segunda-feira, 27 de julho de 2020

UM PODER QUE SE SERVE EM VEZ DE SERVIR É UM PODER QUE NÃO SERVE — PARTE 3



Jair Bolsonaro — tido como “mito” por seus apoiadores de raiz e autodeclarado “Messias que não faz milagre” — ocupa o 38º lugar na lista dos presidentes que governaram o Brasil desde o golpe militar de 1889, que pôs fim à monarquia e guindou a presidente de turno o Marechal Deodoro da Fonseca, a quem os livros de História se referem como “proclamador” da República, mas que na verdade foi o protagonista do primeiro golpe desta República. E além de entrar para a História como o primeiro presidente da (hoje chamada) “República Velha”, o indômito marechal foi o primeiro chefe do Executivo Federal Tupiniquim a renunciar ao cargo: sob ameaça de iminente deposição pelos Republicanos — representados pelo igualmente marechal Floriano PeixotoDeodoro pediu o boné em 23 de novembro de 1891Floriano, que era o vice de plantão, assumiu a presidência, e assim, de golpe em golpe e eleição em eleição, noves fora os governos de exceção, chegamos até aqui. Para onde vamos é outra história, mesmo porque no Brasil até o passado é incerto.

Observação: Para acessar a galeria de fotos do ocupantes dos Palácios do Itamaraty, Catete e Planalto nos últimos 130 anos, clique aqui; caso queira ler as postagens em que esmiúço cada gestão desde o desditoso governo de Jânio Quadros — iniciado em janeiro de 1961 e encerrado menos de 7 sete meses depois, em 25 de outubro, com a renúncia do presidente, que foi o estopim do golpe de ’64 —, os primeiros capítulos foram publicados nos dias 15, 16, 17 e 24 de abril e 3 e 7 de maio, e os finais devem ir ao ar na semana que vem ou na próxima.

Voltando ao tempo presente, o presidente da Câmara Federal, deputado Rodrigo Maia — a quem o departamento de propinas da Odebrecht se referia como Botafogo —, abuzanfou-se sobre a pilha de trinta e tantos pedidos de impeachment protocolados até agora contra o atual mandatário.

De acordo com a Constituição de 1988, qualquer cidadão pode pedir o impeachment do Presidente, cabendo ao presidente da Câmara decidir se o pedido preenche os requisitos formais de admissibilidade e, caso afirmativo, fazer a leitura em plenário e encaminhar a denúncia a uma comissão criada especialmente para analisá-la. Se a denúncia for acolhida, o presidente acusado terá até dez sessões da Câmara para se manifestar, após o que a comissão especial terá até cinco sessões para dar seu parecer, que também deverá ser lido na íntegra no plenário da Casa.

Quarenta e oito horas contadas a partir da apresentação do parecer da comissão especial, o documento deverá ser incluído na “ordem do dia” da Câmara e votado em plenário. Se obtiver maioria qualificada de 2/3 — ou seja, se pelo menos 342 dos 513 deputados considerarem o acusado culpado —, a denúncia será encaminhada ao Senado (do contrário ela é arquivada e o assunto morre aí).

Instaurado o processo de impeachment no Senado, o chefe do Executivo é afastado e substituído pelo vice, devendo, inclusive, desocupar as residências oficiais em Brasília. Caso o julgamento não ocorra em até 180 dias, o acusado reassume a presidência e permanece no cargo até o processo terminar sua tramitação.

Reza o artigo 52 da Constituição, em seu parágrafo único: (...) Funcionará como Presidente (do processo de impeachment) o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis.

Se for considerado culpado, o presidente é deposto em definitivo e inabilitado para o exercício de cargos públicos por oito anos. Caso o julgamento tenha ocorrido dentro do prazo de 180 dias, o vice é efetivado e conclui o mandato-tampão; caso o prazo tenha sido excedido, o vice reassume, é efetivado e governa até o final do mandato.

ObservaçãoNa hipótese de morte, renúncia, cassação etc. do vice, a Constituição prevê a convocação de nova eleições, que serão diretas se faltarem mais de 2 anos para o final do mandato. Caso contrário, caberá ao Congresso Nacional escolher o novo presidente. 

Da leitura do artigo 52 da CF infere-se que “com” exerce a função de conjunção subordinativa aditiva, relacionando o que vem depois dela (inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública) ao que vem antes (perda do cargo). Basta esta singela análise gramatical para concluir que a deposição de Dilma sem a suspensão dos direitos políticos ofendeu a Constituição, e que, ao permitir que isso ocorresse, o então presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, cometeu crime de prevaricação (volto a esse assunto mais adiante).

Para entender melhor a questão da maioria qualificada de dois terços, tomemos como exemplo o caso de Dilma, que foi considerada culpada por 61 votos a 20 e condenada à perda do cargo. No entanto, uma tramoia orquestrada pelos presidentes do Congresso e do Supremo — o senador e multirréu Renan Calheiros e o ministro petista Ricardo Lewandowski, respectivamente — evitou a cassação dos direitos políticos da gerentona de araque. Ainda que 42 dos 81 senadores tenham votado a favor da inabilitação da ré (outros 36 votaram contra e houve 3 abstenção), a maioria qualificada de dois terços (ou seja, 54 votos) não foi alcançada.

Explicando melhor: o termo “quórum” remete ao número mínimo de pessoas presentes para a realização do processo de votação de alguma medida administrativa ou legislativa. Por “maioria absoluta” entende-se o primeiro número inteiro superior à metade — sendo inadequado, portanto falar em “metade mais um”; tomando como exemplo o Senado, que é composto por 81 parlamentares, a metade é 40,5 e a maioria absoluta, 41 (e não 41,5).

Para aprovação de lei complementar é exigido o voto da maioria absoluta dos membros do legislativo em ambas as Casas. A rejeição de veto presidencial também depende do voto da maioria absoluta dos deputados e senadores, em sessão conjunta. Já a maioria simples leva em consideração o número de presentes participantes na votação, ou seja, compreende mais da metade dos votantes ou o maior resultado da votação, no caso de haver dispersão de votos. O quórum de maioria simples é exigido para a aprovação de projetos de Lei Ordinária, de Resolução, de Decreto Legislativo e de Medida Provisória.

Observação: Ressalte-se que Medidas Provisórias também podem ser aprovadas por votação simbólica, que é quando não há o registro individual de votos. Nesse caso, é pedido aos parlamentares que permaneçam como estão se forem favoráveis à matéria, cabendo apenas aos contrários se manifestarem.

Já a maioria qualificada é aquela que exige número superior à maioria absoluta — geralmente dois terços ou três quintos. Para a aprovação de Propostas de Emenda Constitucional (PEC), o artigo 60, § 2 º da Constituição Federal diz que (a proposta) "será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros". Já o artigo 86 prevê da Carta estabelece que a acusação contra o presidente da República por crime de responsabilidade será admitida por dois terços da Câmara dos Deputados (conforme vimos em detalhes parágrafos atrás).

Por fim, é importante frisar que tanto a maioria absoluta e quanto a maioria qualificada levam em consideração o número total de membros que legalmente integram o órgão, ao passo que a maioria simples toma por base apenas os presentes à votação.