sábado, 18 de abril de 2020

BOLSONARO TROCOU SEIS POR MEIA DÚZIA?



Considerando a relevância e a repercussão do assunto em tela, resolvi postergar a continuação das postagens sobre a Renúncia de Jânio, que será retomada na próxima segunda-feira. Dito isso, sigamos adiante:

Vindo de quem valoriza a própria imagem a ponto de não admitir que um subalterno o sobrepuje em popularidade, causaria estranheza a demissão do ministro da Saúde justamente quando infectologistas, cientistas, especialistas e outros "istas" preveem que a disseminação do vírus deve aumentar nas próximas semanas e começar a decrescer lá pelo final de maio, para quem vê o copo meio cheio, ou entre meados de junho e o início de julho, para os que o veem meio vazio.

Mas nada surpreende quando vem de quem se orgulha de ter uma poderosa caneta Bic (vendida a 2 reais em qualquer papelaria, mas temporariamente fora do alcance do consumidor devido ao isolamento social). Se você acha impossível bater o recorde de sandices, Jair Messias Bolsonaro e alguns membros do seu ministério são a prova cabal de que existe um estoque inesgotável dessa mercadoria. E como acontece com o vinho, o passar do tempo tem produzido sensíveis melhorias no presidente. Veja que desta feita ele conseguiu, com uma única penada, desagradar quase 70% população, os presidentes da Câmara e do Senado, a maioria dos parlamentares e todos os 11 ministros do STF.

Segundo Josias de Souza, a boa notícia é que Bolsonaro não teve colhões para demitir do Ministério da Saúde a Ciência, entregando o comando da pasta um de seus amigos aloprados. Por outro lado, trocar Mandetta por Teich foi o mesmo que substituir seis por meia dúzia.

Na cerimônia de posse, o novo ministro assegurou “total alinhamento” com o presidente, mas seu discurso soou bastante parecido com o do antecessor. Faltou ao oncologista definir o que entende por “alinhamento” e a Bolsonaro, o que realmente deseja no gerenciamento da crise.

Cães velhos, dizem, não aprendem truques novos. A suposta harmonia entre chefe e novo subordinado pode não durar. Não resistiu à primeira live. Levado ao ar numa transmissão ao vivo nas redes sociais do presidente, o recém-empossado foi constrangido a falar sobre a cloroquina. Bolsonaro reiterou que, com receita médica, a droga pode ser usada contra a doença, e perguntou: "É isso mesmo?".

E o doutor: "...O que acaba acontecendo é que você tem algumas indicações de que funciona e outras colocam alguns questionamentos sobre eficácia e toxicidade." Em outras palavras, Teich deu a entender que tudo depende da gravidade do estado do paciente, e injetou o medo em sua retórica: "Quando você tem muita incerteza, o medo vai dirigir isso também. Você coloca na mão do médico, o médico vai fazer essa escolha, vai se responsabilizar por isso."

Emulando o antecessor, o sucessor insinuou que o uso generalizado da cloroquina depende não do achismo de Bolsonaro, mas de uma palavra final dos cientistas. Noutro trecho da transmissão, o capitão sugeriu que ele brindasse os brasileiros com uma mensagem de tranquilidade e precaução. Antes de lhe passar a palavra, afirmou ser quase uma unanimidade que 60% da população já foram ou serão infectados, "e a partir desse momento ficaremos livres do vírus, tendo em vista esse percentual grande de pessoas ter conseguido anticorpos, é isso?".

Com muito jeito, falando macio, o ministro esclareceu que, em meio a uma pandemia, certas coisas podem não ser as coisas certas, mesmo quando se parecem com uma "quase unanimidade". Citou a fragilidade das estatísticas e o risco de ocorrer uma segunda ou uma terceira onda de contágios. No momento, disse, "a gente tem que ter um foco muito grande em colher dados". Tradução: é preciso saber "qual é a incidência e a prevalência" do coronavírus. É imperioso quantificar com precisão os infectados e os mortos.

Teich desmentiu, delicada e didaticamente, a tese do presidente segundo a qual 60% da população brasileira já estaria imunizada. Sem excluir a hipótese de estar errado, teorizou: "...A gente vai ter uma situação em que dificilmente vai chegar naquele número que teoricamente daria uma imunidade para uma sociedade." Insinuou que as ruas terão de permanecer vazias por mais tempo e resumiu: "O que sobra disso é o seguinte: colher os dados, enxergar o comportamento, enxergar o que está acontecendo com as pessoas, ter calma, tomar ações, reavaliar regularmente... A gente vai ter que caminhar nessa direção. E a gente vai ter que ter o conforto de entender que cada dia vai ter um dado novo que vai ajudar a entender melhor e a tomar decisões."

Mais cedo, ao ser confirmado no comando da Pasta, o médico afirmou que não haveria mudanças bruscas em relação ao isolamento social. Durante a live, Bolsonaro ecoou: "Não vai ser um cavalo de pau que vamos dar nessa questão. Mas, gradativamente, o Brasil vai voltar a trabalhar".

Observação: A esta altura a posição do governo federal sobre isolamento careça de relevância, pois o Supremo decidiu que estados e municípios dispõem de poderes para deliberar sobre essa matéria

Teich despejou nas redes sociais de Bolsonaro palavras que não ornam com o vocabulário do presidente e da sua milícia virtual: "...ter calma, tomar ações, reavaliar regularmente... Ter o conforto de entender que cada dia vai ter um dado novo que vai ajudar a entender melhor e a tomar decisões." Calma? Conforto? Ai, ai, ai... 

O doutor parece não ter a mais remota ideia das surpresas que o aguardam em Brasília. Talvez ele devesse perguntar ao chefe quando será o seu próximo passeio pela periferia de Brasília, ou quando Bolsonaro pretende visitar alguma padaria.