ATUALIZAÇÃO:
Bolsonaro resolveu concorrer a funcionário do mês. Para
ele, não tem final de semana, ponto facultativo nem feriado. Trabalha 27/7, e todo
santo dia presta mais um desserviço à nação. Ontem — em pleno domingo,
portanto —, dizem os que ainda tentam explicar o comportamento do presidente
que para manter fervente o caldeirão em que prepara ambrosia que serve a seus
apoiadores atávicos (podia lhes servir feno ou capim, que dava no mesmo), o presidente
inconsequente participou de um protesto defronte ao QG do Exército.
Os manifestantes portavam cartazes com mensagens contra a
democracia e proibidas pela Constituição, contra o Supremo Tribunal
Federal, contra o Congresso, defendendo uma intervenção militar
e pedindo a volta do AI-5 — que fechou o Congresso, cassou
políticos, suspendeu direitos, instituiu a censura à imprensa e levou à tortura
e morte de presos políticos. O chefe do Executivo, por seu turno (note
que não estamos falando do zé da esquina numa conversa de botequim do
PRESIDENTE DA REPÚBLICA), defecou suas pérolas de sabedoria tendo ao fundo uma
das faixas que dizia: “Intervenção militar com Bolsonaro no poder” (outras
tinham textos parecidos, aparentando terem sido fabricadas pelo mesmo
fornecedor).
Sem máscara — ainda que a tarefa de afrontar Mandetta
já não conste da lista de prioridades presidencial, é de pequenino que se desentorta
o pepino e, portanto, imperativo mostrar ao novo auxiliar quem é o galo do terreiro
—, o capitão das trevas falou em democracia, mas em nenhum momento condenou os
pedidos proibidos pela Constituição e antidemocráticos; pelo contrário, disse
que acredita neles:
“Eu estou aqui porque acredito em vocês. Vocês estão aqui
porque acreditam no Brasil. Nós não queremos negociar nada. Nós queremos é ação
pelo Brasil. Mais que um direito vocês têm obrigação de lutar pelo país de
vocês. Contem com o seu presidente, para fazer tudo aquilo que for necessário
para que nós possamos manter a nossa democracia e garantir aquilo que há de
mais sagrado entre nós, que é a nossa liberdade”.
Resumo da ópera: Pela enésima vez, Bolsonaro cagou e
andou para a recomendação da pasta da Saúde, e o novo ministro, ao silenciar,
aceitou tacitamente o papel de coadjuvante na ópera bufa protagonizada pelo chefe
de turno. Virou uma espécie de anti-Mandetta.
Por uma trapaça da sorte, Bolsonaro constrangeu Teich
justamente no dia de sua estreia. O novo integrante da Esplanada, ao participar
da reunião com os ministros da Saúde dos países do G-20, disse que
"o Brasil reconhece o papel da Organização Mundial da Saúde"
(quem, nunca é demais lembrar, recomenda o isolamento social).
Ao estrelar uma manifestação que tinha como motes principais
a defesa da interrupção do isolamento e uma intervenção militar, diz Josias
de Souza, o capitão alinhou o país não ao G-20, mas a uma espécie de
G-4: além do Brasil paralelo que Bolsonaro imagina presidir,
apenas três ditaduras menosprezam o vírus e renegam o isolamento: Bielorrússia,
Turcomenistão e Nicarágua.
Teich precisa informar se o seu "alinhamento
completo" com Bolsonaro inclui a aversão à ciência. A crise do
coronavírus veio de fora, mas a abordagem errática do flagelo é um produto
genuinamente nacional. Foi produzida por Bolsonaro. Sua principal
característica é a ausência de governo. O presidente detonava o isolamento
defendido por Mandetta, que espetava o chefe em público. Agora, seu
comportamento revela que o desgoverno permanece.
O ministro precisa informar o que pretende fazer se Bolsonaro
lhe pedir para dançar rumba numa UTI apinhada de pacientes da Covid-19.
Bolsonaro precisa esclarecer o que pretende ao continuar agindo assim, e o povo
e os demais Poderes precisam dizer até onde isso vai chegar. Ou, melhor ainda,
pôr um ponto final nessa palhaçada. Como dito antes, é de pequenino que se
desentorta o pepino, ou, em outras palavras, é preciso cortar o mal pela raiz.
Segue o texto que eu havia escrito ontem, antes de saber de mais essa estultice bolsonariana:
Por vezes eu mesmo me surpreendo com o tanto de pessoas (entre as quais me incluo) que se surpreendem com o desserviço que nos vem prestando o capitão das trevas no comando desta Nau de Insensatos.
Os dicionários definem como surpresa “fato ou
coisa que causa admiração ou espanto por ser inesperado, repentino, imprevisto”
— daí a minha surpresa, pois todo mundo sabe (ou deveria saber) que Bolsonaro
foi eleito porque os dois ou três candidatos que poderíamos ter testado foram
descartados no primeiro turno das eleições passadas, juntamente com o medonho
circo de horrores que posava de candidato à presidência. Para sair sinuca dessa
sinuca de bico, a parcela pensante do eleitorado não teve alternativa que não unir
forças com as macacas de auditório do “Mito” — que não é a essência do
mal, como alguns afirmam, mas apenas um “um
caso completamente fora do normal, inclusive um mau militar“ — como bem
o definiu o general Ernesto Geisel.
Defenestrado de seu habitat natural pela decisão complacente
do Superior Tribunal Militar, o oficial de baixa patente reformado e
admirador confesso da ditadura resolveu tentar a sorte na política. Dois anos
depois cumprir dois anos de mandato como vereador, disputou e conquistou uma
cadeira na Câmara Federal (foi o deputado mais votado no Rio de Janeiro, o que abona
minha tese sobre o total despreparo do eleitor brasileiro, para o qual Pelé
nos alertou ainda nos anos 1970) e renovou o mandato nas seis eleições
subsequentes.
Em seus 27 anos como deputado do baixo clero, Bolsonaro
aprovou dois míseros projetos — talvez porque se empenhasse em tempo
integral a colecionar processos por calúnia, injuria, difamação, racismo,
apologia ao estupro, e por aí vai (a maioria movida por políticos de esquerda, o
que... bem, para bom entendedor, meia palavra basta).
Quando foi nomeado ministro do Trabalho pelo caçador de marajás de
araque Fernando Collor de Mello, o sindicalista Antonio
Rogério Magri, perguntado sobre sua qualificação para o cargo, respondeu
que “mesmo não sendo cozinheiro, sei quando a sopa está salgada”. Meses
depois, ao ser flagrado usando o carro oficial para levar sua pet de estimação
ao veterinário, Magri se justificou: “a
cachorra é um ser humano, e eu não hesitei” (qualquer semelhança com a
lunática ex-presidente petista, nefelibata da mandioca e estocadora de vento é
mera coincidência).
Sem menosprezar a
responsabilidade e as dificuldades de governar um país como o Brasil, se Lula
e Dilma conseguiram, qualquer um consegue, que desde que não seja um
completo idiota, tenha alguma experiência na política e se cerque de ministros
competentes e assessores confiáveis. Talvez não faça um governo brilhante e não
se reeleja, mas é possível que termine sua obscura gestão sem sobressaltos. O
problema é que quanto mais despreparado for o mandatário da vez, maiores as
chances de sucumbir à febre do poder transmitida pela picadura da mosca azul. E
como é impossível governar sozinho num regime presidencialista, o infectado se
vê forçado (e acaba se acostumando) a fazer alianças espúrias e, por gratidão,
interesses escusos ou coisa pior, nomear para cargos importantes gente sem
envergadura nem estofo para exercê-los.
Michel Temer é um bom exemplo: quando se certificou
de que assumiria o posto da quintessência da boçalidade, prometeu um “ministério
de notáveis”, mas nomeou uma notável agremiação de enrolados na Justiça.
Mais adiante, delatado pelo moedor de carne bilionário e flechado pelo
ex-procurador geral Rodrigo Janot, empenhou as cuecas (as dele e as
nossas) na comprar votos bastantes para evitar seu afastamento e subsequente
processo de impeachment. Mas o deputado tinha décadas de janela e anos de vão
de porta, 15 só como presidente do PMDB (hoje MDB). Já Dilma, quando o
caldo entornou, não tinha sequer café quente no bule, tamanha a ojeriza que seu
pedantismo e arrogância despertavam nos subalternos e nos parlamentares (inclusive
entre alguns do seu próprio partido).
Por coincidência,
má influência ou incompetência, Bolsonaro, se não loteou a Esplanada
entre um bando de corruptos (embora não faltem figurinhas carimbadas no seu
ministério, como veremos a seguir), deve ter recrutado seus auxiliares em algum
manicômio, haja vista a quantidade de ideologistas extremados, terraplanistas,
criacionistas e baba-ovos do ex-astrólogo Olavo de Carvalho, guru do clã
Bolsonaro. E vem eliminando as honrosas exceções devido ao protagonismo
decorrente dos bons serviços prestados, como foi o caso do Ministro da Saúde. Incapaz
de elevar sua estatura, o presidente rebaixa o teto de seu gabinete. Desconfortável
com a presença de ministros cuja popularidade supere a sua própria, tornou-se
useiro e vezeiro em arrancar qualquer plantinha que tenha potencial para lhe fazer
sombra.
Bolsonaro é do tipo de chefe que acha que o chefe
sempre tem razão (vide figura que ilustra esta postagem). Da sua ótica distorcida,
a patética caneta Bic de R$ 2 que empunha tem o poder de uma bomba nuclear, e
trabalhar sob seu comando é como ser currado e ter de pedir desculpas por
estar de costas.
Observação: Entre as tais figurinhas carimbadas vale
citar os ministros Álvaro Antônio — envolvido no escândalo
do laranjal do PSL, mas que continua desafiando a lei da Gravidade —; Onyx Lorenzoni — que admitiu a prática de caixa 2 —; Ricardo Salles — réu por improbidade
administrativa e alvo de uma acusação por danos ao Erário (por ter ordenado a
retirada de um busto do guerrilheiro Carlos Lamarca do parque estadual
do Rio Turvo, na cidade de Cajati) —; Tereza
Cristina, investigada por suposto favorecimento à JBS quando era secretária do agronegócio no Mato Grosso do Sul —; a
proselitista religiosa Damares Alves —
alvo de duas investigações do MPF
por discriminação contra os povos indígenas — entre outros que são réus ou
investigados na Justiça.
Voltando ao
morubixaba de aldeia que não
nasceu para ser presidente, mas para ser militar — como disse há coisa
de um ano, numa evidente paráfrase ao general João Figueiredo, o
último ditador, que disse (litteris): “estou
fazendo uma força desgraçada para ser político, mas não sei se vou me sair bem:
no fundo o que gosto mesmo é de clarim e de quartel“ —, resta saber por
que cargas d’água Bolsonaro age assim. Eu mesmo já desenvolvi uma porção de teorias,
mas nenhuma delas me pareceu satisfatória.
No livro “POR DENTRO DA MENTE DE BOLSONARO”, o
psicanalista Tales Ab'Sáber — autor de Em Lulismo, carisma
pop e cultura anticrítica (2011), Dilma Rousseff e o ódio
político (2015) e Michel Temer e o fascismo comum (2018)
— afirma
que o capitão sempre foi rigorosamente coerente, embora nem sempre
tenha se expressado com clareza devido a sua linguagem falha, que precisa ser
escondida ao máximo do debate público.
Aliás (e agora sou eu quem diz), o atentado em Juiz de
Fora a um mês do primeiro turno funcionou como um poderoso cabo eleitoral,
pois não só manteve Bolsonaro sob os holofotes da mídia, como justificou
sua ausência nos debates, evitando que seu total despreparo aflorassem em toda
sua plenitude, o que poderia afugentar boa parte do eleitorado (isso no
primeiro turno, porque no segundo os brasileiros de bem teriam votado no
próprio Pazuzu para impedir o retorno do lulopetismo ao poder).
Discursando — seja lendo, seja de improviso — Bolsonaro
encanta tanto quanto um burro peidando, a não ser para sua claque amestrada. Em
contrapartida, Ciro Gomes, a exemplo do demiurgo de Garanhuns, domina
com maestria a arte da oratória. Seus discursos inflamados, vertidos em
linguagem rasteira, soam como música aos ouvidos do eleitorado mais carente e
menos esclarecido. Um debate entre os dois antes do segundo turno teria
sepultado a candidatura do capitão das trevas, o que poderia ser complicado,
dependendo de quem fosse escalado para enfrentar a marionete de Lula no embate
final.
Observação: Deixo bem claro que não estou
endossando a
estapafúrdia teoria de Lula (de que o atentado contra Bolsonaro não
passou de uma farsa). O ex-presidente ladrão tem o péssimo hábito de medir os
demais pela própria régua. Ao acusar Bolsonaro de encenação, o molusco
certamente pensou no que faria se estivesse no lugar do adversário. Como fez no
"atentado"
contra sua caravana do petista no Paraná, em maio de 2018, e no traque
de festim que teria “explodido” na porta dos fundos do Instituto Lula, incidentes
que os petistas encheram de fermento, sovaram, deixaram triplicar de tamanho
para só então servir à imprensa cumpanhêra.
Para concluir esta lengalenga — afinal, já falei demais para
uma segunda-feira, véspera do feriado de Tiradentes e em meio a uma quarentena
compulsória que está deixando meio mundo louco (a outra metade já enlouqueceu),
saliento que qualquer coisa pode ser dita de Bolsonaro, menos que ele tenha
enganado alguém a respeito de quem realmente é. Para reforçar meu ponto de vista, reproduzo a seguir algumas pérolas produzidas pelo presidente quando ele ainda dava expediente no parlamento:
Sou contra os direitos humanos sim;
Sou a favor da tortura sim;
Desprezo homossexuais e quero que eles sejam
discriminados sim;
Este país não tem solução por meio de uma ordem
democrática não, eu fecharia o Congresso no dia seguinte que chegasse ao poder e
mataria trinta mil pessoas de esquerda, a começar por Fernando Henrique Cardoso;
O erro da ditadura foi torturar e não matar;
Somos um país cristão, não existe essa historinha de estado
laico não, vamos fazer o Brasil para as maiorias, as minorias têm que se curvar
às maiorias ou simplesmente desaparecer;
Vamos fuzilar a petralhada aqui do Acre, botar esses
picaretas para correr; se gosta tanto da Venezuela, essa turma tem que ir para
lá.