quarta-feira, 22 de setembro de 2021

POR QUE NÃO TE CALAS, BOLSONARO?

 

O discurso de Bolsonaro na manhã de ontem reproduziu o mundo de fantasia que ele e seus apoiadores tentam propagandear internamente. Como acontece desde que chegou ao poder, o "mito" promoveu mais um papelão mundial e histórico. 

Além da abjeta defesa do uso de remédios sem efeito (e que causaram milhares de mortes), o mandatário e sua comitiva desfilaram sua decadência moral ao apresentarem uma realidade paralela ― que não convenceu ninguém ― e promover um show obsceno nas ruas de Nova Iorque, com pizza na calçada, dedo em riste do ministro da Saúde e arminha do chanceler. Nunca o Itamaraty se rebaixou tanto, nem mesmo durante a patética gestão do pária Ernesto Araújo.

Ficou evidente que o capitão não conseguiu atenuar sua imagem de pior líder mundial, aliviar a situação brasileira perante os investidores — que fogem da instabilidade institucional promovida desde o primeiro dia de seu governo — ou angariar simpatia de outros líderes, que o evitavam acintosamente.

O senador Randolfe Rodrigues, vice-presidente da CPI do Genocídio, disse que o capitão "mentiu do início ao fim" e deu mais um "vexame mundial" ao insistir em erros do Brasil na pandemia. A Comissão que investiga a conduta do Governo Federal durante a pandemia tem entre seus principais pontos justamente a insistência com o tratamento precoce, sem eficácia e que mobiliza até hoje o presidente, além de investigá-lo por possíveis irregularidades em contratos de vacina — o que gerou outra ironia de Randolfe, já que, em pronunciamento, o mandatário voltou a dizer que o Brasil não tem casos concretos de corrupção desde que ele, Bolsonaro, assumiu o poder.

Se o Rei Juan Carlos, da Espanha, estivesse na abertura da reunião anual das Nações Unidas desta terça-feira, teria dito a Bolsonaro: “Por que não te calas?”, repetindo a frase que disse, em 2007, ao então presidente venezuelano, Hugo Chávez. As mentiras começaram quando o capitão disse que o Brasil corria o risco de virar um país socialista ou comunista. Nunca corremos esse risco — mas, sim, o de o atual presidente dar um golpe e nos levar a um militarismo tacanho ou a um governo tocado por milicianos liderados por ele.

Foram 13 minutos de mentiras deslavadas em que ninguém acreditou. Bolsonaro é um pária internacional, como deixou bem claro na segunda-feira, no encontro com o primeiro-ministro britânico Boris Johnson, que lhe passou uma carraspana pública por ele não ter se vacinado contra a Covid. Foi humilhante.

Bolsonaro não teve vergonha na cara ao dizer que o Brasil estava preservando a floresta amazônica quando se sabe que o Inpe registra, mês após mês, a devastação ambiental na região. Falou inverdades também sobre as demandas indígenas, ao dizer que a comunidade quer explorar suas terras, quando sabemos que eles lutam para a demarcação de suas propriedades, que estão sendo tomadas por latifundiários, mineradores e exploradores de suas riquezas. Mentira maior foi afirmar que o Brasil conseguiu sucesso no controle da pandemia quando estamos próximos de atingir a marca de 600 mil mortes por Covid e mais de 21 milhões de infectados. Somos o País com o maior número de casos, proporcionalmente, em nível mundial.

Bolsonaro mentiu também quando disse que a população o apoia e que o último dia 7 de setembro foi marcado pela maior movimentação da história para defender a democracia. Na verdade, ele convocou os atos para dar um golpe, mas não conseguiu o retrocesso porque a maioria da população não aceita uma volta ao passado. Teve que pedir desculpas à Nação dois dias depois e precisou recorrer ao vampiro do Jaburu para redigir o texto que ele próprio não foi capaz de escrever.

No cenário interno, ninguém acha que o antipronunciamento será capaz de tirar seu governo das cordas. O presidente fez um discurso para si mesmo e para seus convertidos — e até o extremismo bolsonarista, acostumado a viver num mundo à parte, parece cansado de tanto delírio. Foi um retrato da triste situação a que nosso País chegou. Segue a transcrição (os destaques são meus):

Senhor Presidente da Assembleia-Geral, Abdullah Sharrid,

Senhor Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres,

Senhores Chefes de Estado e de Governo e demais chefes de delegação,

Senhoras e senhores,

É uma honra abrir novamente a Assembleia-Geral das Nações Unidas.

Venho aqui mostrar o Brasil diferente daquilo publicado em jornais ou visto em televisões.

O Brasil mudou, e muito, depois que assumimos o governo em janeiro de 2019.

Estamos há 2 anos e 8 meses sem qualquer caso concreto de corrupção.

O Brasil tem um presidente que acredita em Deus, respeita a Constituição e seus militares, valoriza a família e deve lealdade a seu povo.

Isso é muito, é uma sólida base, se levarmos em conta que estávamos à beira do socialismo.

Nossas estatais davam prejuízos de bilhões de dólares, hoje são lucrativas.

Nosso banco de desenvolvimento era usado para financiar obras em países comunistas, sem garantias. Quem honra esses compromissos é o próprio povo brasileiro.

Tudo isso mudou. Apresento agora um novo Brasil com sua credibilidade já recuperada.

O Brasil possui o maior programa de parceria de investimentos com a iniciativa privada de sua história. Programa que já é uma realidade e está em franca execução.

Até aqui, foram contratados US$ 100 bilhões de novos investimentos e arrecadados US$ 23 bilhões em outorgas.

Na área de infraestrutura, leiloamos, para a iniciativa privada, 34 aeroportos e 29 terminais portuários.

Já são mais de US$ 6 bilhões em contratos privados para novas ferrovias. Introduzimos o sistema de autorizações ferroviárias, o que aproxima nosso modelo ao americano. Em poucos dias, recebemos 14 requerimentos de autorizações para novas ferrovias com quase US$ 15 bilhões de investimentos privados.

Em nosso governo promovemos o ressurgimento do modal ferroviário.

Como reflexo, menor consumo de combustíveis fósseis e redução do custo Brasil, em especial no barateamento da produção de alimentos.

Grande avanço vem acontecendo na área do saneamento básico. O maior leilão da história no setor foi realizado em abril, com concessão ao setor privado dos serviços de distribuição de água e esgoto no Rio de Janeiro.

Temos tudo o que investidor procura: um grande mercado consumidor, excelentes ativos, tradição de respeito a contratos e confiança no nosso governo.

Também anuncio que nos próximos dias, realizaremos o leilão para implementação da tecnologia 5G no Brasil.

Nossa moderna e sustentável agricultura de baixo carbono alimenta mais de 1 bilhão de pessoas no mundo e utiliza apenas 8% do território nacional.

Nenhum país do mundo possui uma legislação ambiental tão completa.

Nosso Código Florestal deve servir de exemplo para outros países.

O Brasil é um país com dimensões continentais, com grandes desafios ambientais.

São 8,5 milhões de quilômetros quadrados, dos quais 66% são vegetação nativa, a mesma desde o seu descobrimento, em 1500.

Somente no bioma amazônico, 84% da floresta está intacta, abrigando a maior biodiversidade do planeta. Lembro que a região amazônica equivale à área de toda a Europa Ocidental.

Antecipamos, de 2060 para 2050, o objetivo de alcançar a neutralidade climática. Os recursos humanos e financeiros, destinados ao fortalecimento dos órgãos ambientais, foram dobrados, com vistas a zerar o desmatamento ilegal.

E os resultados desta importante ação já começaram a aparecer!

Na Amazônia, tivemos uma redução de 32% do desmatamento no mês de agosto, quando comparado a agosto do ano anterior.

Qual país do mundo tem uma política de preservação ambiental como a nossa?

Os senhores estão convidados a visitar a nossa Amazônia!

O Brasil já é um exemplo na geração de energia com 83% advinda de fontes renováveis.

Por ocasião da COP-26, buscaremos consenso sobre as regras do mercado de crédito de carbono global. Esperamos que os países industrializados cumpram efetivamente seus compromissos com o financiamento de clima em volumes relevantes.

O futuro do emprego verde está no Brasil: energia renovável, agricultura sustentável, indústria de baixa emissão, saneamento básico, tratamento de resíduos e turismo.

Ratificamos a Convenção Interamericana contra o Racismo e Formas Correlatas de Intolerância.

Temos a família tradicional como fundamento da civilização. E a liberdade do ser humano só se completa com a liberdade de culto e expressão.

14% do território nacional, ou seja, mais de 110 milhões de hectares, uma área equivalente a Alemanha e França juntas, é destinada às reservas indígenas. Nessas regiões, 600.000 índios vivem em liberdade e cada vez mais desejam utilizar suas terras para a agricultura e outras atividades.

O Brasil sempre participou em Missões de Paz da ONU. De Suez até o Congo, passando pelo Haiti e Líbano.

Nosso país sempre acolheu refugiados. Em nossa fronteira com a vizinha Venezuela, a Operação Acolhida, do Governo Federal, já recebeu 400 mil venezuelanos deslocados devido à grave crise político-econômica gerada pela ditadura bolivariana.

O futuro do Afeganistão também nos causa profunda apreensão. Concederemos visto humanitário para cristãos, mulheres, crianças e juízes afegãos.

Nesses 20 anos dos atentados contra os Estados Unidos da América, em 11 de setembro de 2001, reitero nosso repúdio ao terrorismo em todas suas formas.

Em 2022, voltaremos a ocupar uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU. Agradeço aos 181 países, em um universo de 190, que confiaram no Brasil. Reflexo de uma política externa séria e responsável promovida pelo nosso Ministério de Relações Exteriores.

Apoiamos uma Reforma do Conselho de Segurança ONU, onde buscamos um assento permanente.

A pandemia pegou a todos de surpresa em 2020. Lamentamos todas as mortes ocorridas no Brasil e no mundo.

Sempre defendi combater o vírus e o desemprego de forma simultânea e com a mesma responsabilidade. As medidas de isolamento e lockdown deixaram um legado de inflação, em especial, nos gêneros alimentícios no mundo todo.

No Brasil, para atender aqueles mais humildes, obrigados a ficar em casa por decisão de governadores e prefeitos e que perderam sua renda, concedemos um auxílio emergencial de US$ 800 para 68 milhões de pessoas em 2020.

Lembro que terminamos 2020, ano da pandemia, com mais empregos formais do que em dezembro de 2019, graças às ações do nosso governo com programas de manutenção de emprego e renda que nos custaram cerca de US$ 40 bilhões.

Somente nos primeiros 7 meses desse ano, criamos aproximadamente 1 milhão e 800 mil novos empregos. Lembro ainda que o nosso crescimento para 2021 está estimado em 5%.

Até o momento, o Governo Federal distribuiu mais de 260 milhões de doses de vacinas e mais de 140 milhões de brasileiros já receberam, pelo menos, a primeira dose, o que representa quase 90% da população adulta. 80% da população indígena também já foi totalmente vacinada. Até novembro, todos que escolheram ser vacinados no Brasil, serão atendidos.

Apoiamos a vacinação, contudo o nosso governo tem se posicionado contrário ao passaporte sanitário ou a qualquer obrigação relacionada a vacina.

Desde o início da pandemia, apoiamos a autonomia do médico na busca do tratamento precoce, seguindo recomendação do nosso Conselho Federal de Medicina.

Eu mesmo fui um desses que fez tratamento inicial. Respeitamos a relação médico-paciente na decisão da medicação a ser utilizada e no seu uso off-label.

Não entendemos porque muitos países, juntamente com grande parte da mídia, se colocaram contra o tratamento inicial.

A história e a ciência saberão responsabilizar a todos.

No último 7 de setembro, data de nossa Independência, milhões de brasileiros, de forma pacífica e patriótica, foram às ruas, na maior manifestação de nossa história, mostrar que não abrem mão da democracia, das liberdades individuais e de apoio ao nosso governo.

Como demonstrado, o Brasil vive novos tempos. Na economia, temos um dos melhores desempenhos entre os emergentes.

Meu governo recuperou a credibilidade externa e, hoje, se apresenta como um dos melhores destinos para investimentos.

É aqui, nesta Assembleia Geral, que, vislumbramos um mundo de mais liberdade, democracia, prosperidade e paz.

Deus abençoe a todos.

Com ISTOÉ