sexta-feira, 13 de maio de 2022

UM PAÍS SEM ESTADISTAS

 


Há 58 anos, um golpe militar instaurou no Brasil uma ditadura que durou 21 anos e censurou, perseguiu, prendeu, exilou, torturou, matou. O obscurantismo e a estupidez provocaram enorme sofrimento e criaram um apagão na cultura, hiperinflação, arrocho salarial, concentração de renda. Mas nem o período mais nefasto de nossa história produziu um presidente com personalidade mais autoritária do que Jair Bolsonaro, e dá arrepios imaginar o que ele faria se tivesse o poder de um Geisel. E vale destacar que isso não é de todo impossível: os golpes de hoje não se dão com tanques, mas pelo desmonte das instituições, processo em que Bolsonaro vem sendo bem-sucedido. Se ganhar mais um mandato, pode destruir a democracia por completo.

 

É grave que os maiores interessados na preservação da democracia não se mobilizem. Metade do Congresso Nacional, incluindo boa parte da oposição, segue Artur Lira e Ciro Nogueira e se vende a Bolsonaro pelos bilhões do orçamento secreto. Parafraseando Churchill, alimentam o crocodilo na esperança de serem devorados por último.

 

Ainda mais grave é que os progressistas não consigam se organizar para enterrar Bolsonaro em outubro. Alckmin, sabotado Doria, migrou para o PSB para ser vice de Lula. A adesão, eleitoreira, não inclui agenda programática. O picolé de chuchu fica calado enquanto o ex-presidiário ataca bandeiras históricas do PSDB. A adesão serve apenas para que o cabeça da chapa finja que acena ao centro.

 

Leite disputou as prévias tucanas e foi derrotado. Quis ganhar no tapetão e perdeu. Decidiu abandonar o partido para ser candidato, desistiu ao perceber que não teria chance, mas ainda quer jogar a final, mesmo tendo sido derrotado na semifinal. Ciro Gomes tampouco cogita renunciar. Moro aceitou ser ministro de um presidente que, como juiz, ajudou a eleger. Mas não tem preparo político nem proposta convincente como democrata. Anunciou sua desistência não por desprendimento, mas porque se viu emparedado. Melhor teria sido — para ele e para o país — se tivesse ficado na 13ª Vara Federal de Curitiba.

 

Doria já se desentendeu com Alckmin, Leite, Jereissati, Aníbal e o presidente do partido, Bruno Araújo. Se não consegue unir os tucanos, que dirá a oposição. Em um gesto unilateral e inesperado, anunciou a desistência de concorrer à Presidência, jogando o PSDB no caos. Depois, desistiu de desistir, e ninguém sabe no que isso vai dar.

 

Lula lutou pelo impeachment de todos os presidentes não petistas exceto Bolsonaro, que poupou por acreditar ser mais fácil de derrotar. Poderia negociar uma agenda comum com o centro e até vencer no primeiro turno, mas segue defendendo propostas incendiárias. Quer governar sozinho, como sempre fez.

 

O PT não mudou. Em 1985, na eleição indireta entre Maluf, homem da ditadura e corrupto notório, e Tancredo, democrata indiscutível e de caráter ilibado, o partido dos trabalhadores que não trabalham determinou o voto nulo e expulsou quem votou no democrata. Tancredo venceu, mas não exerceu a Presidência — sabendo-se doente, atrasou a internação por medo de que os militares impedissem a redemocratização; acabou internado de emergência na véspera da posse e morreu semanas depois.

 

Estadistas como Tancredo sacrificam interesses pessoais e até a vida pelo país. Os políticos de hoje parecem dispostos a sacrificar o país pelos próprios interesses, e se arriscam a sacrificar os dois.


 

Com Ricardo Rangel