O engraçado (de estranho, não de gozado) é que o HC foi
pautado para a última quinta-feira por motivo de “urgência”, ou, nas palavras
da presidente da Corte: “Pela urgência, será apregoado na pauta de
amanhã [quinta, 22] por não haver possibilidade de pauta anterior, até porque o
prazo é curto e na semana que vem teremos a Semana Santa”. No entanto,
depois de 4 horas de debates, os ministros rejeitaram (por 7 votos a 4) a questão
preliminar levantada pelo relator, Edson
Fachin, e decidiram julgar mérito da ação. Ato contínuo, concordaram em adiar
a sessão ― Marco Aurélio tinha um
avião para pegar, outros tinham lá seus compromissos, um ou outro disse estar disposto a prosseguir madrugada adentro (mas ninguém deu bola) ― e, agora
a cereja do bolo: concederam a toque de caixa, por 6 votos a 5, uma esdrúxula
liminar (salvo-conduto provisório) que assegura a Lula a especial deferência de não ser preso enquanto o mérito do
habeas não for julgado.
Em entrevista gravada após a sessão, Cármen Lúcia disse que o adiamento]se deu “devido a uma circunstância que se impôs diante de um horário e das
condições dos juízes para que, se houvesse uma continuidade e se alongassem
demasiadamente, isso sobrecarregaria provavelmente com consequências até pela
capacidade física, e teria que ter continuidade na próxima sessão para que o julgamento
seja justo, sereno, tranquilo, como tem de ser”. Ainda segundo a presidente, Lula não pode ser destratado nem ter
privilégios, mas merece o tratamento “digno
e respeitoso” devido a qualquer cidadão, e que um tratamento diferenciado “seria a quebra da ideia de Justiça, mas
principalmente a quebra da ideia de igualdade”. Então tá, ministra.
A quem interessar possa, estou redigindo um texto circunstanciado
sobre toda essa celeuma e devo postá-lo no domingo ou na segunda-feira. Até lá, fiquem com a coluna (sempre inspirada) do mestre J.R. Guzzo:
O Supremo Tribunal Federal já deixou, há muito tempo, de ter alguma
relação com o ato de prestar justiça a alguém. O que se pode esperar da conduta
de sete ministros, entre os onze lá presentes, que foram nomeados por um
ex-presidente condenado a doze anos de cadeia e uma ex-presidente que conseguiu
ser deposta do cargo por mais de 70% dos votos do Congresso Nacional? Outros
três foram indicados, acredite quem quiser, por José Sarney, Fernando Collor
e Michel Temer. Sobra um, nomeado
por Fernando Henrique Cardoso ― mas
ele é Gilmar Mendes, justamente,
ninguém menos que Gilmar Mendes.
Deixem do lado de fora
qualquer esperança, portanto, todos os que passarem pela porta do STF em busca da proteção da lei. Quer
dizer, todos não ― ao contrário, o STF
é o melhor lugar do mundo para você ir hoje em dia, caso seja um delinquente
cinco estrelas e com recursos financeiros sem limites para contratar advogados
milionários. O STF, no fundo, é uma
legítima história de superação. Por mais que tenha se degenerado ao longo do
tempo, a corte número 1 da justiça brasileira está conseguindo tornar-se pior a
cada dia que passa e a cada decisão que toma. Ninguém sabe onde os seus
ocupantes pretendem chegar. Vão nomear o ex-presidente Lula para o cargo de Imperador Vitalício do Brasil? Vão dar
indulgência plenária a todos os corruptos que conseguirem comprovar atos de
ladroagem superiores a 1 milhão de reais? Vão criar a regra segundo a qual as
sentenças de seus amigos, e os amigos dos amigos, só “transitam em julgado”
depois de condenação no Dia do Juízo Universal?
Os ministros do STF, com as maiorias que conseguem
formar hoje em dia lá dentro, podem fazer qualquer coisa dessas, ou pior. Por
que não? Eles vêm sistematicamente matando a democracia no Brasil, com doses
crescentes de veneno, ao se colocarem acima das leis, dos outros poderes e da
moral comum. Mandam, sozinhos, num país com 200 milhões de habitantes, e
ninguém pode tirá-los dos seus cargos pelo resto da vida. O presente que acabam
de dar a Lula é apenas a prova mais
recente da degradação que impõem ao sistema de justiça neste país. Foi uma
decisão tomada unicamente para beneficiar o ex-presidente ― chegaram a mudar o
que eles próprios já tinham resolvido a respeito, um ano e meio atrás, quando
declararam que o sujeito pode ir para a cadeia depois de condenado na segunda
instância. É assim que se faz em qualquer lugar do mundo onde há justiça de
verdade ― afinal, as penas de prisão precisam começar a ser cumpridas em algum
momento da vida. Para servir a Lula,
porém, o STF estabeleceu que cadeia
só pode vir depois que esse mesmo STF
decidir, no Dia de São Nunca, se vale ou não vale prender criminoso que já foi
condenado em primeira e segunda instâncias (no caso de Lula, por nove juízes diferentes até agora), ou se é preciso
esperar uma terceira, ou quarta, ou décima condenação para a lei ser enfim
obedecida. Falam que a decisão foi “adiada”, possivelmente para o começo de
abril. Mentira. Já resolveram que Lula
está acima da lei ― como, por sinal, o próprio Lula diz o tempo todo que está.
O STF atende de maneira oficial, assim, não apenas a Lula, mas aos interesses daquilo que
poderia ser chamado de “Conselho Nacional da Ladroagem” ― essa mistura de
empreiteiras de obras públicas que roubam no preço, políticos ladrões,
fornecedores corruptos das estatais e toda a manada de escroques que cerca o
Tesouro Nacional dia e noite. Para proteger essa gente o “plenário” está
disposto a qualquer coisa. Ministros se dizem “garantistas”, como Dias Toffoli e Marco Aurélio Mello, e juram que seu único propósito é garantir o
“direito de defesa”. Quem pode levar a sério uma piada dessas? A única coisa
que garantem é a impunidade. No julgamento do recurso de Lula, o ministro Ricardo
Lewandowski teve a coragem de dizer que a decisão não era para favorecer o
ex-presidente, mas sim “milhares de mulheres lactantes” e “crianças” que
poderiam estar “atrás das grades” se o STF
não mandasse soltar quem pede para ser solto.
É realmente fazer de
palhaço o cidadão que lhes paga o salário. O que uma coisa tem a ver com a
outra? Porque raios não se poderia soltar as pobres mulheres lactantes que
furtaram uma caixinha de chicletes e mandar para a cadeia um magnata que tem a
seu serviço todos os advogados que quer? Tem até a OAB inteira, se fizer questão. À certa altura, no esforço de salvar
Lula, chegaram a falar em
“teratologia”. Teratologia? Será que eles acham que falando desse jeito as
pessoas dirão: “Ah, bom, se é um caso de teratologia…” Aí fica tudo claríssimo,
não é mesmo? É um mistério, na verdade, para o que servem essas sessões do STF abertas ao “público”. Depois que um
ministro assume a palavra e diz “boa tarde”, adeus: ninguém entende mais uma
única palavra que lhe sai da boca; talvez seja mais fácil entender o moço que
fica no cantinho de baixo da tela, à direita, e que fala a linguagem dos
surdos-mudos. Sem má vontade: como seria humanamente possível alguém
compreender qualquer coisa dita pela ministra Rosa Weber? Ou, então, pelos ministros Celso de Mello, ou Marco
Aurélio? É chinês puro.
O espetáculo de
prestação de serviço a Lula veio um
dia depois, justamente, de uma briga de sarjeta, na frente de todo o mundo,
entre os ministros Luis Roberto Barroso
e Gilmar Mendes. Entre outras
coisas, chamaram-se um ao outro de “psicopata” ou de facilitador para operações
de aborto. Por que não resolvem suas rixas em particular? É um insulto ao
cidadão brasileiro. Por que precisam punir o público pela televisão (aliás,
paga pelo mesmo público) com a exibição de sua valentia sem risco? Os ministros
dão a qualquer um, depois disso, o direito de chamá-los de psicopatas ou
advogados de abortos clandestinos – por que não, se fizeram exatamente isso e
continuam sendo ministros da “Corte Suprema”? Dias ruins, com certeza, quando
pessoas desse tipo têm a última palavra em alguma coisa ― no caso, nas questões
mais cruciais da justiça e, por consequência, da democracia. É o mato sem
nenhuma esperança de cachorro, realmente. A televisão nos mostra umas figuras
de capa preta, fazendo cara de Suprema Corte da Inglaterra e dizendo frases
incompreensíveis. O que temos, na vida real, é um tribunal de Idi Amin, ou qualquer outra figura de
pesadelo saída de alguma ditadura africana.
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