quinta-feira, 30 de julho de 2020

A CULPA É DO CABRAL!


Se nepotismo é uma das muitas facetas da corrupção, então a corrupção desembarcou no Brasil com Cabral (falo do Pedro Álvares, não do ex-governador do Rio), considerando que o escriba Pero Vaz de Caminha, na carta que escreveu a D. Manoel dando conta do “descobrimento”, pediu-lhe que intercedesse em favor de seu genro. E, como reza a sabedoria popular, tudo que começa mal tende a ficar pior.

Observação: O pedido não tratava exatamente de um emprego, mas esse caso se tornou um exemplo lapidar de versão que venceu o fato (volto a esse assunto mais adiante).

Embora tenha ganhado notoriedade a partir de 2014, a Lava-Jato nasceu em 2008, quando uma denúncia levou a PF a investigar o doleiro Alberto Youssef e descobrir que ele presenteara o ex-diretor de abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, com um Range Rover Evoque.

Escusado revisitar os feitos da força-tarefa ao longo dos últimos seis anos e os ataques desfechados contra ela por políticos de alto coturno, cuja intenção, obviamente, sempre foi pôr fim à maior e mais bem-sucedida operação de combate à corrupção da história deste covil de ladrões desde abril de 1500 — cito o ex-senador Romero Jucá, que em 2016 sugeriu ao ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, que uma "mudança" na governo federal resultaria num pacto para “estancar a sangria” .

Observação: Temos um Congresso eivado de corrupção: pelas minhas contas, quase metade dos 81 senadores e mais de um terço dos 513 deputados federais são réus ou investigados no STF e em outras instâncias do Judiciário (depois que a Corte limitou o foro privilegiado dos parlamentares a fatos ocorridos durante o mandato e em decorrência dele, os 11 togados se livraram de um sem-número de processos).

Diante do bombardeio da Vaza-Jato, do empenho da banda podre do Supremo — cito entre vários a alteração da jurisprudência sobre prisão em segunda instância e o prodígio de prestidigitação jurídica com que sete ministros tiraram da cartola a anulação de sentenças em processos nos quais réus delatados não apresentaram memoriais depois dos delatores — e do fato de Bolsonaro ter ignorado a lista tríplice do MPF e nomeado PGR um pau-mandado subserviente e claramente disposto a blindá-lo e a seus filhos enrolados com a Justiça, não surpreende (embora seja preocupante) que as tentativas de desmonte comecem a surtir efeito.

A equipe de Curitiba, coordenada por Deltan Dallagnol, enfrenta críticas não só externas, mas também vindas do próprio Augusto Aras. Há entre os procuradores a certeza de que o PGR quer centralizar as investigações sobre corrupção e, por determinação extraoficial do Palácio do Planalto, desconstruir a imagem do ex-juiz Sergio Moro, símbolo maior da Lava-Jato e que pode dar trabalho ao morubixaba da tribo nas eleições presidenciais 2022. Aliás, o início da disputa entre PGR e a força-tarefa de Curitiba coincidiu justamente com a saída traumática de Moro do ministério da Justiça.

A situação se agravou ainda mais diante de suspeitas de que a força-tarefa de Curitiba teria usado equipamento de gravação e interceptação telefônica de forma ilegal. O ministro Bruno Dantas, do TCU, determinou a realização de diligências para apurar as denúncias — que Dallagnol nega; segundo ele, são apenas aparelhos de gravação de chamada adquiridos em 2015 devido às ameaças sofridas pela equipe, sendo que os próprios servidores controlavam os registros.

A demolição da Lava-Jato conta com os préstimos do próprio presidente, que durante toda a campanha empunhou o estandarte da anticorrupção (promessa avalizada pela escolha de Moro para chefiar a pasta da Justiça) e depois enfiou-o em local incerto e não sabido, mas certamente onde o sol não bate.

As tintas da lisura com que o capitão das trevas tentou disfarçar sua imagem de mau militar e parlamentar medíocre não resistiram à primeira chuva. No entanto, seus apoiadores de raiz insistem no ramerrão de que “neste governo não existe denúncia de corrupção”, como fizeram (e ainda fazem) as toupeiras que não têm olhos e, portanto, não enxergam os atos antirrepublicanos que resultaram na condenação de Lula a mais de 25 anos de cana, somadas as penas resultantes dos dois processos julgados até agora. Aliás, Bolsonaro e Lula não só se retroalimentam como se merecem

Ao atacar a Lava-Jato de maneira injustificada e sórdida, Aras presta um duplo favor a seu chefe: por um lado, agrada ao centrão; por outro, desgasta Moro, de quem o capitão se borra de medo de ter de enfrentar na campanha presidencial de 2020.

Com sua atitude, Aras deixa seus concorrentes para o assento de Celso de Mello no STF, que ficará vago em novembro, comendo poeira, além de prestar um substancial desserviço ao à República da qual é Procurador-Geral, ao Ministério Público Federal, do qual é a autoridade máxima, e às causas do combate à corrupção e da restauração da moralidade pública. 

Não deixa de ser irônico que o candidato Bolsonaro tenha sido o que mais jurou defender a Lava-Jato e o presidente eleito Bolsonaro venha a ser justamente aquele que irá a enterrar a operação. Ainda que isso só surpreenda os cebos e abobalhados de plantão.

Continua na próxima postagem.