De agora até as eleições, Bolsonaro estará empenhado de corpo e alma em seu projeto de poder, como deixou claro no patético espetáculo protagonizado na última quinta-feira para supostamente apresentar "provas de fraude eleitoral em 2014 e 2018".
As tais "provas" que o presidente vem prometendo exibir há 3 anos acabaram
virando "indícios", mas nem assim ele deu a mão à palmatória:
"As provas você consegue com a somatória de indícios. Apresentamos um
montão de indícios aqui". E defendeu (de novo) o uso de fármacos e
tratamentos comprovadamente ineficazes contra a Covid, criticou
governadores e prefeitos, atacou o presidente
do TSE, exibiu vídeos
antigos pinçados da Web e teorias
conspiratórias há muito desmentidas, fez apologia à recriação do que
chama de voto "auditável e democrático" e conclamou a
população a participar da manifestação
marcada para domingo.
Os atos aconteceram em meio à discussão na Câmara da PEC do voto impresso. O presidente da Câmara, Arthur Lira, já disse que não vê chances de a proposta chegar ao plenário, mas a deputada bolsonarista Bia Kicis, presidente da CCJ, atribuiu a possível derrota a uma suposta pressão exercida por TSE e STF.
Em São
Paulo, apoiadores do capitão se reuniram no quarteirão em frente ao prédio da Fiesp,
na avenida Paulista. Em cima de um carro de som, o filho Zero Três (para
quem bastam
um cabo e um soldado para fechar o STF) ecoou falas passadas do pai e
criticou o TSE.
Se ainda restava alguma dúvida, essa somatória de estultices a dirimiu, deixando claro que o capitão não tem a menor condição de continuar governando o país. Nunca teve, mas agora a situação está pior. Infelizmente, não há nada tão ruim que não possa piorar ainda mais.
"A impressão do voto digitado na urna eletrônica não é um mecanismo adequado de auditoria, e o sistema eletrônico de votação é auditável em todas as suas etapas", afirmou, em nota, o presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso. "A contagem pública manual de cerca de 150 milhões de votos significará a volta ao tempo das mesas apuradoras, cenário das fraudes generalizadas que marcaram a história do Brasil", acrescentou o magistrado, que também rebateu declarações recorrentes de Bolsonaro de que as urnas continuam sendo como eram em 1996: "Ao longo dos seus 25 anos de existência, a urna eletrônica passou por sucessivos processos de modernização e aprimoramento, contando com diversas camadas de segurança".
Nove dos atuais ministros do STF assinaram o
documento, sete deles na condição de ex-presidentes da Corte eleitoral e dois como futuros —
Edson Fachin e Alexandre de Moraes. Apenas o ministro Nunes
Marques, indicado por Bolsonaro para a vaga aberta com a
aposentadoria do ex-decano Celso de Mello, não assinou a nota.
Ontem, no discurso de reabertura dos trabalhos
do Judiciário, o presidente do STF, ministro Luiz Fux, afirmou que a harmonia
e a independência entre os Poderes "não implicam em impunidade de atos
que exorbitem o necessário respeito às instituições". "Embora
diuturnamente vigilantes para com a democracia e as instituições do país, os
juízes precisam vislumbrar o momento adequado para erguer a voz diante de
eventuais ameaças", acrescentou.
Fux disse ainda que as nações só conseguem se desenvolver mediante respeito às instituições e que "a democracia nos liberta do obscurantismo e da intolerância", que ninguém tem superpoderes e que o Supremo está atento "aos ataques de inverdades à honra dos cidadãos que se dedicam à causa pública", visando dar respaldo à atuação do ministro Barroso à frente do TSE (volto a este ponto numa próxima postagem).
Sem citar nominalmente o chefe do Executivo, Fux repreendeu a postura de
Bolsonaro. "Atitudes desse jaez deslegitimam veladamente as instituições
do país; ferem não apenas biografias individuais, mas corroem sorrateiramente
os valores democráticos". O magistrado também disse que o "diálogo
eficiente pressupõe compromisso permanente com as próprias palavras", e
que "sem civilidade e respeito às instituições, a democracia tende a
ruir".
O texto seria excelente se tivesse sido dito há três meses.
Agora, é apenas mediano, ainda que diga todas as coisas certas. Mas a hora de falar
já passou. O momento pede ação.