sexta-feira, 17 de abril de 2020

A DEMISSÃO DE MANDETTA, A RENÚNCIA DE JÂNIO, SUAS CONSEQUÊNCIAS E OUTRAS CURIOSIDADES — PARTE 3



FIRST THINGS FIRST: 

MANDETTA CAIU, MAS QUEM VAI SE MACHUCAR É A POPULARIDADE DE BOLSONARO (E O POVO, A DEPENDER DE COMO ATUARÁ O NOVO MINISTRO NO GERENCIAMENTO DA PANDEMIA).

Num cenário ideal, Mandetta teria demitido Bolsonaro, mas não vivemos num país sério e aconteceu o que já era esperado. As consequências de mais essa estupidez bolsonariana são tão inevitáveis quanto imprevisíveis, a depender do que fará o oncologista Nelson Teich à frente do Ministério da Saúde.

Teich atuou como consultor para a área da saúde na campanha de Bolsonaro em 2018, quando chegou a ser cotado para assumir o Ministério da Saúde, mas acabou perdendo a vaga para Mandetta. Em 3 de abril, publicou artigo no qual faz considerações sobre as ações de enfrentamento à pandemia da Covid-19. Ele defende a criação de uma estratégia que “permita estruturar e coordenar a retomada das atividades normais do dia a dia e da economia” e reclama de “polarização” entre a saúde e a economia. Mas criticou abertamente o isolamento vertical, estratégia defendida por Bolsonaro, e disse que o chamado isolamento horizontal é a “melhor estratégia“.

Bolsonaro vive no mundo da Lua e 30 meses à frente do nosso tempo, de olho numa cada vez menos provável reeleição — algo que, durante a campanha, além de negar que disputaria, ele prometeu extinguir. 

Dilma, a inesquecível, disse que faria o diabo para se reeleger, e em vez de governar o país, se empenhou de corpo e alma em realizar o sonho que mais adiante se tornaria um pesadelo. Foi afastada da presidência 2 anos, 4 meses e 12 dias após iniciar sua segunda (e ainda mais desditosa) gestão, e devida e definitivamente penabundada menos de 3 meses depois. 

Collor — outro populista corrupto que ludibriou os brasileiros em 1989 e foi deposto no apagar das luzes de 1992 — disse em entrevista ao jornal O Globo que Bolsonaro tem cometido os mesmos erros primários que ele próprio cometeu e que lhe custaram o cargo — frise-se que essa entrevista aconteceu no final do ano passado, quando ninguém sequer sonhava que o mundo viraria de ponta cabeça devido a uma pandemia viral.

Nesse cenário surreal, a demissão de Mandetta se tornou ponto de honra para o capitão caverna das trevas. Palavra de rei não volta atrás, diz um velho ditado. Só que a monarquia acabou há 130 anos. 

Reconhecer os próprios erros é uma virtude, mas estamos falando de Jair Messias Bolsonaro, que elegemos presidente para evitar a volta do PT, e hoje temos no Planalto um militar que deixou a caserna pela porta dos fundos para se tornar um vereador medíocre (sem mencionar seus improdutivos 27 anos como deputado do baixo clero, durante os quais ele aprovou míseros dois projetos).

A relação entre Bolsonaro e Mandetta vinha desgastada há tempos, mas a turma do “deixa-disso” segurou a marimba até a entrevista veiculada no último domingo, que foi classificada pelo general Mourão como "insubordinação", a despeito de o médico nada ter dito além do que havia repetido inúmeras vezes, e de as frequentes trocas de farpas de parte a parte serem públicas e notórias.

A quem Mandetta provocava ao seguir o protocolo mundial? A ninguém, a não ser ao verdadeiro provocador — e se há um agente provocador na crise sanitária, não é o ministro da Saúde, e sim Bolsonaro, que foi classificado pelo jornal americano The Washington Post como “de longe, o caso mais grave de improbidade” entre todos os líderes mundiais, devido a suas insistentes afrontas às recomendações de autoridades médicas e governamentais do mundo todo.

Pelo Twitter, Mandetta confirmou sua demissão, agradeceu a oportunidade de comandar a pasta e planejar o enfrentamento à pandemia do novo coronavírus e desejou boa sorte ao sucessor (ele já foi convidado para ser secretário de Saúde do governador de Goiás, Ronaldo Caiado, com quem passou o fim de semana da Páscoa e de quem é colega de partido e aliado desde o tempo em que ambos eram deputados federais). Sua demissão deve causar frisson nos bolsomínions, mas pode exacerbar riscos para o governo em meio à escalada do vírus no Brasil — em maior ou menor grau, a depender da postura de Teich à frente do ministério da Saúde e de seu relacionamento com Bolsonaro. Por falar nisso, Regina Duarte continua no cargo?

A troca de comando no ministério da Saúde, num momento delicado como o atual, quando são contabilizados mais de 30 mil casos e 2 mil vítimas fatais da Covid-19, pode implicar uma piora na interlocução entre governadores e responsáveis pela prestação de serviços de saúde com o governo federal, além de uma maior confusão na comunicação à população sobre medidas restritivas de enfrentamento à pandemia. Uma consequência disso seria a redução no cumprimento das recomendações e mais pessoas nas ruas — o que aumenta o risco de contágio e a velocidade da evolução da doença.

Vale lembrar que o STF decidiu na última quarta-feira que governadores e prefeitos têm poderes para baixar medidas restritivas no combate ao coronavírus em seus territórios. O Executivo pode coordenar as diretrizes de isolamento a serem seguidas em todo o país, mas não tem poder para retirar a autonomia dos estados e municípios na gestão local.

Dito isso, passemos ao capítulo de hoje da novela sobre a renúncia de Jânio:

Quando Sarney assumiu a presidência, a inflação passava dos 200% ao ano. Cinco anos e quatro planos econômicos depois, quando o eterno donatário da capitania do Maranhão transferiu a faixa ao caçador de marajás de araque, o poder de compra do brasileiro era corroído à razão de 80% ao mês, e a inflação acumulada nos 12 meses anteriores havia chegado a quase a 1.800%. Como deve estar lembrado o leitor que já passou dos 40, naquele tempo se recebia o salário e corria para o supermercado, porque os preços eram remarcados duas ou três vezes por dia

Ministros da Fazenda — como foram chamados por mais de dois séculos os chefes da pasta que Bolsonaro rebatizou de Ministério da Economia — eram descartáveis, e cada um que chegava tirava da cartola um novo “plano” para frear o aumento desordenado dos preços. Só no governo Sarney tivemos o Cruzado, o Cruzado II, o Bresser e o Verão, mas nenhum deles produziu efeitos duradouros. Em meio a esse descalabro inflacionário, votamos para presidente pela primeira vez em 29 anos.

O pleito de 1989 foi uma eleição "solteira", ou seja, exclusiva para escolher presidente da República. Hoje, as eleições ocorrem de dois em dois anos. Numa, são escolhidos o presidente, senadores, deputados federais, governadores e deputados estaduais; na outra, prefeitos e vereadores (note que os mandatos eletivos são todos quadrienais, com exceção dos senadores, que ficam 8 anos no cargo, mas metade do quadro é renovada a cada quatro anos).

Em 1989, nada menos que 22 candidatos disputaram o Palácio do Planalto, dentre os quais Lívia Maria Ledo Pio de Abreu, a primeira mulher a disputar a presidência do Brasil. Depois dela, viriam Thereza Ruiz (em 1998), Ana Maria Rangel e Heloísa Helena (em 2006), Dilma Rousseff (em 2010 e 2014), Marina Silva (em 2010, 2014, e 2018), Luciana Genro (em 2014) e Vera Lúcia (2018), mas a única que logrou êxito foi a nota de 3 reais cunhada por Lula — que sem saber atirar virou modelo de guerrilheira; sem ter sido vereadora virou secretária municipal; sem passar pela Assembleia Legislativa virou secretária de Estado sem estagiar no Congresso virou ministra; sem ter inaugurado nada de relevante fez posse de administradora pública; sem saber juntar sujeito e predicado virou estrela de palanque e sem ter tido um único voto na vida, virou candidata à Presidência, foi eleita em 2010 e reeleita em 2014 e só não destruiu totalmente a economia tupiniquim porque foi providencialmente apeada do cargo em 2016. 

Observação: Vale a pena reler o pronunciamento de Aladilma que, com sua Lâmpada Maravilhosa e fiel à promessa de “fazer o diabo” para se reeleger, prometeu, em 2013, iluminar o país a preço de banana até o fim dos tempos.

Já naquela época as eleições majoritárias eram realizadas em dois turnos. Em 15 de novembro de 1989 (feriado comemorativa da Proclamação da República), o primeiro turno pôs fim às aspirações presidenciais de 20 postulantes, entre os quais Leonel Brizola, Paulo Maluf, Mario Covas, Ronaldo Caiado, Aureliano Chaves, Roberto Freire, Enéas Carneiro e Ulisses GuimarãesSílvio Santos não conseguiu participar do pleito, embora fosse o favorito até ser cassado pelo TSE. Filiado ao PFL (atual DEM), mas preterido por Aureliano Chaves (que fora vice de Figueiredo), o homem do Baú filiou-se ao nanico PMB e ocupou o lugar de Armando Correia como cabeça da chapa. O TSE recebeu 18 pedidos de impugnação e, seis dias antes do primeiro turno, cassou o registro da sigla, que era provisório, e considerou o animador inelegível por ser dirigente de empresa concessionária de serviço público.

No segundo turno, em 17 de dezembro, o caçador de marajás de araque, Fernando Collor de Mello, derrotou o desempregado que deu certo, líder vitalício do partido dos trabalhadores que não trabalham, dos estudantes que não estudam e dos intelectuais que não raciocinam, Luiz Inácio Lula da Silva.

Observação: Note que diferença entre os dois caiu de 13%, no primeiro turno (quando Collor cravou 30,47% e Lula, 17,18%), para 6% no segundo (53% e 47% dos votos respectivamente).

Da mesmíssima forma como se deram as eleições de 2018, o embate final de 1989 foi travado entre dois farsantes, fato que, de per si, deixava o eleitorado sem saída. Mas ambos os populistas e demagogos se esmeraram, cada qual a seu modo, em engabelar a plebe ignara (pensar nunca foi o "esporte nacional tupiniquim").

Enquanto a fraude carioca de nascimento e alagoana de formação atacava o gigantismo do Estado e os “marajás”, e defendia um reformismo liberal que integrasse o Brasil ao “Primeiro Mundo”, o demiurgo pernambucano adotava a retórica econômica do desenvolvimentismo-distributivo conduzido pelo Estado. O primeiro foi impichado em dezembro de 1992 e o segundo se tornou réu em pelo menos 10 ações criminais (e já foi condenado em duas, numa das quais em três instâncias do Judiciário), foi preso em abril de 2018, mas posto em liberdade provisória 580 dias depois, graças à falta de vergonha na cara de meia dúzia de ministros supremos que não honram as togas que lhes recobrem os ombros (talvez fosse melhor usarem máscaras, mas isso já é outra conversa).

E já que estamos falando em imprestáveis, por mais triste que seja reconhecer o fato (e o fato de ser triste não torna o fato menos factual), jamais tivemos um único estadista no comando desta banânia. Em tempos imemoriais, Rui Barbosa, o Águia de Haia, notabilizou-se como ministro da Fazenda, mas jamais presidiu o Brasil, a exemplo do Barão do Rio Branco, que foi imbatível no campo diplomático. Há quem considere estadistas os ex-presidentes Prudente de Moraes e Campos Salles — e até o ditador Getúlio Vargas —, mas analisar cada caso em nível de detalhes tornaria esta sequência interminável (e insuportável).

Continuamos a partir deste ponto na próxima postagem.