quarta-feira, 13 de novembro de 2024

CIÊNCIA X RELIGIÃO... (CONTINUAÇÃO)

NÃO CONFUNDA A OBRA DO MESTRE PICASSO COM A PICA DE AÇO DO MESTRE DE OBRAS.

No tempo das cavernas, tempestades, terremotos, eclipses e outros fenômenos naturais eram atribuídos a forças sobrenaturais, e misticismo deu origem às religiões. Mas não se deve confundir religião com fé. Ainda que as duas andem de mãos dadas, tanto é possível ter fé e não ser religioso como seguir uma religião sem ter fé, apenas por tradição familiar ou convenção social. 

A finalidade precípua da religião deveria ser "religar" o homem a Deus, mas cada vertente — cristã, budista, hinduísta, xamânica, espiritualista, gnóstica, etc. — define "Deus" a sua maneira. Ao longo da História, Cristo, Buda, Maomé, Krishna e outros ícones religiosos deixaram mensagens para determinados povos em determinadas épocas. Embora devesse levar à unidade, ao amor e ao bem de todos, as mensagens foram distorcidas para atender a interesses egoístas daqueles que detém poder e as utilizam para manipular seus semelhantes. 

Os primeiros textos védicos remontam a 1.500 a.C., mas os conceitos que eles encerram foram transmitidos oralmente durante séculos. A frase "este é o meu corpo", que Cristo teria dito na Última Ceia — é repetida até hoje durante a EucaristiaQuando "lavou as mãos"Pôncio Pilatos deixou clara a ligação entre religião e política. 

Observação: Na idade média, Igreja e Estado temiam que a Prensa de Gutemberg causasse a proliferação de ideias "heréticas" que ameaçassem seu controle e subvertessem a ordem social, política e religiosa. Estado e Igreja foram faces da mesma moeda até a Revolução Francesa, mas velhos hábitos são difíceis de erradicar.
 
Toda sociedade tem uma religião, toda religião tem um propósito social, e toda cerimonia religiosa tem um ritual. O Seder de Pessach e a comunhão são meras adaptações litúrgicas de uma pratica observada nos chimpanzés (último ancestral que macacos e humanos têm em comum). Hoje, as religiões parecem distantes da empatia que surgiu nos tempos de antanho, mas fenômenos complexos se desenvolvem a partir de começos simples, e tudo que fazemos é influenciado por uma profunda história biológica e cosmológica. 
 
Segundo o Gênesis — primeiro livro da Bíblia judaico-cristã e pedra fundamental das religiões abraâmicas —, Deus criou o mundo em seis dias e descansou no sétimo, depois de criar o homem à sua imagem e semelhança e ver que "tudo era bom". No livro "The Annals of the World (1658), o arcebispo irlandês James Ussher foi ainda mais preciso: "Deus deu início à obra às 9h do dia 23 de outubro de 4004 a.C., e todas as espécies surgiram ao longo de seis dias e jamais sofreram qualquer alteração."
 
Observação: A ciência avançou consideravelmente desde o século XVII, e hoje é consenso entre os astrofísicos que o Universo surgiu há 13,8 bilhões de anos, que a Terra surgiu há 4,5 bilhões de anos, que os primatas surgiram há 65 milhões de anos, os grandes macacos, há 40 milhões de anos, os hominídeos, há 8 milhões de anos, e o Homo sapiens, há cerca de 300 mil anos — a partir da evolução de outros primatas, e não de Adão e Eva.
 
O Velho Testamento é um conjunto de lendas e tradições culturais transmitidas oralmente até 1200 a.C. e compiladas por Moisés — que foi capaz de abrir o Mar Vermelho com seu cajado, mas levou 40 anos para levar os filhos de Abraão até a terra prometida por Jeová.
 Talvez essa longa caminhada sob o sol escaldante do deserto do Sinai (que deu origem à expressão "judeu errante") explique por que o autor do Pentateuco retratou o Criador como uma entidade rancorosa e vingativa, tão diferente da imagem vendida nas igrejas, templos e assemelhados por padres e pastores que vivem à custa do dinheiro que extorquem dos trouxas, digo, dos fiéis, ameaçando-os com a "danação eterna", quando deveriam lhes oferecer orientação e conforto espiritual.
 
Como os vaga-lumes, as religiões precisam da escuridão para brilhar, e são úteis para os poderosos, que lhes dão ares de verdade para ludibriar os trouxas, digo, os menos esclarecidos. Daí ser imperativo questionar as crenças enraizadas; é a partir da reflexão que se alcança uma espiritualidade mais ampla e profunda. 
A possibilidade de existir um ente superior é admissível, mas como acreditar num "criador" que concede livre-arbítrio às criaturas, promete recompensar os "bons" com a vida eterna num hipotético "paraíso celestial", e punir os "maus" com o fogo eterno num hipotético inferno comandado por um "anjo caído"?
 
A fé resulta de experiências espirituais e emocionais, que levam os indivíduos a acreditar em algo que não lhes tenha sido enfiado goela abaixo por dogmas religiosos. Contrapondo-se à rigidez das religião, que 
tende a perpetuar tradições e práticas que raramente resiste ao questionamento crítico, a flexibilidade faz com que a fé se adapte aos valores e interpretações de cada um. E a relação entre as duas é ainda mais intrigante quando se questiona a natureza da divindade. 
 
Dizem que Deus criou a fé e o amor, e o diabo, invejoso, as religiões e o casamento. Atribui-se a Aristóteles a máxima segundo a qual "o sábio duvida e o sensato reflete". Partindo dessa premissa, qualquer pessoa minimamente esclarecida deveria questionar a ideia de passar a eternidade tocando harpa numa nuvem ou assando lentamente num espeto. No entanto, toda religião é a verdade absoluta para quem a professa e mera fantasia para os devotos das outras seitas, e, mesmo em pleno século XXI, até as mais inverossímeis tem hostes de seguidores que pegam em lanças para defender seus rituais e liturgias. 
 

No Mito da Caverna, Platão ensina que que a verdadeira sabedoria e o conhecimento estão além das aparências superficiais, e que só a reflexão crítica leva à compreensão da complexidade das nossas convicções e das narrativas que escolhemos abraçar. Infelizmente, argumentar com quem renunciou à lógica é como oferecer remédios a um homem morto...

 

Continua...