terça-feira, 2 de março de 2021

O PAÍS DO FUTURO INCERTO E PASSADO DUVIDOSO


Se os brasileiros se preocupassem com a educação como se preocupam com o carnaval, se pensassem em mestres-escolas como pensam em mestres-salas e se fossem capazes de organizar a volta às aulas com a destreza com que organizam festas clandestinas em meio à pandemia, não haveria um único analfabeto nesta banânia, que que tampouco teria como presidente um psicopata que é avesso à educação, à ciência, ao meio-ambiente, à democracia e à cultura, que parece agir motivado por uma espécie de vingança rancorosa, perversa e destrutiva.

Numa democracia que se desse ao respeito, um mandatário dessa estampa seria expelido do cargo e internado num manicômio; no país do futuro que nunca chega, populistas delirantes contam desde sempre com o “dedo podre” de um eleitorado majoritariamente apedeuta, que merece tanto o governante que tem quanto ser internado junto com ele (ou sepultado, melhor ainda).

Nossa republiqueta de almanaque atravessou o século passado e adentrou o atual combinando diferentes momentos históricos na mesma conjuntura, como se houvesse múltiplos brasis dividindo o mesmo espaço territorial, mas movendo-se através da história por rotas e linhas de tempo distintas, sem qualquer senso de unidade. Daí Bolsonaro não ser um acidente da política, mas sim um produto desses múltiplos brasis que não conversam entre si. O que nos leva a duas perguntas: 1) Como resolver constitucionalmente esse obstáculo? 2) Quem se habilita a derrotar o mandatário de fancaria e seus extremistas?

O projeto do capitão das trevas é de uma clareza meridiana, mas os planos dos luminares da oposição seguem obscuros. Só o que se ouve dos ditos doutores na ciência da política é a necessidade do aguardo. Aguardar para onde vai a economia, aguardar para onde caminhará a popularidade do presidente, aguardar os efeitos da pandemia, aguardar o momento correto de fazer alianças, aguardar a melhor conveniência de filiação partidária, e por aí vão os oponentes, numa espera cujo resultado pode ser o de não alcançarem o propósito pretendido.

Na campanha de 2018, o candidato Jair Messias Bolsonaro dizia que não concorreria a um segundo mandato. Uma vez eleito e empossado, o presidente Jair Messias Bolsonaro assumiu jurou que não seria candidato à reeleição. Mas a falsa promessa não durou um mês. Já em fevereiro, quando demitiu Gustavo Bebianno, deu início ao projeto da reeleição, escudado na opinião dos filhos, que estruturam o plano. Fala-se inclusive que Dudu Bananinha quer que o pai fique no cargo até 2026, quando ele, Dudu, poderá disputar o trono. Na cabeça desse bando de malucos vivemos numa monarquia absolutista, onde o pai é rei e os filhos, os príncipes herdeiros.

Com essa ideia na prancheta e nada na cabeça, o clã passou a articular o novo mandato. Despiu-se do legalismo de Moro — que, com sua política de combate à corrupção, afastava o bando do Centrão do núcleo duro do poder —, defenestrou Mandetta da Saúde, aparelhou a pasta e implantou a cultura da cloroquina no combate à Covid. De passagem, mandou às favas o liberalismo de Paulo Guedes, criando, assim, condições objetivas para o fortalecimento do toma-lá-dá-cá.

Sem os éticos a atrapalhar suas pretensões pouco republicanas e cercado por militares de pijama pouco afeitos ao bem público, o capitão da caverna sem luz arquiteta o segundo mandato — um escárnio, para quem produziu mais de 250 mil mortes como a maior marca de seu governo — e se escora nos que desejam romper o lacre do teto de gastos para promover uma gastança eleitoreira sem precedentes.

Bolsonaro aprendeu com Lula, o impoluto, que engordava a barriga dos nordestinos com o Bolsa Família, e agora quer fazer com que os pobres abandonem o berço petista e se deitem na cama bolsonarista — um governo do regime militar disfarçado de civil — usando o dinheiro dos contribuintes para bancar seu projeto de se eternizar no poder.

Indecisos por definição, os tucanos — que mijam no corredor em casa que tem mais de um banheiro — entraram em parafuso depois de perder a presidência para Lula em 2002 e não conseguir recuperá-la em 2010 ― e teriam conseguido se não tivessem transformado o PSDB num cemitério de egos que brigam entre si como treinamento para lutar contra os verdadeiros adversários. Agora, fiéis à dubiedade que sempre os caracterizou, os tucanos expõe na vitrine de presidenciáveis João Doria e Eduardo Leite). Divide ut regnes, ensinou Maquiavel, mas é bom não perder de vista que a união faz a força e que, em determinados casos, menos é mais.

Pela esquerda, o criminoso condenado já orientou seu patético bonifrate a cair na estrada (talvez caia mesmo, e jamais torne a se levantar). Ciro Gomes, que concorreu em 1989, 1994, 1998, 2002, 2006, 2010, 2014 e 2018 e só ganhou experiência, prepara-se para mais uma tentativa inglória de ser presidente do Brasil. O PCdoB deve levar à disputa o atual governador do Maranhão, Flavio Dino, e o Psol, o agora réu Guilherme Boulos.

Especula-se que Mandetta, Moro e Amoedo corram pela raia central, mas parece que nenhum deles se deu conta do curto espaço de tempo que separa a intenção da necessidade de falar ao público na condição de candidatos ou desocupar a moita. O que se vê é uma indecisão pretensamente estudada, travestida de sábia precaução, talvez porque tudo o que fizerem ou disserem a partir de agora terá como referência a perspectiva presidencial — qualquer conversa com qualquer um deles incluirá indagações sobre o que pensam em fazer diferente de Bolsonaro caso consigam desalojá-lo do Planalto. Uma postura incongruente com a ideia defendida por alguns deles sobre a urgência da interrupção do mandato do atual mandatário, pois eles deveriam ser os primeiros a ter em mãos um cardápio pronto com as coisas que precisariam ser removidas e aquilo a ser posto no lugar. Isso com organização, senso de urgência, noção de prioridade, conhecimento de causa, linguagem inteligível para a maioria e coragem para dar o primeiro passo na caminhada em que Bolsonaro está léguas adiante, tocando sua campanha sem oponentes no campo objetivo do embate de projeto de país.

Bolsonaro abriu expressiva dianteira e enormes flancos que seus adversários poderiam explorar dizendo-se — à moda de Joe Biden, que logo de início revogou decisões do antecessor consideradas prejudiciais aos Estados Unidos — dispostos a rever posições da atual gestão nos campos interno e externo que levaram o Brasil a retroceder no trato do meio ambiente, na diplomacia, no manejo da saúde pública, na produção de cultura e até na confiança na firmeza da democracia. Seria um bom início de conversa apresentar uma lista dessas — e bem objetiva, para que o eleitorado veja com clareza o que cada um faria para, além de melhor governar, consertar as obras de desconstrução em diversos setores do país levadas a cabo pelo mandatário a que entrará para história como um dos piores presidentes de todos os tempos.