terça-feira, 3 de agosto de 2021

O MOMENTO PEDE MENOS DISCURSO E MAIS AÇÃO

De agora até as eleições, Bolsonaro estará empenhado de corpo e alma em seu projeto de poder, como deixou claro no patético espetáculo protagonizado na última quinta-feira para supostamente apresentar "provas de fraude eleitoral em 2014 e 2018".

As tais "provas" que o presidente vem prometendo exibir há 3 anos acabaram virando "indícios", mas nem assim ele deu a mão à palmatória: "As provas você consegue com a somatória de indícios. Apresentamos um montão de indícios aqui". E defendeu (de novo) o uso de fármacos e tratamentos comprovadamente ineficazes contra a Covidcriticou governadores e prefeitos, atacou o presidente do TSE, exibiu vídeos antigos pinçados da Web e teorias conspiratórias há muito desmentidas, fez apologia à recriação do que chama de voto "auditável e democrático" e conclamou a população a participar da manifestação marcada para domingo.

Os atos aconteceram em meio à discussão na Câmara da PEC do voto impresso. O presidente da Câmara, Arthur Lirajá disse que não vê chances de a proposta chegar ao plenário, mas a deputada bolsonarista Bia Kicis, presidente da CCJatribuiu a possível derrota a uma suposta pressão exercida por TSE e STF

Em São Paulo, apoiadores do capitão se reuniram no quarteirão em frente ao prédio da Fiesp, na avenida Paulista. Em cima de um carro de som, o filho Zero Três (para quem bastam um cabo e um soldado para fechar o STF) ecoou falas passadas do pai e criticou o TSE.

Se ainda restava alguma dúvida, essa somatória de estultices a dirimiu, deixando claro que o capitão não tem a menor condição de continuar governando o país. Nunca teve, mas agora a situação está pior. Infelizmente, não há nada tão ruim que não possa piorar ainda mais.

"A impressão do voto digitado na urna eletrônica não é um mecanismo adequado de auditoria, e o sistema eletrônico de votação é auditável em todas as suas etapas", afirmou, em nota, o presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso. "A contagem pública manual de cerca de 150 milhões de votos significará a volta ao tempo das mesas apuradoras, cenário das fraudes generalizadas que marcaram a história do Brasil", acrescentou o magistrado, que também rebateu declarações recorrentes de Bolsonaro de que as urnas continuam sendo como eram em 1996: "Ao longo dos seus 25 anos de existência, a urna eletrônica passou por sucessivos processos de modernização e aprimoramento, contando com diversas camadas de segurança".

Nove dos atuais ministros do STF assinaram o documento, sete deles na condição de ex-presidentes da Corte eleitoral e dois como futuros — Edson Fachin e Alexandre de Moraes. Apenas o ministro Nunes Marques, indicado por Bolsonaro para a vaga aberta com a aposentadoria do ex-decano Celso de Mello, não assinou a nota.

Ontem, no discurso de reabertura dos trabalhos do Judiciário, o presidente do STF, ministro Luiz Fux, afirmou que a harmonia e a independência entre os Poderes "não implicam em impunidade de atos que exorbitem o necessário respeito às instituições". "Embora diuturnamente vigilantes para com a democracia e as instituições do país, os juízes precisam vislumbrar o momento adequado para erguer a voz diante de eventuais ameaças", acrescentou.

Fux disse ainda que as nações só conseguem se desenvolver mediante respeito às instituições e que "a democracia nos liberta do obscurantismo e da intolerância", que ninguém tem superpoderes e que o Supremo está atento "aos ataques de inverdades à honra dos cidadãos que se dedicam à causa pública", visando dar respaldo à atuação do ministro Barroso à frente do TSE (volto a este ponto numa próxima postagem).  

Sem citar nominalmente o chefe do Executivo, Fux repreendeu a postura de Bolsonaro. "Atitudes desse jaez deslegitimam veladamente as instituições do país; ferem não apenas biografias individuais, mas corroem sorrateiramente os valores democráticos". O magistrado também disse que o "diálogo eficiente pressupõe compromisso permanente com as próprias palavras", e que "sem civilidade e respeito às instituições, a democracia tende a ruir".

O texto seria excelente se tivesse sido dito há três meses. Agora, é apenas mediano, ainda que diga todas as coisas certas. Mas a hora de falar já passou. O momento pede ação.