quinta-feira, 2 de setembro de 2021

ZERO ZERO, ZERO UM, ZERO DOIS, ZERO TRÊS, ZERO QUATRO, E FALTAM 05 DIAS PARA 7 DE SETEMBRO

 

Na manhã da terça-feira 31, Bolsonaro participou da cerimônia de inauguração do Complexo de Captação e Tratamento de Água Deputado Luiz Humberto Carneiro, em Uberlândia (MG). No aeroporto do município mineiro, uma penca de apoiadores o aguardava e, a exemplo dele, quase ninguém usava máscara de proteção — afinal, é preciso enfrentar essa "gripezinha" como homem!

Nosso indômito capitão, que chegou ao local da cerimônia cavalgando um garboso corcel, discursou de improviso para a claque de apoiadores. Ao fundo, uma música na voz de César Menotti e Fabiano falava sobre a superação de obstáculos. Um espetáculo emocionante! 

À tarde, para, para não perder o hábito, o mandatário promoveu mais uma de suas motociatas. Na semana passada, ele já havia participado de um evento desse tipo em Goiânia, também durante o horário de expediente. Foi a nona motociata desde maio, mas a primeira em um dia de semana. Governar que é bom, néris de pitibiriba.

No discurso, nosso morubixaba asseverou que as manifestações do próximo dia 7 "ficarão dentro das quatro linhas da Constituição". Nossa Carta Magna tem 245 artigos e mais de 1,6 mil dispositivos, mas ele não deve saber disso: segundo o historiador e professor Marco Antonio Villa, Bolsonaro nunca leu um livro, quanto mais a Constituição.

Comenta-se que a expectativa de Bolsonaro, nas manifestações do dia da Independência, é reunir o maior número possível de apoiadores para ganhar fôlego em meio à maior queda de popularidade registrada desde o início de sua indigesta gestão. Talvez fosse melhor envidar esforços para mitigar a crise institucional criada por ele próprio para desviar a atenção das crises sanitária, econômica e social que não é capaz de resolver (talvez porque, como bem pontuou o poeta, escritor e jornalista paraibano José Nêumanne, antes de ser eleito presidente o presidente jamais administrou sequer um prosaico carrinho de pipoca em porta de cinema).

Bolsonaro vem colecionando revezes com a mesma rapidez que comete crimes de responsabilidade. E quanto mais acuado se sente, mais beligerante se torna. Não fosse a complacência cúmplice de Arthur Lira e a cumplicidade complacente de Augusto Aras, já estaria procurando outro emprego — Collor e Dilma caíram por muito menos.

Por falar em Aras, sua recondução foi útil ao capitão mas não se deu por obra e graça deste. Na irretocável definição de Josias de Souza, o que houve foi uma "momentânea e inusitada despolarização da política brasileira, que reuniu na mesma trincheira bolsonaristas e petistas, gente do centrão e da oposição, tucanos e troianos".

Tanto na sabatina na CCJ do Senado, que aprovou Aras por 21 votos a 6, quanto na sessão plenária do Senado (que chancelou sua indicação por 55 votos a 10), rivalidades político-partidárias e divergências ideológicas deram lugar a um conluio suprapartidário.

O nome de Aras foi sugerido a Bolsonaro, em 2019, pelo deputado e coronel da reserva Alberto Fraga, da bancada da bala, envolvido até os tampos em denúncias de corrupção.  A demora na nomeação foi entremeada por discursos e comentários do clã Bolsonaro (e de seu chefe) de que o ideal seria um Ministério Público que “não atrapalhasse” o governo. E os fatos falam por si.

Com mais dois anos pela frente da PGR, é possível que Aras roube de Geraldo Brindeiro — que ocupou o cargo durante os dois mandatos de FHC — o honorável título de "engavetador-geral da República" (que foi merecidamente conferido a Brindeiro graças a sua atuação escancaradamente parcial e protecionista, pela obviedade de não dar encaminhamento a nenhuma denúncia envolvendo os membros do governo e aliados, nem mesmo a da “pasta-rosa” e da compra de votos da PEC da reeleição — escândalos com todos os elementos passíveis de investigação e provas abundantes de crimes).

Em comum com Brindeiro, além da nomeação sem participação da categoria, Aras é de uma fidelidade a quem o nomeou para o cargo que beira a submissão de um vassalo a seu suserano. É a exata antítese do que afirmou o então decano Celso de Mello, do STF, sobre o "o Ministério Público não servir a governos, não servir a pessoas, não servir a grupos ideológicos, não se subordinar a partidos políticos, não se curvar à onipotência do poder ou aos desejos daqueles que o exercem, não importando a elevadíssima posição que tais autoridades possam ostentar na hierarquia da República".

Senadores que frequentam o patíbulo do Judiciário ouviram as palavras do candidato à recondução como quem ouvia música. O sabatinado disse ter trabalhado "sem espetáculo midiático". Atacou a falecida Lava-Jato, os "vazamentos seletivos" e a "criminalização da política." Foi como se ele transformasse a forca num inofensivo instrumento de corda. Ficou entendido que o Senado continua sendo uma Casa majoritariamente feita de investigados, denunciados e cúmplices.

Ao compactuar com a insanidade sanitária de Bolsonaro, o uso de documento falso do TCU para reduzir a pilha de 580 mil cadáveres da pandemia, a demora na compra de vacinas, as suspeitas de corrupção, o menosprezo à devastação ambiental e o diabo a quatro, Aras como que cometeu uma pazuellada.

Ao depor na CPI, o ex-ministro da Saúde — que distribuía kits-covid enquanto a população de Manaus morria por falta de oxigênio hospitalar e chegou a enviar para o Amapá as doses de vacina que se destinavam ao Amazonas — classificou de "coisa de internet" a ordem que recebeu de Bolsonaro para revogar o compromisso de compra de 46 milhões de doses da Coronavac.

Aras adotou a mesma fórmula ao tentar explicar sua inércia diante das mentiras de Bolsonaro sobre o processo eleitoral, das ameaças às instituições e dos arroubos antidemocráticos. "Às vezes as bravatas da internet, as bravatas ditas numa live não têm nenhuma propensão ou aptidão para se transformar em realidade. E as vezes também temO desafio do Ministério Público é separar este joio do trigo." O sabatinado não foi contraditado.

Coube ao senador Eduardo Braga, líder do MDB e membro da CPI do Genocídio — ele integra o G7, grupo majoritário que imprime à investigação parlamentar um viés antigovernista — exercer o papel de relator da recondução do procurador de estimação de Bolsonaro na CCJ do Senado

A exemplo de outros senadores da CPI que pegaram em lanças por Aras entre os quais Renan Calheiros, cujo relatório final atribuirá ao presidente vários crimes, tanto comuns quanto de responsabilidade —, Braga soou francamente favorável à permanência do esbirro do capitão na PGR, embora seja grande a chance de o pedaço criminal do relatório de Renan ir parar no gavetão do procurador-geral.

Voltando ao clã dos Bolsonaro, o TJ-RJ determinou a quebra dos sigilos bancário e fiscal do pitbull da famiglia no escopo da investigação que trata da contratação de funcionários "fantasmas". Pela primeira vez desde o início da investigação, há dois anos, o Ministério Público do Rio levanta a possibilidade de um esquema de "rachadinha" no gabinete de Zero Dois na Câmara Municipal carioca. Outras 26 pessoas e sete empresas também tiveram os sigilos quebrados.

Costuma-se dizer que "o futuro a Deus pertence", mas o clã Bolsonaro vive desde logo a síndrome do que está por vir. Tanto o pai dos filhos quanto os filhos do pai se tornaram clientes de caderneta do Judiciário. 

No mesmo dia em que a 2ª Turma do STF adiou o julgamento sobre o foro privilegiado do Zero Um no caso da rachadinha estadual, veio à luz a notícia de que a Justiça quebrou os sigilos bancário e fiscal de Zero Dois no inquérito que apura a rachadinha municipal.

A dupla segue um vício introduzido no seio familiar pelo próprio Bolsonaro. Numa evidência de que quem sai aos seus não endireita, os filhos imitam o pai na prática de embolsar parte do salário dos assessores. 

Os Bolsonaro consolidam-se como uma organização familiar cujo futuro está sub judice. Tomado pelas pendências que acumula no STF e no TSE, o pai de todos tem a aparência de um delinquente em série. Acumula pelo menos sete processos — quatro no Supremo, onde correm as investigações sobre aparelhamento da PF, prevaricação no caso da Covaxin, ataques às urnas eletrônicas e vazamento de inquérito sigiloso; três no TSE, onde tramitam o inquérito das mentiras sobre urnas eletrônicas, e um par de pedidos de cassação da chapa Bolsonaro-Mourão.

A rachadinha no gabinete de Zero Um resultou numa denúncia em que o primogênito é acusado de peculato, organização criminosa e lavagem de dinheiro. Zero Dois arrasta pela conjuntura um inquérito que prenuncia a repetição da trajetória do irmão. Zero Três é alvo de uma investigação preliminar sobre a utilização de R$ 150 mil em dinheiro vivo na compra de dois apartamentos no Rio. Zero Quatro é investigado pelo MPF em Brasília sob a suspeita de cometer o crime de tráfico de influência ao abrir a maçaneta de ministros para empresários.

Os Bolsonaro revelam-se uma família dura de roer. Dias atrás, Zero Zero previu três alternativas para seu futuro: "Estar preso, ser morto ou a vitória." Apressou-se em esclarecer que "a primeira alternativa, preso, não existe." 

Se o Judiciário fosse um Poder confiável no Brasil, pai e filhos talvez não abusassem tanto da sorte, confiando menos na Providência Divina.