Sai ano, entra ano, a catástrofe anunciada se repete: tempestades
de verão castigam impiedosamente diversas regiões do país, produzindo cenas surreais:
pessoas atravessando “a nado” ruas e avenidas, carros submersos, boiando ou
sendo arrastados pela correnteza, gente tragada pela força das águas, e por aí
segue a lamentável procissão.
Passada a borrasca, vêm as cenas do rescaldo: após a volta
dos córregos e rios aos respectivos leitos, a água escoa e os alagamentos tornam-se transponíveis, mas árvores derrubadas pela força do temporal, veículos parcial ou totalmente destruídos, imóveis
invadidos pelas águas e depoimentos de gente que não tinha nada, reclamando de ter
perdido tudo (parece um contrassenso, mas não é), alimentam o apetite pantagruélico
da imprensa, que parece se comprazer em divulgar desgraceiras que tais.
As autoridades (ir)responsáveis culpam São Pedro, a população incivilizada — que
joga na rua, nos córregos, nas linhas férreas e onde mais lhe der na telha todo tipo de
lixo, de latinhas de refrigerante a colchões, sofás e refrigeradores — e o governo federal: em São Paulo, gastaram-se míseros 38% da verba destinada a obras de monitoramento e prevenção e irrisórios
35% do montante previsto para drenagem porque, segundo a prefeitura, o governo central não devolveu sua quota-parte dos trilhões de reais e impostos arrecadados no exercício anterior.
Observação: Um levantamento
feito em 2010 deu conta de que o Estado de São Paulo repassou, no
exercício anterior, mais de R$200 bilhões em impostos federais ao governo
central, mas recebeu de volta cerca de 10% desse montante, enquanto estados-parasitas
repassaram R$ 200 milhões e receberam mais de R$ 2,5 bilhões (como foi o caso
do Acre). Se isso lhe parece justo, eu o congratulo, caríssimo leitor.
Deixando de lado essas
lamentáveis questões, prevenir acidentes é dever de todos, e é sempre melhor
acender a vela do que amaldiçoar a escuridão. Portanto, vale relembrar que as “tempestades
de verão” — assim chamadas por serem frequentes na estação mais quente do ano —
costumam vir precedidas ou acompanhadas de raios e rajadas de vento, propiciando a ocorrência de distúrbios na
rede elétrica, seja por ação direta dos raios, seja porque o vendaval derruba
árvores sobre o cabeamento.
Dentre as poucas
coisas em que o Brasil se destaca mundialmente, além da corrupção e das
queimadas na Amazônia, naturalmente, está a quantidade de raios — fenômeno
atmosférico não é produzido pela “colisão” entre nuvens, como muita gente
acredita, mas pela perda da capacidade do ar de isolar as cargas elétricas
opostas que se acumulam no interior dos cúmulos
nimbos — nuvens formadas por gotículas de água, granizo e partículas de
gelo, que alcançam facilmente 20 km de altura e outros tantos de extensão. As
descargas podem ocorrer tanto dentro das nuvens quanto de uma para outra ou
delas para o ar, sendo as descendentes (da nuvem para o solo) as mais comuns,
embora menores que as que passam de uma nuvem para outra (essas podem chegar a
dezenas de quilômetros de extensão).
O raio é formado por várias descargas
elétricas com voltagens que vão de 100.000V a 1.000.000.000V, amperagens
entre 20.000A e 200.000A e temperaturas até cinco vezes maiores
que a da superfície do Sol. Já o trovão
é causado pelo aquecimento do ar pela corrente elétrica produzida pelo raio, e
seu ribombar pode alcançar 120
decibéis. A quantidade de energia descarregada por uma tempestade
pode superar a de uma bomba atômica —
a diferença é que esta última libera tudo numa fração de segundo, ao passo que o
fenômeno atmosférico o faz durante um período que pode ir de vários minutos a algumas
horas.
Quando atingem a
rede elétrica, os raios causam aumentos de tensão capazes de torrar
(literalmente) a instalação dos imóveis e danificar
eletrodomésticos e eletroeletrônicos em um raio (sem trocadilho) de muitos quarteirões.
Daí a importância do aterramento e
do uso da tomada de três pontos —
estas se tornaram obrigatórias no Brasil em 2011, mas, curiosamente, o órgão
responsável escolheu um formato inusitado, incompatível com os modelos usados
no resto do mundo. Um aterramento como manda o figurino é feito durante a
construção do imóvel, mediante a introdução de um conjunto de hastes metálicas no
solo, que são ligadas ao polo terra das
tomadas (aquele que recebe o terceiro pino). A instalação elétrica de imóveis
antigos nem sempre é aterrada, levando alguns “eletricistas” a recorrer a ligar
o polo terra da tomada de três
pontos a um cano metálico da rede hidráulica ou ao próprio neutro da rede
elétrica, que é aterrado na estação geradora de energia. Por óbvio, essa “solução”
não passa de “gambiarra” e, portanto, deve ser evitada.
Disjuntores e fusíveis desarmam
ou se fundem em decorrência de sobretensões na rede, protegendo a fiação do
imóvel e os aparelhos elétricos e eletroeletrônicos a ela conectados. Mas é bom
ter em mente que computadores, modens, roteadores de Internet,
decodificadores de TV por assinatura,
telefones sem fio e que tais são mais "sensíveis" do que
lavadoras, refrigeradores e eletrodomésticos afins. Via de regra, quanto mais
circuitos eletrônicos o aparelho tiver, maior será o risco de ele ser
danificado — portanto, ao primeiro sinal de temporal, desconecte tudo da tomada
ou deligue a chave-geral da caixa de força.
No caso de falta
de energia, só religue os aparelhos depois que o fornecimento for restabelecido e estabilizado. Apagões
intermitentes (aqueles em que a luz acaba, volta e torna a acabar sucessivas
vezes) potencializam os riscos de danos, pois no instante em que a força
retorna ocorrem as famigeradas quedas de
fase (situação em que as lâmpadas acendem, mas ficam fraquinhas) e sobretensões — estas são mais
frequentes e duram alguns milésimos de segundo, mas chegam facilmente a 500V.
Continua na próxima segunda-feira.