quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

LE BRÉSIL N’EST PAS UN PAYS SERIEUX

 


Pressionada por todos os lados, a ministra Rosa Weber "suspendeu a suspensão", mas determinou que os R$ 9,2 bilhões que restam do "orçamento secreto" de 2021 sigam as novas regras de transparência aprovadas pelo Congresso. Rodrigo Pacheco já havia dado um passo atrás, listando providências "possíveis" para a apuração e se comprometendo a apresentar os resultados em 180 dias. Rosa concedeu 90 dias corridos e manteve a exigência de que sejam dados nomes aos bois na distribuição das verbas que o Centrão e o "mito dos apalermados" pilharam do Orçamento, em 2020 e 2021, para "garantir maioria legislativa" (eufemismo para "compra de votos").

Talvez seja por isso que a caterva travestida de congressistas não festejou o "recuo" da ministra pulando e berrando frases ininteligíveis, como fez Micheque quando a indicação de seu pastor de estimação para o STF foi aprovada. Na batalha em curso, embora sejam maioria, Congresso e Planalto vêm perdendo para os togados, que se valem de uma antiga técnica de fazer política, qual seja a de jogar parado. No mais, vale a pena ouvir a opinião de Dora Kramer sobre a decisão da ministra.

A "impossibilidade técnica" alegada por Lira, Pacheco et caterva é falaciosa. Um documento assinado pelo deputado pedessista cearense Domingos Neto, que foi o relator-geral do Orçamento de 2020, desmente a versão da cúpula do Congresso de que não há registros sobre as indicações de parlamentares no esquema do orçamento secreto e confirma que a liberação de recursos se deu por meio de conluio com o Palácio do Planalto. O documento reforça ainda que, por trás da fachada do relator-geral do orçamento, os parlamentares apresentaram formalmente ao governo as suas indicações. Desde maio, o Estadão tem mostrado que Planalto empenhou bilhões do orçamento em troca de apoio parlamentar, mas os valores que o jornal rastreou perfazem 13% dos R$ 29 bilhões empenhados pelo Executivo entre 2020 e 2021 com emendas de relator-geral.

Falta transparência na maneira como dinheiro dos contribuintes é malversado por maus políticos. Na visão de associações da área de transparência ouvidos pelo Estadão, o documento do relator-geral de 2020 reforça a necessidade de uma atuação mais dura do Supremo para exigir que os documentos ocultos venham à tona. O problema é que o Supremo é composto por 11 ilhas isoladas que, em tese, formam um arquipélago. Sua composição atual é a pior de toda a história da Corte. A pusilanimidade das togas perante as atrocidades cometidas pelo mandatário de fancaria chega a ser constrangedora — a exemplo da inércia do passador-de-pano-geral e da incúria do réu que preside a Câmara.

Embora seja atribuída a Charles de Gaulle, a emblemática frase "Le Brésil n’est pas un pays serieux" (O Brasil não é um país sério) foi proferida pelo diplomata brasileiro Carlos Alves de Souza Filho, genro do presidente Artur Bernardes. O embaixador sabia das coisas, como comprovam as pesquisas de intenção de voto para as eleições de 2022.

Para quem achou pouco, vamos a mais uma demonstração cabal de que este país não é um país sério: o ministro que mais tempo durou à frente da pasta da Saúde durante a pandemia foi um general que nada fez além de militarizar o ministério e lamber as botas de quem o nomeou, contribuindo, assim, para ceifar milhares de milhares e vidas. Passados dez meses, o general da banda finalmente cedeu à pressão e substituiu essa aberração por um médico cardiologista... que não demorou a seguir os passos de seu antecessor. 

Eivado de pretensões eleitorais, o eminente esculápio vem se empenhando cada vez mais em cumprir a regra do "um manda e o outro obedece". Na última terça-feira, fazendo eco ao mandatário de fancaria, disse essa sumidade que é "melhor perder a vida do que a liberdade". Em outras palavras, o ministro prefere rasgar o diploma a perder o emprego, e assim se presta ao papel abjeto de capacho do bolsonarismo. No afã de bajular o "mito" dos despirocados, que vomita esse besteirol para manter fiel seu curral eleitoral, o doutor trai seu dever como médico e como ministro. Em suma: o que se viu foi mais uma demonstração cabal da imbecilidade que abrilhanta este desgoverno, ou melhor, o buraco negro que o país se tornou sob o comando sultão do bananistão.

Ao invés de seguir a recomendação da Anvisa e exigir vacinação completa (ou o passaporte da vacina) dos turistas internacionais, Queiroga "decidiu" impor quarentena de cinco dias aos viajantes não vacinados — como se fosse possível fiscalizar o cumprimento dessa estapafúrdia decisão. Pegou mal: "O papel do ministro da saúde não é agradar as pessoas, é proteger a saúde da população. Acho que o Queiroga não tem noção da magnitude do papel que ele ocupa", disse o epidemiologista e professor Pedro Hallal. 

O posicionamento da Anvisa é uma recomendação que pode ou não ser acatada pelo Ministério, explicou a infectologista Luana Araújo. Mas "as recomendações são feitas a partir de dados científicos, e que optar pela medida contrária pode colocar em risco as ações de combate ou mitigação da pandemia", acrescentou a médica. Sobre a paráfrase feita pelo vassalo do suserano, a também infectologista Miriam Dal Ben ponderou que para combater uma pandemia de modo efetivo não é possível olhar as pessoas individualmente. "Essa decisão não diz respeito só ao direito dela, mas também sobre o direito dos outros”.

E viva o povo brasileiro.