domingo, 8 de julho de 2018

O APAGÃO DO BRASIL NO CENÁRIO INTERNACIONAL


Há exatos três anos, Dilma Rousseff era recebida por Barack Obama numa inócua visita a Washington. O presidente americano recepcionava a titular de um governo inoperante, com a economia já ensaiando o profundo mergulho recessivo. A Lava-Jato avançava no pescoço do modelo de negócios criminoso adotado pela coalizão política liderada pelo PT. Dilma precisava de um “efeito bumerangue” — mostrar sucesso lá fora para repercutir positivamente aqui dentro.

Naquela ocasião, os chefes de Estado das duas maiores democracias do Ocidente (ao menos pelo critério do número de eleitores) concediam na Casa Branca uma entrevista coletiva à imprensa. Em dado momento, a jornalista Sandra Coutinho, correspondente da Globo nos EUA, levanta-se e pergunta a Dilma: “Senhora presidente, o Brasil se vê como um líder global, mas os EUA enxergam o país apenas como líder regional. Como reconciliar essas visões?”

Obama, diplomático, intercede: “Deixe-me responder parte da pergunta. Não vemos o Brasil, como potência regional, mas global”. Harry Wotton, diplomata e parlamentar inglês na virada do século 16 para o 17, definia um embaixador como “um cavalheiro honesto enviado ao exterior para mentir pelo bem de seu país”. No episódio, o presidente dos EUA não precisou viajar para mentir. Aliás, que boca tem Obama! Lembram-se de 2009, quando, durante um encontro do G20, Obama chamara Lula de “My Man”, descrevendo-o como o político mais popular da Terra?

Seja pelo critério “global”, “regional” ou ainda pelo item “liderança”, o Brasil está passando por um apagão no cenário internacional. É certo que estilos e países entram e saem de moda. Por tal lógica, hoje o Brasil está “out”. Essa derrocada começa nos governos lulopetistas e não conseguiu ser revertida por Michel Temer. Ainda que tenha se afastado de bobagens bolivarianas e outros terceiro-mundismos, baixo desempenho econômico e escândalos políticos por todos os lados inibem qualquer iniciativa de relevo. Da mesma maneira que se observou com as reformas estruturais, a reinserção do Brasil no mundo contemporâneo está congelada até janeiro do ano que vem.

Na década de 90, a Tailândia e México despontavam. Em 1997, a brutal queda na cotação da moeda tailandesa iniciou da débâcle financeira do Sudeste Asiático. A “crise tequila” de 1994, “maquiladoras” eclipsadas pela eficiência chinesa e falta de reformas estruturais esvaziaram o “milagre mexicano”. No caso brasileiro, o apagão internacional não se explica apenas pelas expectativas do mercado financeiro, muitas vezes delineadas por um imediatismo superficial. Essa perda de lustro vai além da esfera financeira e abrange três níveis das relações internacionais: o político-militar, o econômico-comercial e o normativo — o campo dos “valores”.

Na política internacional, mesmo que avançasse uma atualização do Conselho de Segurança da ONU, do qual o Brasil historicamente deseja ser membro permanente, qual seria a contribuição prática do país à segurança internacional? Hoje, em seu próprio território, 62 mil homicídios por ano superam o número de vítimas fatais em conflitos de países como Iraque, Síria, Afeganistão e Sudão.
De 2003 a 2017, o campo econômico-comercial mostra um crescimento medíocre, taxas de poupança e investimento abaixo de 20% do PIB, um Mercosul esvaziado e ausência de acordos comerciais com os eixos mais vibrantes da economia mundial.

Ruíram também os alicerces do que, durante o lulopetismo, projetava-se como “soft power” do Brasil. Sem expansão econômica significativa, não há como exportar o modelo do “Bolsa Família” como exemplo de sucesso brasileiro para África e outras regiões em desenvolvimento.
Na América Latina, a liderança brasileira estilhaçou-se moralmente. Adotamos o traço de cinismo de países que gostamos de criticar — o tal “padrão duplo” — nas crises presidenciais de Honduras e Paraguai e no apoio automático — este sim, revertido nos últimos anos — aos regimes de Venezuela e Cuba. O Brasil gastou enorme capital diplomático para elegermos diretores de organizações como a FAO e a OMC, cujas funções, por definição, têm de ser neutras em termos de interesses nacionais.

Portanto, esse eclipse não se origina apenas de pessimismo macroeconômico. O Brasil precisa ter algumas boas notícias a dar — e assim transformá-las em ativos para sua política externa. Nossa vizinha Argentina, com os EUA desengajados da América Latina e o Brasil às voltas com os seus próprios demônios, figura cada vez mais no radar chinês. Tanto que Pequim rapidamente tornou-se o segundo maior parceiro comercial de Buenos Aires.

Nós nos acostumamos a um epicentro brasileiro como algo “natural” e “automático”. Afinal de contas, somos, na região, o ator com maior população, território e economia. Não surpreende, portanto, que nós e nosso vizinhos tenhamos até agora trabalhado com um “template” em que o Brasil é o grande formulador e arquiteto de iniciativas regionais e, assim, a força-motriz do subcontinente.

Em resumo, ainda pensamos como nos idos de 1971, quando Richard Nixon disse: “Para onde o Brasil se inclinar, para lá também se inclinará toda a América Latina”. Crescendo a prosperidade brasileira, isso se refletiria na região inteira. Se, ao contrário, o Brasil estancasse em dificuldades, todos sentiriam amargos efeitos multiplicadores. Ou seja, o que fosse bom para nós seria bom para a região.

Já não é mais assim. Foi-se o tempo do Brasil como líder “natural”. O país precisará daqui em diante reconquistar protagonismo. Quando o assunto é inserção internacional, Colômbia, Peru e Chile optam por privilegiar o Pacífico. E outro caso de destaque é o Paraguai, que se movimenta na direção oposta à do Brasil. Em contraste com a profunda recessão brasileira, o Paraguai cresceu desde 2011 à média anual de 4,5%, com desemprego de apenas 5% e inflação baixa.

Essa inflexão paraguaia é ilustrativa. Sabedor de que a legislação trabalhista no Brasil é uma areia movediça para empregados e empregadores, o Paraguai a modernizou. Em contraponto a tributos complexos e pesados no Brasil, o Paraguai os reduz e simplifica. Já que o Brasil pune os que produzem, o Paraguai os acolhe. Daí não ser estranho que, ao contrário da tendência verificada no Brasil, o Paraguai se industrializa.

O fato é que América do Sul não é mais "brasildependente". E, em termos globais, pouco oscilamos desde 2003 em nossa fatia de 2,5% do PIB mundial e dos cerca de 1% de todos o comércio internacional.

Desprovido de boa estratégia internacional e de excedentes de poder e riqueza, o século 21 tem sido para o Brasil um rosário de oportunidades perdidas. O país pouco faz para modernizar-se internamente ou adaptar-se competitivamente à globalização. Em lugar de tratados que viabilizassem maior presença de empresas brasileiras nas redes globais de produção, temos privilegiado um multilateralismo idealista no discurso e uma prática comercial protecionista. Preferimos, nos anos Lula-Dilma, abrir representações diplomáticas no Caribe e na África, mas não construímos fortes instituições de promoção comercial.

O que distancia o Brasil de um maior papel no mundo de hoje não é a falta de potencialidade, que permanece intocada, mas os erros de leitura do cenário internacional ou a inércia de sua economia e política. E — com a maiúscula exceção da Lava-Jato — seus poucos bons exemplos a irradiar no cenário internacional.

Nada disso precisa ser eterno. Governos funcionais podem restabelecer a conexão do Brasil com o mundo. Quando - e se - isso acontecer, o país perceberá que a globalização não permaneceu sentada esperando por ele. O começo do fim do apagão internacional é colocar a casa político-econômica em ordem. Para o Brasil, ou qualquer outra nação, o principal instrumento de uma boa política externa é uma melhor política interna.

Artigo do economista, diplomata e cientista social Marcos Troyjo, diretor do BRICLab da Columbia University, publicado originalmente na revista digital CRUSOÉ.

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