sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

DE VOLTA ÀS TEMPESTADES DE VERÃO



Sai ano, entra ano, a catástrofe anunciada se repete: tempestades de verão castigam impiedosamente diversas regiões do país, produzindo cenas surreais: pessoas atravessando “a nado” ruas e avenidas, carros submersos, boiando ou sendo arrastados pela correnteza, gente tragada pela força das águas, e por aí segue a lamentável procissão.

Passada a borrasca, vêm as cenas do rescaldo: após a volta dos córregos e rios aos respectivos leitos, a água escoa e os alagamentos tornam-se transponíveis, mas árvores derrubadas pela força do temporal, veículos parcial ou totalmente destruídos, imóveis invadidos pelas águas e depoimentos de gente que não tinha nada, reclamando de ter perdido tudo (parece um contrassenso, mas não é), alimentam o apetite pantagruélico da imprensa, que parece se comprazer em divulgar desgraceiras que tais.

As autoridades (ir)responsáveis culpam São Pedro, a população incivilizada — que joga na rua, nos córregos, nas linhas férreas e onde mais lhe der na telha todo tipo de lixo, de latinhas de refrigerante a colchões, sofás e refrigeradores — e o governo federal: em São Paulo, gastaram-se míseros 38% da verba destinada a obras de monitoramento e prevenção e irrisórios 35% do montante previsto para drenagem porque, segundo a prefeitura, o governo central não devolveu sua quota-parte dos trilhões de reais e impostos arrecadados no exercício anterior.

Observação: Um levantamento feito em 2010 deu conta de que o Estado de São Paulo repassou, no exercício anterior, mais de R$200 bilhões em impostos federais ao governo central, mas recebeu de volta cerca de 10% desse montante, enquanto estados-parasitas repassaram R$ 200 milhões e receberam mais de R$ 2,5 bilhões (como foi o caso do Acre). Se isso lhe parece justo, eu o congratulo, caríssimo leitor.

Deixando de lado essas lamentáveis questões, prevenir acidentes é dever de todos, e é sempre melhor acender a vela do que amaldiçoar a escuridão. Portanto, vale relembrar que as “tempestades de verão” — assim chamadas por serem frequentes na estação mais quente do ano — costumam vir precedidas ou acompanhadas de raios e rajadas de vento, propiciando a ocorrência de distúrbios na rede elétrica, seja por ação direta dos raios, seja porque o vendaval derruba árvores sobre o cabeamento.

Dentre as poucas coisas em que o Brasil se destaca mundialmente, além da corrupção e das queimadas na Amazônia, naturalmente, está a quantidade de raios — fenômeno atmosférico não é produzido pela “colisão” entre nuvens, como muita gente acredita, mas pela perda da capacidade do ar de isolar as cargas elétricas opostas que se acumulam no interior dos cúmulos nimbos — nuvens formadas por gotículas de água, granizo e partículas de gelo, que alcançam facilmente 20 km de altura e outros tantos de extensão. As descargas podem ocorrer tanto dentro das nuvens quanto de uma para outra ou delas para o ar, sendo as descendentes (da nuvem para o solo) as mais comuns, embora menores que as que passam de uma nuvem para outra (essas podem chegar a dezenas de quilômetros de extensão).

O raio é formado por várias descargas elétricas com voltagens que vão de 100.000V a 1.000.000.000V, amperagens entre 20.000A e 200.000A e temperaturas até cinco vezes maiores que a da superfície do Sol. Já o trovão é causado pelo aquecimento do ar pela corrente elétrica produzida pelo raio, e seu ribombar pode alcançar 120 decibéis. A quantidade de energia descarregada por uma tempestade pode superar a de uma bomba atômica — a diferença é que esta última libera tudo numa fração de segundo, ao passo que o fenômeno atmosférico o faz durante um período que pode ir de vários minutos a algumas horas.

Quando atingem a rede elétrica, os raios causam aumentos de tensão capazes de torrar (literalmente) a instalação dos imóveis e danificar eletrodomésticos e eletroeletrônicos em um raio (sem trocadilho) de muitos quarteirões. Daí a importância do aterramento e do uso da tomada de três pontos — estas se tornaram obrigatórias no Brasil em 2011, mas, curiosamente, o órgão responsável escolheu um formato inusitado, incompatível com os modelos usados no resto do mundo. Um aterramento como manda o figurino é feito durante a construção do imóvel, mediante a introdução de um conjunto de hastes metálicas no solo, que são ligadas ao polo terra das tomadas (aquele que recebe o terceiro pino). A instalação elétrica de imóveis antigos nem sempre é aterrada, levando alguns “eletricistas” a recorrer a ligar o polo terra da tomada de três pontos a um cano metálico da rede hidráulica ou ao próprio neutro da rede elétrica, que é aterrado na estação geradora de energia. Por óbvio, essa “solução” não passa de “gambiarra” e, portanto, deve ser evitada.

Disjuntores e fusíveis desarmam ou se fundem em decorrência de sobretensões na rede, protegendo a fiação do imóvel e os aparelhos elétricos e eletroeletrônicos a ela conectados. Mas é bom ter em mente que computadores, modens, roteadores de Internet, decodificadores de TV por assinatura, telefones sem fio e que tais são mais "sensíveis" do que lavadoras, refrigeradores e eletrodomésticos afins. Via de regra, quanto mais circuitos eletrônicos o aparelho tiver, maior será o risco de ele ser danificado — portanto, ao primeiro sinal de temporal, desconecte tudo da tomada ou deligue a chave-geral da caixa de força.

No caso de falta de energia, só religue os aparelhos depois que o fornecimento for restabelecido e estabilizado. Apagões intermitentes (aqueles em que a luz acaba, volta e torna a acabar sucessivas vezes) potencializam os riscos de danos, pois no instante em que a força retorna ocorrem as famigeradas quedas de fase (situação em que as lâmpadas acendem, mas ficam fraquinhas) e sobretensões — estas são mais frequentes e duram alguns milésimos de segundo, mas chegam facilmente a 500V.

Continua na próxima segunda-feira.