quarta-feira, 12 de maio de 2021

SÓ O GADO MAIS TONTO VOTA NO PRÓPRIO AÇOUGUEIRO

 



Em depoimento  à CPI da Covid nesta terça-feira, o diretor-presidente da Anvisa disse que tanto a sua posição quanto a da Agencia são contrárias às do presidente Bolsonaro em relação ao “tratamento precoce”, políticas de vacinação e uso da cloroquina. Disse também divergir sobre “termo de responsabilidade” e o folclórico “se você virar um jacaré, é problema seu” — , e que não acha razoável negar a importância da vacinação. Barra Torres confirmou o depoimento de Mandetta sobre reunião no Palácio do Planalto da qual participaram o ministro Braga Netto e a médica Nise Yamaguchi, e que foi a médica quem defendeu a (descabida) mudança na bula da cloroquina para incluir no texto sua eficiência no tratamento da Covid (para mais detalhes, clique aqui).

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Segundo reportagem publicada no jornal O Estado de S.Paulo, o governo federal montou, no final do ano passado, um esquema para ampliar sua base de apoio político no Congresso através de um “orçamento paralelo” — uma anomalia dentro do Orçamento da União que distribuiu secretamente pelo menos R$ 3 bilhões em verbas públicas para 37 parlamentares governistas.

Nada a ver com as tradicionais emendas orçamentárias que deputados e senadores têm o direito de pendurar no Orçamento para enviar verbas aos seus redutos eleitorais. Trata-se de dinheiro extra, liberado no escurinho, longe dos olhares dos órgãos de controle. Uma parcela substancial desse recurso foi destinada à compra de tratores e equipamentos agrícolas por preços superfaturados em até 259% (com base nos valores de referência estabelecidos pelo próprio governo).

Em três meses, 101 ofícios foram enviados por deputados e senadores ao Ministério do Desenvolvimento Regional e a órgãos vinculados com o objetivo de indicar à pasta como os parlamentares desejavam utilizar o dinheiro. Uma vez que os acordos para montar esse orçamento paralelo não são regidos por uma legislação específica, não há qualquer obrigação de dividir o bolo de forma igualitária e, consequentemente, acabam beneficiando “os amigos do rei”.

Ironicamente, Bolsonaro vetou a tentativa do Congresso de impor os recursos de emendas RP9 por considerar que isso “contraria o interesse público” e estimula o “personalismo”, mas ele próprio passou a ignorar o veto quando se amancebou com o Centrão e moveu mundo e fundos (principalmente fundos) para entregar a presidência da Câmara a Arthur Lira e a do Senado a Rodrigo Pacheco

Quando o STF negou a Alcolumbre a possibilidade de se reeleger presidente do Senado, o parlamentar — um dos principais aliados de Bolsonaro no Congresso —  buscou o apoio do PT para eleger Pacheco. Segundo a reportagem, seriam necessários 34 anos para o senador demista manejar os R$ 277 milhões do Ministério do Desenvolvimento Regional por meio das emendas parlamentares individuais que garantem a cada congressista R$ 8 milhões ao ano.  

A reportagem traz ofícios dos parlamentares para o MDR indicando a destinação da verba. Neles, os parlamentares tratam a verba pública como se fosse dinheiro grátis. É a “minha cota”, anotou um dos beneficiários. “Eu fui contemplado”, escreveu outro felizardo. Esses são “recursos a mim destinados”, lê-se em outro documento. Foi dessa última forma que a deputada Flávia Arruda, atual ministra da Secretaria de Governo, dirigiu-se à a Codevasf para definir o destino de R$ 5 milhões. “Não me lembro. Codevasf?”, perguntou a parlamentar ao Estadão. Ao ler o documento, Flávia desconversou: “É tanta coisa que a gente faz que não sei exatamente do que se trata”. Nem tudo, porém, é registrado. O senador Rodrigo Cunha admitiu que “ditou” para o ministro Marinho onde R$ 7 milhões deveriam ser aplicados.

O ex-presidente do Senado informou por meio de sua assessoria que não existe nenhum documento oficial tratando de recursos ou emendas em nome de qualquer parlamentar, e que não vai comentar sobre planilhas não oficiais. De todos os parlamentares listados em documento do governo obtido pelo EstadãoAlcolumbre foi o único a negar a indicação. O deputado Lúcio Mosquini disse que apenas garantiu a verba e que, “daí em diante, é com a prefeitura e o governo”.  Por meio da Lei de Acesso à Informação, o Ministério do Desenvolvimento Regional reconheceu que os parlamentares definiram como e onde aplicar R$ 3 bilhões de verbas próprias da pasta: “Os recursos oriundos de emenda do relator-geral foram executados conforme definição do Congresso Nacional”.

O caso pede investigação, diz Josias de Souza, pois lembra episódios antigos, como o escândalo dos anões do Orçamento e a Máfia dos sanguessugas, que superfaturava a compra de ambulâncias destinadas a prefeituras. O brasileiro que sonha com uma transformação dos costumes políticos fica com a impressão de que está novamente diante de uma velha praga nacional: a Síndrome do Quase. A higienização da política quase foi alcançada quando as ruas forçaram o Congresso a escorraçar Collor do poder. A assepsia quase foi obtida quando foram cassados os mandatos de meia dúzia de anões do Orçamento. A purificação quase chegou quando o STF mandou para a cadeia a cúpula do PT e os empresários enrolados no mensalão. A nova investida contra o Orçamento indica que o impeachment de Dilma e as prisões da Lava-Jato, agora em fase de relaxamento, não eliminaram a maldição do quase. Infelizmente, a democracia brasileira não consegue se livrar do código de barras.

Criada à época da ditadura com vistas à transposição do Velho Chico, a Codevasf se tornou a preferida de deputados e senadores, principalmente do Centrão, pela capacidade de executar obras e entregar máquinas aos municípios e Estados mais rapidamente do que o governo — sendo uma estatal, a entidade tem regras de contratação mais flexíveis do que um ministério; neste ano, conseguiu um orçamento recorde de R$ 2,73 bi, composto principalmente por emendas. Na prática, o governo transformou a “estatal do Centrão” num duto de recursos para atender interesses eleitorais.

Como mostrou o Estadão, boa parte dos recursos do orçamento secreto é destinada à compra de tratores e equipamentos agrícolas com valor acima da tabela de referência. Documentos obtidos pelo jornal revelam que um grupo de aliados do governo determinou o que comprar, por quanto e indicou a Codevasf como o órgão que deveria fazer a operação, o que contraria leis orçamentárias. A agilidade na “entrega” é essencial para o prestígio eleitoral dos parlamentares em suas bases. Mas, se a transposição das águas do São Francisco ainda é um sonho para moradores da bacia hidrográfica do rio, a distribuição dos recursos da Codevasf já está sendo ampliada. 

Na sua criação, em 1974, a empresa atendia 504 municípios, o que representava 7,4% do território brasileiro. Sua área original incluía apenas Alagoas, Bahia, um pedaço de Goiás e de Minas, Pernambuco e Sergipe — por onde correm o rio, seus afluentes e subafluentes —, além de Brasília, sede da companhia. Por decisão de Bolsonaro, ela se estende agora ao Amapá, reduto do senador Davi Alcolumbre, ao Rio Grande do Norte, base do ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, e à Paraíba, do deputado Wellington Roberto, líder do PL na Câmara.

Desde que o capitão assumiu a Presidência, a área de atuação da Codevasf cresceu de 27,05% para 36,59% do território nacional. Chegou ao Sul da Bahia, passou a cobrir quase todo o Ceará, o litoral de Pernambuco, o Sul de Goiás e grandes trechos do Pará e de Minas, atingindo a divisa de São Paulo. A empresa atende hoje 2.675 municípios em 15 Estados, além do Distrito Federal. A ampliação não tem freio. O Senado já aprovou proposta para a estatal atuar no Amazonas, em Roraima e no Sul de Minas. A companhia também passou a operar no clima equatorial úmido da floresta do Amapá.

A sede da Codevasf em Macapá foi inaugurada no dia 16 de abril, com a presença de Alcolumbre. Em uma empresa que não gera receitas próprias, o ex-presidente do Senado foi responsável por determinar o capital inicial de R$ 81 milhões para projetos no Amapá, com aval do Palácio do Planalto. Enquanto isso, a diretoria executiva da estatal, composta por quatro indicados do Centrão, aprovava a criação de mais quatro Superintendências Regionais, além das oito já existentes. As novas SRs ficarão em Macapá, Goiânia, Palmas e Natal — as duas últimas, aliás, são as bases do líder do governo no Congresso, Eduardo Gomes, e do ministro Rogério Marinho, que estuda concorrer ao governo do Rio Grande do Norte.

O diretor-presidente da Codevasf é o engenheiro baiano Marcelo Moreira, ex-funcionário da Odebrecht, indicado em 2019 pelo deputado Elmar Nascimento com respaldo do então ministro da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos, hoje chefe da Casa Civil. À época, Ramos disse ao Estadão que Elmar fez a indicação porque era líder do DEM, partido que votava “com o governo”.

O Progressistas, por sua vez, tem dois nomes na diretoria executiva da Codevasf. O primeiro é Luís Napoleão Casado Arnaud Neto, homem da confiança de Arthur Lira e diretor da Área de Gestão dos Empreendimentos de Irrigação. Já o diretor da Área de Revitalização de Bacias Hidrográficas é Davidson Tolentino de Almeida, ligado ao presidente do partido, senador Ciro Nogueira. O diretor de Desenvolvimento Integrado e Infraestrutura da CodevasfAntônio Rosendo Neto Júnior, também tem um padrinho, o senador governista Roberto Rocha

ObservaçãoProcurada, a Codevasf disse que as “nomeações atendem as disposições legais e os normativos internos”. O Palácio do Planalto não se manifestou. 

Na prática, a origem do novo esquema está no discurso de Bolsonaro de não distribuir cargos, sob o argumento de não lotear o primeiro escalão do governo. De um jeito ou de outro, a moeda de troca se deu por meio da transferência do controle de bilhões de reais do orçamento ao Congresso. Tudo a portas fechadas, longe do olhar dos eleitores. 

Em atenção aos que têm memória curta (ou seletiva), relembro que o então candidato Jair Bolsonaro fez elogios rasgados à Lava-Jato e chamou Sergio Moro para comandar seu ministério da Justiça e Segurança Pública (edulcorando o convite com a promessa de indicar o então juiz federal para a vaga que se abriria no STF com a aposentadoria do decano Celso de Mello). Cansado de engolir sapos e beber a água da lagoa, Moro desembarcou do governo e afirmou que a gota d’água que o fez regurgitar foi a insistência do presidente em interferir politicamente na Polícia Federal.

inquérito aberto no STF para apurar as declarações de ambos avançou rapidamente, mas perdeu o ímpeto em outubro do ano passado, depois que Celso de Mello se aposentou e a relatoria passou para Alexandre de Moraes. A última informação que se tem a respeito é a de que o togado prorrogou o prazo da investigação por mais 90 dias, visto que ainda haverá o que apurar após a oitiva de Bolsonaro, mas ainda não se decidiu sequer se o chefe do Executivo deverá depor presencialmente ou poderá fazê-lo por escrito.

Passados cinco meses da demissão de Moro, o presidente afirmou candidamente que acabou com a operação Lava-Jato porque não havia mais corrupção no governo. “Eu desconheço um lobby para criar dificuldade para vender facilidade. Não existe. É um orgulho, é uma satisfação que eu tenho, dizer a essa imprensa maravilhosa que eu não quero acabar com a Lava-Jato. Eu acabei com a Lava-Jato porque não tem mais corrupção no governo. Eu sei que isso não é virtude, é obrigaçãoNós fazemos um governo de peito aberto. Quando eu indico qualquer pessoa pra qualquer local, eu sei que é uma boa pessoa, tendo em vista a quantidade de críticas que ela recebe em grande parte da mídia”, disse o “mito”. 

Sobre essa fala do presidente, mas sem citá-la expressamente, Moro tuitou que as tentativas de acabar com a Lava-Jato representam a volta da corrupção, o triunfo da velha política e dos esquemas que destroem o Brasil e fragilizam a economia e a democracia. “Valerá a pena se transformar em uma criatura do pântano pelo poder?”, escreveu o ex-ministro.

Diante do exposto, encerro relembrando a frase que usei como título da postagem publicada em 30 de outubro de 2019: NÃO HÁ ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL; O BRASIL É UMA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA!