Há inúmeras teorias sobre a renúncia de Jânio, mas parece ser consenso que o ex-presidente
apostava em fortes manifestações, com o povo clamando nas ruas por seu
retorno ao poder. Não à toa, ele apresentou sua carta-renúncia e voou para São Paulo
(levando a faixa presidencial), onde permaneceu durante horas, aparentemente
esperando uma reação de apoio que não aconteceu — fala-se que um arranjo urdido
nos bastidores teria impedido que a população soubesse onde ele estaria
quando a notícia da renúncia fosse divulgada.
Aceita a renúncia, o presidente da Câmara, Ranieri
Mazzilli, assumiu interinamente a chefia do Executivo — já que os militares
vetaram a ascensão do vice, João Goulart, devido a sua fama de “comunista”. Mazzilli foi apenas uma figura decorativa, já que os três ministros militares do governo Jânio formaram uma junta provisória e presidir o Brasil até a adoção do regime parlamentarista, que foi implementado duas semanas depois e reduziu os
poderes presidenciais, levando os militares a permitir que Jango
assumisse a presidência.
Curiosidades: 1) O primeiro
Primeiro-Ministro do parlamentarismo tupiniquim foi o político mineiro Tancredo
de Almeida Neves, que dali a 24 anos, seria eleito o primeiro presidente
civil pós-ditadura militar. 2) No ano seguinte a sua
renúncia, Jânio disputou novamente o governo de São Paulo, mas foi
derrotado por seu velho desafeto Ademar de Barros.
A experiência parlamentarista foi revogada por um plebiscito
em 6 de janeiro de 1963. Duas semanas depois, Jango assumiu a presidência — que era sua
por direito desde a renúncia de Jânio —, mas foi deposto pelo golpe de 1964, que deu início à ditadura militar que só terminaria em janeiro de 1985, durante o governo do general João Figueiredo, com a vitória de Tancredo Neves (MDB) sobre Paulo Maluf (ARENA) por 480 a 180 votos de um colégio eleitoral composto de senadores, deputados federais e membros das assembleias legislativas estaduais.
Observação: Segundo a versão oficial, uma diverticulite obrigou Tancredo a ser submetido a uma cirurgia de emergência 12 horas antes da
cerimônia de posse. Também oficialmente, o mineiro foi declarado morto 38 dias e sete cirurgias depois — por uma
ironia do destino, no feriado de Tiradentes, o “mártir da independência”.
Figueiredo se recusou a passar a faixa ao vice, José Sarney, de
quem se tornara inimigo desde que o ex-presidente da ARENA e representante do
regime militar no Congresso deixara o partido governista e se juntara à
oposição. “Faixa a gente transfere para presidente. Não para vice, esse é um
impostor”, dizia Figueiredo, que deixou o Planalto assim que a votação no Congresso foi encerrada. Por outro lado, a mágoa que o último presidente da ditadura militar guardava do político
maranhense era bem menor que a resistência da caserna a Ulysses Guimarães.
Com a eclosão da ditadura, Jânio teve os direitos
políticos cassados e só tornou disputar uma eleição em 1985, quando derrotou o
tucano Fernando Henrique Cardoso e o petista Eduardo Matarazzo
Suplicy e se elegeu prefeito de São Paulo. Sua vitória surpreendeu a todos, inclusivo os institutos de pesquisa, tanto que o pomposo grão duque tucano se deixou fotografar aboletado
na cadeira de prefeito, o que levou Jânio a desinfetá-la ao
tomar posse, dizendo: "Estou desinfetando a poltrona porque nádegas
indevidas a usaram".
Em sua derradeira empreitada político-administrativa, Jânio repetiu seus lances populistas habituais: pendurou uma chuteira em seu gabinete
(para ilustrar o suposto desinteresse em prosseguir na política), proibiu jogos de sunga e de biquínis
fio-dental no Parque do Ibirapuera, forçou a demissão de alunos homossexuais da Escola de Balé do Teatro
Municipal, aplicou multas
de trânsito pessoalmente e fechou os oito cinemas que exibiriam no ano
seguinte (após o término de seu mandato, portanto) o filme A
Última Tentação de Cristo, por
considerá-lo desrespeitoso à fé cristã.
Ao mesmo tempo em que criava factoides midiáticos
estapafúrdios, o ex-presidente investiu na iluminação e pavimentação de centenas de
quilômetros de vias públicas, criou a Guarda Civil Metropolitana, abriu
os túneis da Avenida Juscelino Kubitschek, inaugurou o Corredor
Santo Amaro, reformou o Vale do Anhangabaú, restaurou
bibliotecas públicas e teatros (entre eles o Teatro Municipal) e concebeu
pessoalmente um sistema viário de múltiplos túneis que conectavam avenidas
vitais de São Paulo — obras caríssimas e complexas que foram interrompidas por sua imprestável sucessora, mas retomadas e concluídas pelo alcaide seguinte. Nesse meio tempo, ele se licenciou diversas vezes para cuidar tanto de sua saúde quanto
da de sua mulher, Eloá Quadros (falecida em 1990).
Jânio terminou sua derradeira gestão
com apenas 30% de aprovação e apoiou a candidatura de João Leiva (em detrimento de João
Mellão Netto e Marco Antonio Mastrobuono, que integraram seu secretariado). Mas quem venceu o pleito foi a petista paraibana Luíza Erundina (que,
juntamente com Celso Pitta e Fernando Haddad, compõe o trio dos piores
alcaides da história de São Paulo). Visivelmente abalado com a vitória do PT, o prefeito em final de mandato viajou para Londres (a pretexto de passar as festas de
final de ano na cidade que tanto admirava), deixado a cargo do secretário Claudio Lembo a incumbência de representá-lo
na cerimônia de posse da petista.
Foi também devido à saúde debilitada que Jânio declinou do convite do PDS
para disputar a presidência em 1989 e anunciou sua aposentadoria definitiva da
política. Após a morte de dona Eloá, passou o tempo de vida que lhe restava entre casas de repouso e
quartos de hospitais, e três derrames cerebrais mantiveram-no em estado vegetativo durante meses; Em 16 de fevereiro de 1992, ele finalmente passou desta para melhor, deixando de herança cerca de 70 imóveis — sua única filha, Dirce “Tutu” Quadros,
chegou a denunciá-lo por corrupção, e ela parecia saber das coisas: durante a Operação
Castelo de Areia, a PF revelou que Jânio tinha US$ 20
milhões depositados na Suíça em uma conta secreta.
Agora a cereja do bolo: Em agosto de 1991, exatos
30 anos após sua renúncia, sabendo que não lhe restava muito tempo de vida, o ex-presidente confidenciou ao neto os verdadeiros motivos de sua renúncia, e Jânio Quadros Neto os revelou em entrevista concedida ao Fantástico em 1999.
Como quem acompanhou atentamente esta sequência deve ter concluído, a renúncia foi uma
tentativa de golpe com o propósito de reassumir ungido pelo povo e, portanto, com mais poderes, mas as palavras que Jânio usou para explicá-la ao neto (depois de definir a presidência como “a suprema ironia, pois por um lado era um inferno, mas por outro era melhor que um orgasmo”) foram as seguintes:
Eu acreditava que não haveria ninguém para assumir a presidência e pensei que os militares, os governadores e principalmente o povo jamais aceitariam minha renúncia. Pensei que iriam exigir que eu ficasse no poder, porque Jango era inaceitável para a elite. Achei também que era impossível que ele assumisse porque todos iriam implorar para que eu ficasse.
Renunciei no Dia do Soldado porque queria sensibilizar os militares, conseguir o apoio deles. Imaginei que o povo iria às ruas seguido pelos militares. Os dois me chamariam de volta. Achei que voltaria para Brasília com glória.
Ao renunciar, eu pedi um voto de segurança a minha permanência no poder, porque isso é feito frequentemente pelos primeiros ministros lá na Inglaterra. E fui reprovado. Deu tudo errado.
A renúncia foi uma estratégia política que não deu certo e também foi o maior fracasso político da história republicana do país, o maior erro que cometi. E o país pagou um preço muito alto."