quarta-feira, 12 de agosto de 2020

DA PRAGA DA CASERNA AO CAPITÃO CAVERNA — DÉCIMA PARTE



Dos 38 presidentes que governaram o Brasil nos últimos 130 anos, alguns chegaram ao poder pelo voto popular, outros por eleição indireta e outros, ainda, por golpe de Estado ou linha sucessória. Entre todos eles, ao menos 9 deixaram o campo antes que o apito do árbitro sinalizasse o término da partida. E Bolsonaro pode ser o décimo.

A título de contextualização (a audiência do Blog é rotativa), relembro que a proclamação da República não foi propriamente um ato patriótico, mas sim um golpe militar que expeliu D. Pedro II do trono e pôs termo a quase 70 anos de monarquia — contados a partir o famoso “Grito da Independência” (falo, por óbvio, do tal brado heroico retumbante ouvido pelas margens plácidas da Ipiranga, como Osório Duque Estrada poetizou na letra do Hino Nacional Brasileiro). E também carregou nas tintas romanescas o pintor Pedro Américo, no célebre “Independência ou Morte”, que retrata D. Pedro no dorso de venusta montaria, com a espada em riste, no famoso “momento do grito”. 

Como se sabe (ou dever-se-ia saber), a História costuma ser menos poética à luz detergente dos fatos, que expõe quão romanceadas são as versões criadas a partir deles. No que concerne ao "grito do Ipiranga", retornavam da cidade de Santos, no litoral paulista, naquele fatídico 7 de setembro, o então príncipe regente e sua distintíssima comitiva. Para vencer a Serra do Mar, os viajantes não cavalgavam garbosos corcéis, mas montavam prosaicas mulas — animais mais fortes e resistentes que seus primos mais nobres. E tampouco trajavam as vistosas roupas de gala com que foram retratados: sob o forte calor, vinham eles suados, fedidos e com as vestes sujas e amarfanhadas.

Se as margens do córrego do Ipiranga serviram de pano de fundo para o "heróico brado", isso deveu-se a mero acaso: passava por lá a comitiva quando D. Pedro, acometido de poderosa caganeira, apeou e saiu em busca de uma moita que lhe permitisse esvaziar os intestinos com alguma privacidade. Foi então que se juntou ao grupo um mensageiro vindo de São Paulo, com três missivas endereçadas a sua alteza. 

A primeira epístola, assinada por D. João VI, ordenava ao nobre rebento que regressasse imediatamente a Portugal e se submetesse ao Rei e às Cortes. A segunda, de José Bonifácio, aconselhava-o a romper com Portugal. A terceira, da Imperatriz Leopoldina, dileta esposa do príncipe-regente (noves fora Domitila de Castro Canto e Mello, mais conhecida como Marquesa de Santos), transmitia ao marido o seguinte recado: “O pomo está maduro; colhe-o já, antes que apodreça”. 

Impelido pelas circunstâncias, o príncipe, que já estava mesmo fazendo merda, aproveitou o ensejo para romper os laços de união política com Portugal e declarar a independência do Brasil.

Dali a 67 anos, a não menos romanceada “Proclamação da República” — sobre a qual o livros de história se referem como um ato patriótico protagonizado pelo Marechal Deodoro da Fonseca, que estava longe de ser um republicano convicto — foi, isso sim, um golpe de Estado que expeliu do trono o imperador D. Pedro II em prol da “unidade militar”.  

Deodoro tornou-se o primeiro presidente do Brasil — cargo que exerceu interinamente até ser efetivado por uma eleição indireta (como se vê, começamos bem), e do qual foi deposto, 9 meses depois, por iniciativa de seu vice, o também marechal Floriano Peixoto, que ficaria conhecido como "Marechal de Ferro".

A despeito de a Constituição de 1891 determinar a convocação de novas eleições no caso de vacância na Presidência, Floriano decidiu completar o quadriênio para o qual seu predecessor havia sido “eleito”. E começou sua gestão demitindo todos todos os governadores que apoiavam Deodoro. Houve reação, naturalmente, sobretudo no sul do país, onde uma grave crise política se instalou, em razão da disputa pelo poder. Ainda assim, o Marechal de Ferro conseguiu se manter no poder até 1894, quando passou o bastão ao republicano Prudente de Morais, que entrou para a história como o primeiro presidente civil — e eleito pelo voto direto — do novo regime.

Continua no próximo capítulo.