantajosa para o dono do empreendimento. No
caso, o deputado Luciano Bivar, presidente do PSL, mas tem sido
também o caso de outros donos de lucrativos terreiros partidários onde o
presidente tentou aterrissar com o intuito de comandar a banda sem empecilhos.
A ideia do controle total é recente. Data da conquista da
Presidência. Antes disso, nosso personagem à procura de um partido passou por
oito legendas desde 1993 (medida de uma troca a cada três anos em 28 de vida
política) sem se preocupar com a administração dos imóveis pelos quais passava
como inquilino um tanto desinteressado.
Agora é diferente, procura casa própria e com direito a
relegar os atuais proprietários à condição de sem-teto. Não é suposição, foi o
próprio Bolsonaro quem deixou isso muito claro dia desses ao dizer o
seguinte: "Estou tentando um que eu possa chamar de meu e, se for
disputar a Presidência, tenha o domínio do partido". Falou isso no
contexto da ida do senador pepista piauiense Ciro Nogueira para a Casa
Civil, acrescentando: "Então, o PP passa a ser uma possibilidade de
filiação nossa".
Conviria esperar sentado, dado ser altamente improvável que
querubins da estirpe de Nogueira, Arthur Lira e Ricardo Barros
estejam dispostos a entregar a mina de recursos públicos (não nos esqueçamos do
fundo partidário, para além do eleitoral), de onde emana o poderio sobre
alianças regionais, com o PT e o PSDB, inclusive. Da liberdade
para pular do barco suas excelências não abrem mão nem da prerrogativa de
distribuir ovos em diferentes cestas.
Num país em que há 33 partidos inscritos na Justiça
Eleitoral e outros mais de setenta à espera de registro, onde há gente
especializada no ramo, onde é comum políticos insatisfeitos criarem legendas
quando insatisfeitos em casas de origem. Isso sem contar com facilidades e
atrativos inerentes à cadeira presidencial — vide Marina Silva, Gilberto
Kassab, os petistas fundadores do PSOL e tantos outros —, surpreende
o malogrado périplo do chefe da nação.
Nessa batida, Bolsonaro arrisca-se a chegar ao
prazo-limite de filiação, em abril de 2022, sem legenda para disputar a
reeleição. Algo impensável. Mais provável, portanto, é que ele baixe a bola e
jogue em qualquer time sem impor condições. Ou na hora H se conforme com equipe
da série D.
Com Dora Kramer