Enquanto trouxas como este que vos escreve perdem tempo com
questiúnculas e factoides — como a acusação de genocídio feita pelo ministro Gilmar
Mendes ao general interino da Saúde —, o alto
tucanato se vê emparedado por novos desdobramentos da Lava-Jato.
Os três políticos estavam entre os convidados do
suprapartidário casamento do empresário, em junho de 2014, com Daniela
Filomeno, ex-diretora de comunicação do Grupo Doria e ex-conselheira
do Lide, ambos fundados pelo governador paulista, João Doria.
Também compareceram ao casamento, em um luxuoso condomínio em Bragança Paulista
(SP), o então prefeito petralha de São Paulo,
Fernando Haddad, e a então
senadora (hoje ex-petralha) Marta Suplicy.
Em sua delação premiada, Antonio Palocci, ex-ministro
da Fazenda e da Casa Civil nos governos Lula e Dilma, relatou que
os elos políticos de Júnior foram construídos a partir da amizade dele
com o médico Roberto Kalil Filho, diretor do centro de cardiologia do Hospital
Sírio-Libanês, em São Paulo, que atendia os ex-presidentes petistas
enquanto eles ocupavam o Palácio do Planalto.
Voltando agora à rusga entre Gilmar Mendes e os
militares, Diogo Mainardi afirma que o togado não vai derrubar Bolsonaro, até porque o presidente faz exatamente o que ele quer: já chutou
Sergio Moro, já se acertou com a PGR para exterminar a Lava-Jato
e já indicou um de seus assessores para a AGU. Mendes só teve
tanto poder assim com Michel Temer. E como é um homem de sorte, o
ministro foi premiado também com o processo de Flávio Bolsonaro, do qual
é relator. O fato de ter o destino do filho do presidente no bolso da toga
confere-lhe um crédito ainda maior.
Gilmar não tem o menor interesse em patrocinar um
impeachment, minando um acordo que lhe é imensamente vantajoso. Semanas atrás, ele
espalhou para a imprensa que foi ao Palácio do Planalto e aconselhou Bolsonaro
sobre a melhor maneira de se esquivar de uma denúncia no Tribunal Penal
Internacional, por crimes cometidos durante a epidemia de Covid-19.
De acordo com o relato dos jornalistas, o ministro foi ainda mais longe:
assumindo o papel de advogado do presidente — no lugar de Frederick Wassef e
Karina Kufa —, ele orientou o capitão sobre sua defesa no próprio STF.
O Exército se irritou porque Gilmar, disparando uma
tolice, culpou-o pela calamidade da Covid-19. De fato, enquanto os militares
fabricavam cloroquina, nos laboratórios faltavam reagentes para testar o novo
coronavírus e nas UTIs, remédios essenciais para salvar vidas. Todavia, a
responsabilidade pela tragédia não é do Exército, mas de Jair Bolsonaro,
que teria de ser julgado e cassado por causa disso.
Mas não é o que Gilmar
Mendes pretende fazer. Ele é parceiro do presidente, tanto que, para
contornar a disputa com os generais, conversou diretamente com o chefe do Executivo
— e, mais uma vez, vazou tudo para a imprensa. Por essas e outras, os
bolsonaristas podem relaxar. Em vez de derrubar o presidente, o supremo togado
vai domá-lo e cavalgá-lo até 2022.
Em campanha, o candidato Jair Bolsonaro teve um
sonho: criar mais dez cadeiras no Supremo, aumentando a composição da Corte
para 21 juízes e, desse modo, “mudar o rumo das decisões que têm
envergonhado o país” — disse ele nos idos de 2018. Uma solução ao molde
venezuelano, que por motivos óbvios nem chegou a ser tentada. O STF, no
entanto, continuou ocupando lugar de destaque nas obsessões do presidente.
Bolsonaro não foi o primeiro nem será o último
mandatário a vivenciar a ilusão de controle sobre o tribunal detentor da última
palavra a respeito do que permite ou não a Constituição, embora tenha sido o
único do período pós-redemocratização a falar em interferir na organização e,
portanto, nas decisões do tribunal.
A ditadura aumentou os assentos de onze para dezesseis em
1965. Quatro anos depois três ministros foram afastados por força do AI-5,
dois se aposentaram em solidariedade e no governo Médici retornou-se ao
desenho original. De lá para cá, os governos do PT foram os que mais
indicaram ministros. Lula nomeou oito e Dilma, cinco, quatro dos
quais hoje aposentados e dois falecidos. Bolsonaro terá direito a duas
indicações, que somariam doze, caso a realidade não se contrapusesse aos
devaneios de sua mente.
Mesmo restrito às vagas de Celso de Mello e Marco
Aurélio Mello, o capitão produz um espalhafato que movimenta hoje sete
nomes. Já foram nove quando Sergio Moro integrava a lista e antes de Ives
Gandra Filho declinar da sondagem. Uns mais, outros menos afoitos, são os
seguintes: André Mendonça (ministro da Justiça), Jorge Oliveira
(ministro da Secretaria-Geral da Presidência), Augusto Aras
(procurador-geral), William Douglas (juiz federal), Marcelo Bretas (juiz
federal), João Otávio de Noronha (presidente do Superior Tribunal de
Justiça) e Humberto Martins (eleito próximo presidente do STJ). Nem todos cumprem os pré-requisitos de notório saber
jurídico e reputação ilibada, mas todos compartilham afinidades ideológicas
e/ou religiosas com o presidente, que tem se notabilizado por manipular a
vaidade dos cotados, que, em alguns casos, se traduz em pura vassalagem.
Bolsonaro tem prazo até novembro para definir o
escolhido para a vaga do decano, mas até lá vai se valendo do espírito
prestativo de um e de outro. Aras se reveza entre agrados e desagrados, Mendonça
assume o papel de advogado de Bolsonaro, Bretas o presenteia com
sua presença em ato político, Oliveira reitera manifestações de lealdade
ao chefe, Martins intimou, como corregedor do CNJ, o juiz
Flávio Itabaiana a explicar a razão de seu desagrado com a concessão de
foro especial a Flávio Bolsonaro, e Noronha inovou ao beneficiar
com prisão domiciliar a fugitiva mulher de Fabrício Queiroz.
Escaldado por exemplos anteriores, Bolsonaro não se
contenta com promessas, e por isso esses candidatos “matam no peito”
previamente. Sem garantia de que não estão caindo no conto da vaga.
Com Veja, Diogo Mainardi e Dora Kramer.