O discurso de Bolsonaro na manhã de ontem reproduziu o mundo de fantasia que ele e seus apoiadores tentam propagandear internamente. Como acontece desde que chegou ao poder, o "mito" promoveu mais um papelão mundial e histórico.
Além da abjeta defesa do uso de remédios sem efeito (e que causaram milhares de mortes), o mandatário e sua comitiva desfilaram sua decadência moral ao apresentarem uma realidade paralela ― que não convenceu ninguém ― e promover um show obsceno nas ruas de Nova Iorque, com pizza na calçada, dedo em riste do ministro da Saúde e arminha do chanceler. Nunca o Itamaraty se rebaixou tanto, nem mesmo durante a patética gestão do pária Ernesto Araújo.
Ficou evidente que o capitão não conseguiu atenuar
sua imagem de pior líder mundial, aliviar a situação brasileira perante os
investidores — que fogem da instabilidade institucional promovida desde o
primeiro dia de seu governo — ou angariar simpatia de outros líderes, que o
evitavam acintosamente.
O senador Randolfe Rodrigues, vice-presidente da CPI
do Genocídio, disse que o capitão "mentiu do início ao fim" e deu
mais um "vexame mundial" ao insistir em erros do Brasil na pandemia. A
Comissão que investiga a conduta do Governo Federal durante a pandemia tem
entre seus principais pontos justamente a insistência com o tratamento
precoce, sem eficácia e que mobiliza até hoje o presidente, além de
investigá-lo por possíveis irregularidades em contratos de vacina — o que gerou
outra ironia de Randolfe, já que, em pronunciamento, o mandatário voltou
a dizer que o Brasil não tem casos concretos de corrupção desde que ele, Bolsonaro,
assumiu o poder.
Se o Rei Juan Carlos, da Espanha, estivesse na
abertura da reunião anual das Nações Unidas desta terça-feira, teria dito a Bolsonaro:
“Por que não te calas?”, repetindo a frase que disse, em 2007, ao então
presidente venezuelano, Hugo Chávez. As mentiras começaram quando o
capitão disse que o Brasil corria o risco de virar um país socialista ou
comunista. Nunca corremos esse risco — mas, sim, o de o atual presidente dar um
golpe e nos levar a um militarismo tacanho ou a um governo tocado por
milicianos liderados por ele.
Foram 13 minutos de mentiras deslavadas em que ninguém
acreditou. Bolsonaro é um pária internacional, como deixou bem claro na
segunda-feira, no encontro com o primeiro-ministro britânico Boris Johnson,
que lhe passou uma carraspana pública por ele não ter se vacinado contra a Covid.
Foi humilhante.
Bolsonaro não teve vergonha na cara ao dizer que o
Brasil estava preservando a floresta amazônica quando se sabe que o Inpe
registra, mês após mês, a devastação ambiental na região. Falou inverdades
também sobre as demandas indígenas, ao dizer que a comunidade quer explorar
suas terras, quando sabemos que eles lutam para a demarcação de suas
propriedades, que estão sendo tomadas por latifundiários, mineradores e
exploradores de suas riquezas. Mentira maior foi afirmar que o Brasil
conseguiu sucesso no controle da pandemia quando estamos próximos de
atingir a marca de 600 mil mortes por Covid e mais de 21 milhões de
infectados. Somos o País com o maior número de casos, proporcionalmente, em
nível mundial.
Bolsonaro mentiu também quando disse que a população o apoia
e que o último dia 7 de setembro foi marcado pela maior movimentação da
história para defender a democracia. Na verdade, ele convocou os atos para dar
um golpe, mas não conseguiu o retrocesso porque a maioria da população não
aceita uma volta ao passado. Teve que pedir desculpas à Nação dois dias depois
e precisou recorrer ao vampiro do Jaburu para redigir o texto que ele próprio
não foi capaz de escrever.
No cenário interno, ninguém acha que o antipronunciamento
será capaz de tirar seu governo das cordas. O presidente fez um discurso para
si mesmo e para seus convertidos — e até o extremismo bolsonarista, acostumado
a viver num mundo à parte, parece cansado de tanto delírio. Foi um retrato da
triste situação a que nosso País chegou. Segue a transcrição (os destaques são
meus):
Senhor Presidente da Assembleia-Geral, Abdullah Sharrid,
Senhor Secretário-Geral das Nações Unidas, António
Guterres,
Senhores Chefes de Estado e de Governo e demais chefes de
delegação,
Senhoras e senhores,
É uma honra abrir novamente a Assembleia-Geral das Nações
Unidas.
Venho aqui mostrar o Brasil diferente daquilo publicado em jornais ou visto em
televisões.
O
Brasil mudou, e muito, depois que assumimos o governo em janeiro de 2019.
Estamos há 2 anos e 8 meses sem qualquer caso concreto de corrupção.
O
Brasil tem um presidente que acredita em Deus, respeita a Constituição e seus
militares, valoriza a família e deve lealdade a seu povo.
Isso é muito, é uma sólida base, se levarmos em conta que
estávamos à beira do socialismo.
Nossas estatais davam prejuízos de bilhões de dólares,
hoje são lucrativas.
Nosso banco de desenvolvimento era usado para financiar
obras em países comunistas, sem garantias. Quem honra esses compromissos é o
próprio povo brasileiro.
Tudo isso mudou. Apresento agora um novo Brasil com sua credibilidade já
recuperada.
O Brasil possui o maior programa de parceria de
investimentos com a iniciativa privada de sua história. Programa que já é uma
realidade e está em franca execução.
Até aqui, foram contratados US$ 100 bilhões de novos
investimentos e arrecadados US$ 23 bilhões em outorgas.
Na área de infraestrutura, leiloamos, para a iniciativa
privada, 34 aeroportos e 29 terminais portuários.
Já são mais de US$ 6 bilhões em contratos privados para
novas ferrovias. Introduzimos o sistema de autorizações ferroviárias, o que
aproxima nosso modelo ao americano. Em poucos dias, recebemos 14 requerimentos
de autorizações para novas ferrovias com quase US$ 15 bilhões de investimentos
privados.
Em nosso governo promovemos o ressurgimento do modal
ferroviário.
Como reflexo, menor consumo de combustíveis fósseis e
redução do custo Brasil, em especial no barateamento da produção de alimentos.
Grande avanço vem acontecendo na área do saneamento
básico. O maior leilão da história no setor foi realizado em abril, com
concessão ao setor privado dos serviços de distribuição de água e esgoto no Rio
de Janeiro.
Temos
tudo o que investidor procura: um grande mercado consumidor, excelentes ativos,
tradição de respeito a contratos e confiança no nosso governo.
Também anuncio que nos próximos dias, realizaremos o
leilão para implementação da tecnologia 5G no Brasil.
Nossa moderna e sustentável agricultura de baixo carbono
alimenta mais de 1 bilhão de pessoas no mundo e utiliza apenas 8% do território
nacional.
Nenhum
país do mundo possui uma legislação ambiental tão completa.
Nosso
Código Florestal deve servir de exemplo para outros países.
O Brasil é um país com dimensões continentais, com
grandes desafios ambientais.
São 8,5 milhões de quilômetros quadrados, dos quais 66%
são vegetação nativa, a mesma desde o seu descobrimento, em 1500.
Somente
no bioma amazônico, 84% da floresta está intacta, abrigando a maior
biodiversidade do planeta. Lembro que a região amazônica equivale à área
de toda a Europa Ocidental.
Antecipamos, de 2060 para 2050, o objetivo de alcançar a neutralidade
climática. Os recursos humanos e financeiros, destinados ao
fortalecimento dos órgãos ambientais, foram dobrados, com vistas a zerar o
desmatamento ilegal.
E os
resultados desta importante ação já começaram a aparecer!
Na Amazônia, tivemos uma redução de 32% do desmatamento no mês de agosto,
quando comparado a agosto do ano anterior.
Qual país do mundo tem uma política de preservação
ambiental como a nossa?
Os senhores estão convidados a visitar a nossa Amazônia!
O
Brasil já é um exemplo na geração de energia com 83% advinda de fontes
renováveis.
Por ocasião da COP-26, buscaremos consenso sobre as
regras do mercado de crédito de carbono global. Esperamos que os países
industrializados cumpram efetivamente seus compromissos com o financiamento de
clima em volumes relevantes.
O futuro do emprego verde está no Brasil: energia
renovável, agricultura sustentável, indústria de baixa emissão, saneamento
básico, tratamento de resíduos e turismo.
Ratificamos
a Convenção Interamericana contra o Racismo e Formas Correlatas de Intolerância.
Temos a família tradicional como fundamento da
civilização. E a liberdade do ser humano só se completa com a liberdade de
culto e expressão.
14%
do território nacional, ou seja, mais de 110 milhões de hectares, uma área
equivalente a Alemanha e França juntas, é destinada às reservas indígenas.
Nessas regiões, 600.000 índios vivem em liberdade e cada vez mais desejam
utilizar suas terras para a agricultura e outras atividades.
O Brasil sempre participou em Missões de Paz da ONU. De
Suez até o Congo, passando pelo Haiti e Líbano.
Nosso país sempre acolheu refugiados. Em nossa fronteira
com a vizinha Venezuela, a Operação Acolhida, do Governo Federal, já recebeu
400 mil venezuelanos deslocados devido à grave crise político-econômica gerada
pela ditadura bolivariana.
O futuro do Afeganistão também nos causa profunda
apreensão. Concederemos visto humanitário para cristãos, mulheres, crianças e
juízes afegãos.
Nesses 20 anos dos atentados contra os Estados Unidos da
América, em 11 de setembro de 2001, reitero nosso repúdio ao terrorismo em
todas suas formas.
Em 2022, voltaremos a ocupar uma cadeira no Conselho de
Segurança da ONU. Agradeço aos 181 países, em um universo de 190, que confiaram
no Brasil. Reflexo de uma política externa séria e responsável promovida pelo
nosso Ministério de Relações Exteriores.
Apoiamos uma Reforma do Conselho de Segurança ONU, onde
buscamos um assento permanente.
A pandemia pegou a todos de surpresa em 2020. Lamentamos todas as mortes
ocorridas no Brasil e no mundo.
Sempre
defendi combater o vírus e o desemprego de forma simultânea e com a mesma responsabilidade. As medidas de
isolamento e lockdown deixaram um legado de inflação, em especial, nos gêneros
alimentícios no mundo todo.
No Brasil, para atender aqueles mais humildes, obrigados
a ficar em casa por decisão de governadores e prefeitos e que perderam sua
renda, concedemos um auxílio emergencial de US$ 800 para 68 milhões de pessoas
em 2020.
Lembro que terminamos 2020, ano da pandemia, com mais
empregos formais do que em dezembro de 2019, graças às ações do nosso governo
com programas de manutenção de emprego e renda que nos custaram cerca de US$ 40
bilhões.
Somente nos primeiros 7 meses desse ano, criamos
aproximadamente 1 milhão e 800 mil novos empregos. Lembro ainda que o nosso
crescimento para 2021 está estimado em 5%.
Até o momento, o Governo Federal distribuiu mais de 260 milhões de doses de vacinas e
mais de 140 milhões de brasileiros já receberam, pelo menos, a primeira dose, o
que representa quase 90% da população adulta. 80% da população indígena
também já foi totalmente vacinada. Até novembro, todos que escolheram ser
vacinados no Brasil, serão atendidos.
Apoiamos
a vacinação, contudo o nosso governo tem se posicionado contrário ao
passaporte sanitário ou a qualquer obrigação relacionada a vacina.
Desde o início da pandemia, apoiamos a autonomia do
médico na busca do tratamento precoce, seguindo recomendação do nosso Conselho
Federal de Medicina.
Eu mesmo fui um desses que fez tratamento inicial.
Respeitamos a relação médico-paciente na decisão da medicação a ser utilizada e
no seu uso off-label.
Não entendemos porque muitos países, juntamente com
grande parte da mídia, se colocaram contra o tratamento inicial.
A história e a ciência saberão responsabilizar a todos.
No último 7 de setembro, data de nossa Independência, milhões de brasileiros, de forma
pacífica e patriótica, foram às ruas, na maior manifestação de nossa história,
mostrar que não abrem mão da democracia, das liberdades individuais e de apoio
ao nosso governo.
Como demonstrado, o Brasil vive novos tempos. Na economia, temos um dos
melhores desempenhos entre os emergentes.
Meu
governo recuperou a credibilidade externa e, hoje, se apresenta como um
dos melhores destinos para investimentos.
É aqui, nesta Assembleia Geral, que, vislumbramos um
mundo de mais liberdade, democracia, prosperidade e paz.
Deus abençoe a todos.
Com ISTOÉ