A zombeteira celebração do inegável enfraquecimento da Lava-Jato junta, entre outras figuras notórias, um presidente da República investigado, um ex-presidente duplamente condenado e réu em meia dúzia de processos sub judice e um senador da República que já foi afastado da presidência do Congresso por decisão do STF, é réu em pelo menos uma ação penal em curso e figura como investigado em nada menos que 17 inquéritos.
Caberia perguntar a esses e outros políticos de alto coturno
que ora posam de arautos da moralidade se quando as coisas no terreno da
impunidade corriam frouxas o estado de direito estava sendo devida e amplamente
respeitado.
De início sarcástico, mas falando mais a sério no dia seguinte, o presidente não só decretou o “fim” da Lava-Jato como assumiu a autoria da aludida extinção, argumentando que não há corrupção em seu governo.
Leda pretensão de sua
insolência. Seja porque pôr termo à Lava-Jato foge ao escopo das
atribuições do chefe do Executivo, seja porque o fato de a força tarefa vir
sendo implacavelmente bombardeada por quem deveria apoiá-la e incentivá-la, sob
pena de ser processado pelo crime de estelionato eleitoral, não significa que a
corrupção tenha acabado.
Se esse incorrigível falastrão se mirasse no espelho ou olhasse em derredor, onde orbitam seus três rebentos com mandato parlamentar, e ainda assim dissesse tamanho disparate, a causa seria uma das seguintes possibilidades:
1) Irremediável e irreversível descolamento da realidade;
2) Incapacidade de enxergar a linha que separa a ironia do ridículo;
3) Total desconhecimento da existência
de brasileiros que cultivam o saudável hábito de raciocinar, e que por isso
sentem-se ultrajados quando insultam sua inteligência, fazem seus ouvidos de
penico ou ambas as coisas.
Celebrações que tais, além de totalmente descabidas, não têm o condão de desfazer a mudança no trato de malfeitorias públicas e privadas ocorrida a partir do julgamento da ação penal 470 (mais conhecida como “processo do mensalão”), em meados da década passada.
A sociedade brasileira, ou
uma parcela significativa dela, tornou-se muito menos tolerante à malversação
do dinheiro público e percebeu que nem a impunidade nem a roubalheira são
inevitáveis no exercício do poder político.
É provável que o capitão da caverna das trevas e seus atuais companheiros de folguedo jamais tenha lido Shakespeare,
mas possivelmente repararam que o imprevisto pode ter voto decisivo na assembleia
dos acontecimentos e que a necessidade, além de mãe da invenção, costuma nos
impor estranhos companheiros de trajetória.
Centrando o foco no mandatário de turno para não espichar desnecessariamente este assunto no feriado que reverencia a padroeira desta republiqueta de almanaque, resumamos opereta lembrando que a récua de muares que apoiam sua insolência na internet — e da qual sua insolência vem se afastando lenta, mas progressivamente — desaprova seu namoro com a “velha política”. E que bastaria cotejar o que o candidato prometeu durante a campanha e o que o presidente cumpriu até agora para descobrir o significado da expressão “estelionato eleitoral”.
Outro detalhe que merece reflexão: Bolsonaro exultou quando seu ex-aliado, ora desafeto, suposto futuro adversário e governador fluminense afastado foi malhado feito boneco de Judas em sábado de aleluia e punido antes mesmo da aceitação da denúncia sem que lhe fosse dada oportunidade de apresentar sua defesa.
A julgar pelo que foi publicado sobre a investigação,
Witzel é “tão inocente” quanto Fabricio Queiroz, Flávio Bolsonaro,
Frederick Wassef et caterva. Recomendável, portanto, sua insolência e companhia não cuspirem para cima nem mijarem contra o vento.
O fato de ter se revelado um péssimo mandatário não torna o capitão menos competente como estrategista. Falaremos em outra
oportunidade sobre a escolha do desembargador piauiense, para a vaga Celso
de Mello no STF, ao invés do prometido candidato “terrivelmente
evangélico”, contrariando, assim, a parcela dos bolsonaristas de raiz que é
mais devota aos papa-dízimo. Mas é imperativo salientar que o compromisso de Bolsonaro é
com Bolsonaro e seu objetivos, devendo-se escrever no gelo suas promessas. Até porque as não cumpridas se avolumam tão rapidamente quanto cresce a pilha de pedidos
de impeachment que dormitam na gaveta do presidente da Câmara.
Por essas e outras, melhor faria o taramela se largasse mão dessa bobagem de ministro “terrivelmente evangélico” quando indicar o substituto de Marco Aurélio.
Aliás, melhor ainda (para ele,
naturalmente) indicar alguém “terrivelmente garantista”, inobstante esse
alguém ser judeu, mórmon, adventista, protestante, muçulmano, macumbeiro,
testemunha de Jeová, satanista, agnóstico ou ateu.