Dois dias depois da suprema palhaçada, a decisão dos
ministros ― de decidir e nada resolver ― continua repercutindo e dando margem a
toda sorte de especulações. Mas especulações não mudam os fatos, e o fato é que
o julgamento do mérito do habeas corpus
do molusco indigesto ficou para a primeira quarta-feira do mês que vem, já que,
na sessão da última quinta, suas excelências discutiram durante horas se
deveriam decidir e, depois de decidirem que deveriam, decidiram adiar a
decisão.
Costumo dizer que a atual composição do STF é a pior desde que a corte se reuniu em sessão plenária pela
primeira vez, no último dia de fevereiro de 1891 (que, por sorte, não era ano
bissexto; se fosse, é possível que o horário de trabalho dos magistrados fosse
ainda mais esdrúxulo).
Juízes devem julgar à luz das normas jurídicas, mas não devem se ater somente à letra fria da lei, sob pena de distribuírem mais injustiças do que Justiça. Ademais, na condição de seres humanos, eles, como qualquer um de nós, estão sujeitos a paixões e ideologias. Considerando que, na composição atual, 7 dos 11 ministros foram nomeados pelo ex-presidente ora condenado e por sua sucessora impichada, outros 3 são fruto dos governos Sarney, Collor e FHC, e 1 foi nomeado por Temer, o que poderíamos esperar do STF?
Está mais que na hora de modificar a maneira como
são preenchidas as vagas no Supremo,
ou pelo menos atentar para o que dispõe o artigo
101 da Constituição, que determina em seu parágrafo único: “Os Ministros do Supremo Tribunal Federal serão
nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria
absoluta do Senado Federal”.
Observação: Esse parágrafo deixa claro que cabe ao presidente da República nomear o magistrado após sua
aprovação pela maioria absoluta do Senado,
mas não explicita quem indica o candidato
à vaga. Salvo melhor juízo, o ato do presidente é o último, não o primeiro ―
de três, que são a indicação, a escolha [pelo Senado] e a nomeação [pelo presidente] ―, já que não se nomeia para escolher, mas escolhe-se
para nomear. Portanto, a indicação do candidato pelo presidente da
República é de praxe, mas não é uma
imposição legal.
O Direito está longe de ser uma ciência
exata, mas é incontestável que o sistema de escolha atual não atende
aos anseios e necessidades do povo brasileiro, já que um postulante com boa articulação política no governo leva vantagem em relação a
outro mais apto ou com maiores conhecimentos jurídicos. Em vista disso, a Associação de Juízes para a Democracia encaminhou em 2014 (à então presidanta Dilma) uma proposta para a nomeação dos ministros à luz do Decreto 222, expedido pela presidência
da República Argentina no ano de 2003, que visa estimular a participação
popular no processo de escolha (clique aqui para ler a íntegra da proposta).
Como bem assinalou o jornalista J.R. Guzzo (vide a íntegra do texto no post anterior), “o STF,
no fundo, é uma legítima história de superação. Por mais que tenha se
degenerado ao longo do tempo, a corte número 1 da justiça brasileira está
conseguindo tornar-se pior a cada dia que passa e a cada decisão que toma.
Ninguém sabe onde os seus ocupantes pretendem chegar. Vão nomear o
ex-presidente Lula para o cargo de Imperador
Vitalício do Brasil? Vão dar indulgência plenária a todos os corruptos que
conseguirem comprovar atos de ladroagem superiores a 1 milhão de reais? Vão
criar a regra segundo a qual as sentenças de seus amigos, e os amigos dos
amigos, só ‘transitam em julgado’ depois de condenação no Dia do Juízo
Universal? (...) O presente que acabam de dar a Lula é apenas a prova mais recente da
degradação que impõem ao sistema de justiça neste país. Foi uma decisão tomada
unicamente para beneficiar o ex-presidente ― chegaram a mudar o que eles
próprios já tinham resolvido a respeito, um ano e meio atrás, quando declararam
que o sujeito pode ir para a cadeia depois de condenado na segunda instância.
Para servir a Lula, estabeleceram
que cadeia só pode vir depois que eles decidirem, no Dia de São Nunca, se vale
ou não vale prender criminoso que já foi condenado em primeira e segunda
instâncias (no caso de Lula, por
nove juízes diferentes até agora), ou se é preciso esperar uma terceira, ou
quarta, ou décima condenação para a lei ser enfim obedecida. Falam que a
decisão foi ‘adiada’, possivelmente para o começo de abril. Mentira. Já
resolveram que Lula está acima da
lei ― como, por sinal, o próprio Lula
diz o tempo todo que está. (...) É
fazer de palhaço o cidadão que lhes paga o salário. (...) À certa altura, no
esforço de salvar Lula, chegaram a
falar em ‘teratologia’ (termo que, no meio jurídico, é usado para apontar uma decisão
monstruosa, absurda). Será que eles acham que falando desse jeito as
pessoas dirão: ‘Ah, bom, se é um caso de teratologia…’ Aí fica tudo claríssimo,
não é mesmo? Aliás, depois que um ministro assume a palavra e diz ‘boa tarde’,
adeus: ninguém entende mais uma única palavra que lhe sai da boca. Como seria
humanamente possível alguém compreender qualquer coisa dita pela ministra Rosa Weber? Ou, então, pelos ministros Celso de Mello, ou Marco Aurélio?”.
Como se não bastasse o adiamento da sessão (que poderia ter
prosseguido com apenas 6 ministros), a facção
pró-Lula, por 6 votos a 5, concedeu ao petralha um salvo-conduto sem precedentes naquela Corte, mandando às
favas (mais uma vez) a segurança jurídica, já que o TRF-4 não pretende adiar o julgamento dos embargos de declaração do
petralha, que está marcado para a próxima segunda, 26.
Observação: A liminar que impede a prisão de Lula antes do julgamento de mérito do
habeas corpus foi deferida com os votos de Rosa
Weber, Marco Aurélio, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar
Mendes e Celso de Mello.
Se os desembargadores rejeitarem os embargos declaratórios
por unanimidade ― e é bem possível que isso venha a acontecer ― o juiz Sérgio Moro poderá determinar de
imediato a prisão do molusco. Só que o tal salvo-conduto impede a prisão do condenado até que o mérito do seu habeas corpus seja julgado. Como se trata de um HC preventivo, uma vez expedido o mandado de prisão esse instrumento deixará de ser o remédio
legal para garantir a liberdade do réu. E agora, José?
Durante o julgamento que não julgou, um ministro pró-Lula chegou a dizer que a imensa
quantidade de habeas corpus concedidos pelo tribunal sinaliza que os juízes das
instâncias inferiores erram muito (?!). Luiz Fux rebateu de pronto: “Isso não
seria muita arrogância? Todos erram o tempo todo e só o STF está certo sempre? Talvez seja o caso de concluir o contrário:
só o STF está errado! É a instância
preferida dos bandidos de colarinho branco, afinal, dos que têm ‘foro privilegiado’.
Por que será?”
Não vou discorrer (outra vez) sobre as "virtudes" de Dias Toffoli ― ex-advogado
do PT e ex-assessor do então ministro José Dirceu ― e Ricardo
Lewandowski ― que foi nomeado ministro por obra e graça da finada
ex-primeira-dama Marisa Letícia. Ou de Gilmar Mendes, classificado pelo jornalista J.R. Guzzo como
“fotografia ambulante do subdesenvolvimento brasileiro, mais um na multidão
de altas autoridades que constroem todos os dias o fracasso do país”. Mas não posso deixar de mencionar que o fato de indivíduos dessa catadura comporem nossa mais alta corte de
Justiça é, no mínimo, um escárnio! A
propósito, disse Rodrigo Constantino:
“Sujeitos pequenos, vaidosos, suspeitos,
disputando egos, lutando para legislar de forma indevida ou preservar a
impunidade dos corruptos, manchando a reputação do STF, seres liliputianos em cargos para gigantes!” (para ler a
íntegra da matéria, clique aqui).
Quem acompanhou a sessão da última quinta-feira ― e
boa parte do país parou para assistir ao julgamento ― ficou perplexo ao ver
quanto tempo os ministros levaram para decidir se deveriam ou não decidir. E
isso porque a decisão era “urgente”. Tão “urgente” que, como Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski tinham voos marcados e outros ministros estavam
cansados, a sessão simplesmente foi adiada para o próximo dia 4 (até lá o plenário não ser reunirá, porque há um feriado da
Justiça Federal convenientemente justaposto ao da Sexta-Feira Santa).
Observação: “Eu aqui estava tentando fazer um cálculo com o eminente ministro Marco Aurélio sobre o tempo que nós levaríamos para concluir este julgamento. Se cada um levasse vinte minutos para proferir o seu voto, nós com certeza, considerados os 11 votos, ultrapassaríamos meia-noite. Isso não é razoável. O rendimento da Corte cairia brutalmente, e nós a partir de um determinado horário não nos faríamos mais entender”. (Ricardo Lewandowski, durante a sessão que decidiu que a corte poderia decidir o pedido de habeas corpus de Lula, mas em seguida decidiu não decidir, achando pouco razoável trabalhar um dia até depois da meia-noite, mas completamente aceitável que time da toga aproveite a Páscoa para inventar de um feriadão de 13 dias).
Observação: “Eu aqui estava tentando fazer um cálculo com o eminente ministro Marco Aurélio sobre o tempo que nós levaríamos para concluir este julgamento. Se cada um levasse vinte minutos para proferir o seu voto, nós com certeza, considerados os 11 votos, ultrapassaríamos meia-noite. Isso não é razoável. O rendimento da Corte cairia brutalmente, e nós a partir de um determinado horário não nos faríamos mais entender”. (Ricardo Lewandowski, durante a sessão que decidiu que a corte poderia decidir o pedido de habeas corpus de Lula, mas em seguida decidiu não decidir, achando pouco razoável trabalhar um dia até depois da meia-noite, mas completamente aceitável que time da toga aproveite a Páscoa para inventar de um feriadão de 13 dias).
Resta
saber se o julgamento vai mesmo acontecer, já que o ministro-deus Gilmar Mendes participará de um evento
jurídico em Lisboa, como
revelado pela coluna de Lauro Jardim. Cármen Lúcia não parece disposta a adiar
novamente o julgamento, e José
Roberto Batochio, advogado de Lula, exige que todos os 11 ministros estejam presentes. Pois é, manda quem pode e obedece quem tem juízo.
Observação: Parece que Gilmar vai antecipar seu retorno de Portugal para participar da sessão do próximo dia 4 ― e isso porque, segundo ele próprio, “ninguém pode lhe imputar simpatia pelo PT”.
A grande incógnita é o voto da ministra Rosa Weber: mesmo tendo sido favorável à concessão da liminar a Lula e contrária à execução provisória
da pena, especula-se a possibilidade de ela negar o HC
por contrariar a jurisprudência da Corte firmada em três julgamentos e que tem
repercussão geral.
Pra concluir: Em março de 2016, Moro
perdeu a chance de prender Lula,
embora pudesse tê-lo feito à luz do artigo 312 do Código de Processo Penal.
Para evitar uma suposta “convulsão social”, o magistrado preferiu determinar a
condução coercitiva do molusco para depor na PF do Aeroporto de Congonhas. Talvez agora ele se arrependa disso.
Visite minhas comunidades na Rede
.Link: