Se os brasileiros se preocupassem com a educação como se preocupam com o carnaval, se pensassem em mestres-escolas como pensam em mestres-salas e se fossem capazes de organizar a volta às aulas com a destreza com que organizam festas clandestinas em meio à pandemia, não haveria um único analfabeto nesta banânia, que que tampouco teria como presidente um psicopata que é avesso à educação, à ciência, ao meio-ambiente, à democracia e à cultura, que parece agir motivado por uma espécie de vingança rancorosa, perversa e destrutiva.
Numa democracia que se desse ao respeito, um mandatário dessa
estampa seria expelido do cargo e internado num manicômio; no país do futuro
que nunca chega, populistas delirantes contam desde sempre com o “dedo podre” de
um eleitorado majoritariamente apedeuta, que merece tanto o governante que tem
quanto ser internado junto com ele (ou sepultado, melhor ainda).
Nossa republiqueta de almanaque atravessou o século passado e
adentrou o atual combinando diferentes momentos históricos na mesma conjuntura,
como se houvesse múltiplos brasis dividindo o mesmo espaço territorial, mas
movendo-se através da história por rotas e linhas de tempo distintas, sem
qualquer senso de unidade. Daí Bolsonaro
não ser um acidente da política, mas sim um produto desses múltiplos brasis que
não conversam entre si. O que nos leva a duas perguntas: 1) Como resolver
constitucionalmente esse obstáculo? 2) Quem se habilita a derrotar o mandatário
de fancaria e seus extremistas?
O projeto do capitão das trevas é de uma clareza meridiana,
mas os planos dos luminares da oposição seguem obscuros. Só o que se ouve dos
ditos doutores na ciência da política é a necessidade do aguardo. Aguardar para
onde vai a economia, aguardar para onde caminhará a popularidade do presidente,
aguardar os efeitos da pandemia, aguardar o momento correto de fazer alianças,
aguardar a melhor conveniência de filiação partidária, e por aí vão os
oponentes, numa espera cujo resultado pode ser o de não alcançarem o propósito
pretendido.
Na campanha de 2018, o candidato Jair Messias Bolsonaro dizia que não concorreria a um segundo
mandato. Uma vez eleito e empossado, o presidente Jair Messias Bolsonaro assumiu jurou que não seria candidato à
reeleição. Mas a falsa promessa não durou um mês. Já em fevereiro, quando
demitiu Gustavo Bebianno, deu início
ao projeto da reeleição, escudado na opinião dos filhos, que estruturam o
plano. Fala-se inclusive que Dudu
Bananinha quer que o pai fique no cargo até 2026, quando ele, Dudu, poderá disputar o trono. Na cabeça
desse bando de malucos vivemos numa monarquia absolutista, onde o pai é rei e
os filhos, os príncipes herdeiros.
Com essa ideia na prancheta e nada na cabeça, o clã passou a
articular o novo mandato. Despiu-se do legalismo de Moro — que, com sua política de combate à corrupção, afastava o
bando do Centrão do núcleo duro do
poder —, defenestrou Mandetta da
Saúde, aparelhou a pasta e implantou a cultura da cloroquina no combate à Covid. De passagem, mandou às favas o
liberalismo de Paulo Guedes, criando, assim, condições objetivas para o
fortalecimento do toma-lá-dá-cá.
Sem os éticos a atrapalhar suas pretensões pouco
republicanas e cercado por militares de pijama pouco afeitos ao bem público, o
capitão da caverna sem luz arquiteta o segundo mandato — um escárnio, para quem
produziu mais de 250 mil mortes como a maior marca de seu governo — e se escora
nos que desejam romper o lacre do teto de gastos para promover uma gastança
eleitoreira sem precedentes.
Bolsonaro
aprendeu com Lula, o impoluto, que
engordava a barriga dos nordestinos com o Bolsa Família, e agora quer fazer com
que os pobres abandonem o berço petista e se deitem na cama bolsonarista — um
governo do regime militar disfarçado de civil — usando o dinheiro dos
contribuintes para bancar seu projeto de se eternizar no poder.
Indecisos por definição, os tucanos — que mijam no corredor em casa que tem mais de
um banheiro — entraram em parafuso depois de perder a presidência para Lula em 2002 e não conseguir recuperá-la
em 2010 ― e teriam conseguido se não tivessem transformado o PSDB num cemitério de egos que brigam
entre si como treinamento para lutar contra os verdadeiros adversários. Agora, fiéis
à dubiedade que sempre os caracterizou, os tucanos expõe na vitrine de
presidenciáveis João Doria e Eduardo Leite). Divide ut regnes,
ensinou Maquiavel, mas é bom não
perder de vista que a união faz a força e que, em determinados casos, menos é
mais.
Pela esquerda, o criminoso condenado já orientou seu
patético bonifrate a cair na estrada (talvez caia mesmo, e jamais torne a se
levantar). Ciro Gomes, que concorreu
em 1989, 1994, 1998, 2002, 2006, 2010, 2014 e 2018 e só ganhou experiência, prepara-se
para mais uma tentativa inglória de ser presidente do Brasil. O PCdoB deve levar à disputa o atual
governador do Maranhão, Flavio Dino,
e o Psol, o agora réu Guilherme Boulos.
Especula-se que Mandetta,
Moro e Amoedo corram pela raia central, mas parece que nenhum deles se deu
conta do curto espaço de tempo que separa a intenção da necessidade de falar ao
público na condição de candidatos ou desocupar a moita. O que se vê é uma
indecisão pretensamente estudada, travestida de sábia precaução, talvez porque
tudo o que fizerem ou disserem a partir de agora terá como referência a
perspectiva presidencial — qualquer conversa com qualquer um deles incluirá indagações
sobre o que pensam em fazer diferente de Bolsonaro
caso consigam desalojá-lo do Planalto. Uma postura incongruente com a ideia
defendida por alguns deles sobre a urgência da interrupção do mandato do atual
mandatário, pois eles deveriam ser os primeiros a ter em mãos um cardápio
pronto com as coisas que precisariam ser removidas e aquilo a ser posto no
lugar. Isso com organização, senso de urgência, noção de prioridade,
conhecimento de causa, linguagem inteligível para a maioria e coragem para dar
o primeiro passo na caminhada em que Bolsonaro
está léguas adiante, tocando sua campanha sem oponentes no campo objetivo do
embate de projeto de país.
Bolsonaro abriu
expressiva dianteira e enormes flancos que seus adversários poderiam explorar
dizendo-se — à moda de Joe Biden,
que logo de início revogou decisões do antecessor consideradas prejudiciais aos
Estados Unidos — dispostos a rever posições da atual gestão nos campos interno
e externo que levaram o Brasil a retroceder no trato do meio ambiente, na
diplomacia, no manejo da saúde pública, na produção de cultura e até na
confiança na firmeza da democracia. Seria um bom início de conversa apresentar
uma lista dessas — e bem objetiva, para que o eleitorado veja com clareza o que
cada um faria para, além de melhor governar, consertar as obras de
desconstrução em diversos setores do país levadas a cabo pelo mandatário a que
entrará para história como um dos piores presidentes de todos os tempos.