Em 1965, o diretor italiano Mario Monicelli
mostrou ao mundo o satírico filme O
Incrível Exército de Brancaleone, baseado no livro Dom Quixote de La Mancha,
do escritor espanhol Miguel
de Cervantes. Contextualizado na baixa idade média, o enredo aborda o
trinômio “peste, guerra e fome” e revolve as
A exposição da morbidez se alterna entre momentos de maior
tensão, crueldade e outros mais maliciosos, nos quais surge uma impressão de
desgosto pelo senso de putrefação da vida, pelo desmoronamento das leis
sociais, pela dissolução de toda possibilidade de bem-estar e de felicidade
humana. Com extrema habilidade, a descrição mistura tanto acontecimentos
realísticos quanto imaginários.
O diretor recria uma atmosfera opressora, um espetáculo de
desolação, mas também mostra que, diante de um cenário apocalíptico como
aquele, a reação de grande parte das pessoas, paradoxalmente, não foi
deprimir-se e rezar, pretendendo expiar os próprios pecados. Pelo contrário. Depois
de uma primeira fase de desespero e desordem, o que prepondera é o sentimento
de honra, especialmente o da cavalaria medieval.
Brancaleone busca herança consistente num feudo,
apoiando-se em um punhado de delinquentes frugalmente armados, covardes, que
querem escapar do banditismo sem arrostar perigo. A esse agrupamento, ele chama
de “meu exército”, e tenta cumprir sua missão. Valendo-se de pantomima, Bolsonaro
tenta governar o país. Assim, criou-se uma falsa divisão ideológica, quando na
verdade o que se tem é o personalismo presidencial.
Admitindo a divisão clássica — para efeito de argumentação —,
a esquerda jogou fora o poder por insistência no erro: a dilapidação da
economia nos governos Dilma com a chamada “nova matriz
econômica” (coisa de demente que possibilitou uma intervenção forte do
governo); a concepção estatizante, entre outras áreas, na exploração de
petróleo; a utilização dos bancos públicos para criar artificialmente os “gigantes
nacionais”; o aparelhamento das instituições; obras despropositadas, como a
criação de universidades federais sem qualquer sintonia com a realidade, a
exemplo da Universidade Federal da
Integração Latino-Americana, que atualmente está com seleção aberta
para o ingresso de povos indígenas aldeados do Brasil, Argentina, Bolívia,
Chile, Equador, Colômbia, Uruguai, Venezuela, Paraguai e Peru; entre tantas
outras bizarrices.
Já a direita que ocupa as ruas é mentecapta e irracional:
não acredita em aquecimento global; é a favor do contingenciamento de verbas
para educação a fim de se diminuir a quantidade dos cursos de “humanas” — sem
levar em conta que esses profissionais, por baixíssima valorização , são os que
acabam alfabetizando as crianças mais pobres no ensino fundamental—; crê que Hitler
era de esquerda; quer um armamento incondicional da população e tantas outras
bobagens que acabam por confundir, nessa barafunda, quem é de direita com quem
é louco.
O Marxismo-Leninismo criou cultura por atavismo: é detentor do direito de defender “os descamisados”; as bandeiras sociais; os privilégios do funcionalismo público; a proteção das empresas nacionais; as altas alíquotas de impostos para financiar programas de assistência como o “bolsa maconha” e o “bolsa preso”. E ponto.
A
direita, por não gozar dessa ancestralidade, precisa ser culta, estudar,
apresentar soluções que melhorem “definitivamente” as condições de vida da
população: as reforma da Previdência e Tributária; a demissão de
incompetentes estáveis; a criação de partidos políticos fortes com a eliminação
de cerca de 30 siglas eivadas de vendilhões; a adoção de sistema distrital misto, sem
lista fechada; a extinção de órgãos absolutamente inúteis como o CNMP e CNJ;
uma reforma política mais ousada, com o fim do Senado Federal (porque deixou de
ser uma casa revisora e todas as suas funções podem ser encampadas pela Câmara
dos Deputados); a redução de cerca de metade dos membros da Câmara Baixa
porque, ao contrário do que se pensa, quanto mais pessoas, mais confusão para
se resolver as questões substanciais da Nação; e por aí vai.
Em suma, temos nas duas casas mais ou menos 80% de “Zé-Manés”,
mas com um grau de esperteza digno de ser esculpido por uma Adriana
Varejão. A dicotomia entre conservadorismo e agenda de metas avançada é
mera empulhação. É perfeitamente possível que alguém que defenda o aumento de
penas e adoção de dificuldades para progressão de latrocidas, estupradores,
pistoleiros e grandes traficantes, e se posicione igualmente pela legalização
da maconha, desencarceramento de pequenos delinquentes, com a expansão de penas
alternativas, e a aplicação do direito sem vingança, como ele é.
Até agora, Bolsonaro protagonizou polêmicas para
satisfazer quem o suporta e antagonizar quem o renega. Tem um traço em comum
com Lula, o “ex-corrupto”: o discurso direto e iletrado (tanto
que as pesquisas revelam que ambos se encontram no mesmo patamar de votos), e também
se equipara a Dilma na capacidade de criar com o lugar comum (basta
abrir a boca). Ambos são Ofélias.
Bolsonaro tem um ativo positivo na política: elimina,
mata e aniquila para sobreviver. Não cozinha o galo, como muitos dos seus
antecessores. É um carcará. Exerce como nenhum outro presidente a prerrogativa
do poder original, o do voto. Faz o seu entorno perceber que tem uma parcela do
poder, mas que essa parcela de poder é derivada do presidente. Mesmo em relação
a outros Poderes, o capitão tenta mostrar que é maior. Ano passado, num almoço
com os presidentes Toffoli, Maia e Alcolumbre, levou seus
ministros. Como a dizer que só aceita conversação às claras. Jânio e Collor
tentaram esse método e se esborracharam.
Bolsonaro se comporta como um vereador de roça. “Seu exército” é constituído de tuiteiros e boquirrotos. Em algum momento, a crise lhe cobrará a fatura. Quanto a confiar no povo, basta lembrar que o povo matou Cristo.
Com Demóstenes Torres (ex-presidente da Comissão de
Constituição e Justiça do Senado Federal, procurador de Justiça aposentado e
advogado).