Há exatos três anos, Dilma
Rousseff era recebida por Barack
Obama numa inócua visita a Washington. O presidente americano recepcionava
a titular de um governo inoperante, com a economia já ensaiando o profundo
mergulho recessivo. A Lava-Jato avançava no pescoço do modelo de negócios
criminoso adotado pela coalizão política liderada pelo PT. Dilma precisava de
um “efeito bumerangue” — mostrar sucesso lá fora para repercutir positivamente
aqui dentro.
Naquela ocasião, os chefes de Estado das duas maiores
democracias do Ocidente (ao menos pelo critério do número de eleitores)
concediam na Casa Branca uma entrevista coletiva à imprensa. Em dado momento, a
jornalista Sandra Coutinho,
correspondente da Globo nos EUA, levanta-se e pergunta a Dilma: “Senhora presidente, o Brasil se vê como um líder global,
mas os EUA enxergam o país apenas como líder regional. Como reconciliar essas
visões?”
Obama, diplomático, intercede: “Deixe-me responder parte da
pergunta. Não vemos o Brasil, como potência regional, mas global”. Harry Wotton, diplomata e parlamentar
inglês na virada do século 16 para o 17, definia um embaixador como “um
cavalheiro honesto enviado ao exterior para mentir pelo bem de seu país”. No episódio, o presidente dos EUA não precisou viajar para
mentir. Aliás, que boca tem Obama!
Lembram-se de 2009, quando, durante um encontro do G20, Obama chamara Lula de “My Man”, descrevendo-o como o político mais popular da Terra?
Seja pelo critério “global”, “regional” ou ainda pelo item “liderança”,
o Brasil está passando por um apagão no cenário internacional. É certo que
estilos e países entram e saem de moda. Por tal lógica, hoje o Brasil está “out”. Essa derrocada começa nos governos lulopetistas e não
conseguiu ser revertida por Michel Temer.
Ainda que tenha se afastado de bobagens bolivarianas e outros
terceiro-mundismos, baixo desempenho econômico e escândalos políticos por todos
os lados inibem qualquer iniciativa de relevo. Da mesma maneira que se observou
com as reformas estruturais, a reinserção do Brasil no mundo contemporâneo está
congelada até janeiro do ano que vem.
Na década de 90, a Tailândia
e México despontavam. Em 1997, a
brutal queda na cotação da moeda tailandesa iniciou da débâcle financeira do
Sudeste Asiático. A “crise tequila” de 1994, “maquiladoras” eclipsadas pela
eficiência chinesa e falta de reformas estruturais esvaziaram o “milagre
mexicano”. No caso brasileiro, o apagão internacional não se explica
apenas pelas expectativas do mercado financeiro, muitas vezes delineadas por um
imediatismo superficial. Essa perda de lustro vai além da esfera financeira e abrange
três níveis das relações internacionais: o político-militar, o
econômico-comercial e o normativo — o campo dos “valores”.
Na política internacional, mesmo que avançasse uma
atualização do Conselho de Segurança da
ONU, do qual o Brasil historicamente deseja ser membro permanente, qual
seria a contribuição prática do país à segurança internacional? Hoje, em seu
próprio território, 62 mil homicídios por ano superam o número de vítimas
fatais em conflitos de países como Iraque, Síria, Afeganistão e Sudão.
De 2003 a 2017, o campo econômico-comercial mostra um
crescimento medíocre, taxas de poupança e investimento abaixo de 20% do PIB, um
Mercosul esvaziado e ausência de acordos
comerciais com os eixos mais vibrantes da economia mundial.
Ruíram também os alicerces do que, durante o lulopetismo,
projetava-se como “soft power” do Brasil. Sem expansão econômica significativa,
não há como exportar o modelo do “Bolsa
Família” como exemplo de sucesso brasileiro para África e outras regiões em
desenvolvimento.
Na América Latina, a liderança brasileira estilhaçou-se
moralmente. Adotamos o traço de cinismo de países que gostamos de criticar — o
tal “padrão duplo” — nas crises presidenciais de Honduras e Paraguai e no apoio
automático — este sim, revertido nos últimos anos — aos regimes de Venezuela e
Cuba. O Brasil gastou enorme capital diplomático para elegermos diretores de
organizações como a FAO e a OMC, cujas funções, por definição, têm
de ser neutras em termos de interesses nacionais.
Portanto, esse eclipse não se origina apenas de pessimismo
macroeconômico. O Brasil precisa ter algumas boas notícias a dar — e assim
transformá-las em ativos para sua política externa. Nossa vizinha Argentina,
com os EUA desengajados da América Latina e o Brasil às voltas com os seus
próprios demônios, figura cada vez mais no radar chinês. Tanto que Pequim
rapidamente tornou-se o segundo maior parceiro comercial de Buenos Aires.
Nós nos acostumamos a um epicentro brasileiro como algo “natural”
e “automático”. Afinal de contas, somos, na região, o ator com maior população,
território e economia. Não surpreende, portanto, que nós e nosso vizinhos
tenhamos até agora trabalhado com um “template” em que o Brasil é o grande
formulador e arquiteto de iniciativas regionais e, assim, a força-motriz do
subcontinente.
Em resumo, ainda pensamos como nos idos de 1971, quando Richard Nixon disse: “Para onde o
Brasil se inclinar, para lá também se inclinará toda a América Latina”.
Crescendo a prosperidade brasileira, isso se refletiria na região inteira. Se,
ao contrário, o Brasil estancasse em dificuldades, todos sentiriam amargos
efeitos multiplicadores. Ou seja, o que fosse bom para nós seria bom para a
região.
Já não é mais assim. Foi-se o tempo do Brasil como líder “natural”.
O país precisará daqui em diante reconquistar protagonismo. Quando o assunto é
inserção internacional, Colômbia, Peru e Chile optam por privilegiar o
Pacífico. E outro caso de destaque é o Paraguai, que se movimenta na direção
oposta à do Brasil. Em contraste com a profunda recessão brasileira, o Paraguai
cresceu desde 2011 à média anual de 4,5%, com desemprego de apenas 5% e
inflação baixa.
Essa inflexão paraguaia é ilustrativa. Sabedor de que a
legislação trabalhista no Brasil é uma areia movediça para empregados e
empregadores, o Paraguai a modernizou. Em contraponto a tributos complexos e
pesados no Brasil, o Paraguai os reduz e simplifica. Já que o Brasil pune os
que produzem, o Paraguai os acolhe. Daí não ser estranho que, ao contrário da
tendência verificada no Brasil, o Paraguai se industrializa.
O fato é que América do Sul não é mais
"brasildependente". E, em termos globais, pouco oscilamos desde 2003
em nossa fatia de 2,5% do PIB mundial e dos cerca de 1% de todos o comércio
internacional.
Desprovido de boa estratégia internacional e de excedentes
de poder e riqueza, o século 21 tem sido para o Brasil um rosário de
oportunidades perdidas. O país pouco faz para modernizar-se internamente ou
adaptar-se competitivamente à globalização. Em lugar de tratados que
viabilizassem maior presença de empresas brasileiras nas redes globais de
produção, temos privilegiado um multilateralismo idealista no discurso e uma
prática comercial protecionista. Preferimos, nos anos Lula-Dilma, abrir representações diplomáticas no Caribe e na
África, mas não construímos fortes instituições de promoção comercial.
O que distancia o Brasil de um maior papel no mundo de hoje
não é a falta de potencialidade, que permanece intocada, mas os erros de
leitura do cenário internacional ou a inércia de sua economia e política. E —
com a maiúscula exceção da Lava-Jato — seus poucos bons exemplos a irradiar no
cenário internacional.
Nada disso precisa ser eterno. Governos funcionais podem
restabelecer a conexão do Brasil com o mundo. Quando - e se - isso acontecer, o
país perceberá que a globalização não permaneceu sentada esperando por ele. O
começo do fim do apagão internacional é colocar a casa político-econômica em
ordem. Para o Brasil, ou qualquer outra nação, o principal instrumento de uma
boa política externa é uma melhor política interna.
Artigo do economista, diplomata e cientista social Marcos Troyjo, diretor do BRICLab da
Columbia University, publicado originalmente na revista digital CRUSOÉ.
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