Retomo em breve em a sequência sobre a renúncia de Jânio Quadros. Para hoje, temos o texto a seguir, da lavra do jornalista Ricardo Noblat. Há pontos com os quais eu concordo e outros dos quais discordo. Mas ninguém me perguntou nada. Então, que o leitor tire suas próprias conclusões.
Para sujeitos como Donald Trump e Jair Bolsonaro,
fora a deles não existe verdade. E a deles, naturalmente, pode ser uma, hoje, e
outra amanhã de acordo com as circunstâncias. Há uma quantidade expressiva de
pessoas que pensam e agem como eles — aqui, no momento, os que, por exemplo,
defendem a salvação da Economia à custa da morte dos vulneráveis ao
coronavírus.
Os vulneráveis não são poucos no Brasil. E não incluem só os
idosos, como tanto se destacou de fevereiro último para cá. Vulneráveis são
também aqueles que têm ao menos um dos cinco fatores que podem agravar a Covid-19:
hipertensão, diabetes, doenças cardíacas e pulmonares. Sabe quantos são?
Pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz foram atrás da resposta.
Estimam que sejam cerca de 50 milhões de pessoas acima de 18
anos de idade. Um em cada três brasileiros. O vírus não discrimina entre jovens
e velhos. Até ontem, 18, eram 36.599 os casos confirmados, e 2.347 o de mortos
que dobrou em uma semana. À legião dos que podem ser alvos da doença devem ser
juntados os que padecem de condições de vida precárias.
Os desempregados — 12 milhões. Os sem tratamento de rede de
esgoto — 10 milhões. Os sem água – 35 milhões. Os analfabetos – 12 milhões. Os
sem educação de base — 70 milhões. Os
invisíveis — assim chamados os que esperam receber o auxílio emergencial de 600
reais por mês — seriam 54,5 milhões. Na verdade, devem passar dos 70 milhões. É
por toda essa gente que os sinos dobram.
Enquanto dobram, no Estado da Insensatez, que é todo
o território onde o presidente da República pisa para reunir-se com seus
serviçais, Bolsonaro planta mentiras e colhe o sofrimento alheio. É
preciso salvar a Economia, ele prega. Fazê-la rodar para que sua reeleição
possa ser salva, mas isso ele esconde. Portanto, as medidas de isolamento devem
acabar o mais depressa possível.
É tal seu desespero que Bolsonaro está disposto a
passar por cima de todos que atravessem seu caminho. Há dois dias, atacou com
virulência o presidente da Câmara, acusando-o de conspirar para derrubá-lo
juntamente com governadores e ministros do Supremo Tribunal Federal. E, ontem,
apontou para o prédio do tribunal como quem sugere que seus ocupantes são
inimigos do povo.
“O Brasil está mergulhando no caos. A economia não roda
dessa forma. Vai faltar dinheiro para pagar servidor público. O vírus e o
desemprego são os maiores problemas”, tocou terror ao recepcionar um grupo
de seguidores ao pé da rampa do Palácio do Planalto. Bolsonaro disse
ainda que o tribunal o impede de revogar o isolamento, mas que continuará
tentando mesmo assim.
Desempenhou outra vez o papel que mais aprecia — o de
vítima, quando, de fato, é o sócio mais poderoso que o coronavírus poderia ter
encontrado no Brasil. Bolsonaro estimula a desobediência civil que, um
dia, poderá se voltar contra ele, engolindo-o. Se não for antes interditado
pelo Congresso, com certeza em 2022 será julgado por sua política de estímulo
ao genocídio.
Texto de Ricardo Noblat (com o qual eu concordo em
parte).