Vimos no capítulo anterior que o grão duque tucano,
insuflado pelos ventos benfazejos do Plano Real, elegeu-se presidente em
1994 e, picado pela célebre “mosca azul”, articulou a aprovação de
uma reforma constitucional destinada a permitir que presidentes da República (e seus vices) disputassem a reeleição (apenas uma vez para um mandato subsequente e sem
restrição para um pleito não consecutivo).
Como é burro ou não tem arte quem parte e reparte e não fica
com a melhor parte, o próprio FHC disputou a reeleição em 1998 e
tornou a derrotar, já no primeiro turno, um certo retirante
nordestino analfabeto, desculturado e malandro, que usou o
sindicalismo como trampolim para a política e fundou uma agremiação de criminosos disfarçada de partido (que se locupletaria do Erário por anos a fio).
Sobre a reeleição em sentido lato, falaremos em outra oportunidade; sobre a emenda constitucional que a implementou, vale
relembrar em poucos parágrafos como funciona a política brasileira. Aliás, em
2014, quando FHC criticou Lula pelo baixo nível da campanha
de Dilma, o sevandija de Garanhuns respondeu: “Vi o ex-presidente
falar com a maior desfaçatez: ‘É preciso acabar com a corrupção’. Ele
devia dizer quem é que estabeleceu a maior promiscuidade entre Executivo e
Congresso quando ele começou a comprar voto para ser aprovada a reeleição”.
Lula reclamar de corrupção em governo alheio é o
mesmo que Marcola, chefe do PCC, imputar crimes à facção arquirrival Comando
Vermelho, mas o fato é que, menos de quatro meses depois que a PEC da reeleição foi aprovada na Câmara, o jornal Folha de São Paulo publicou reportagem com chamada em duas linhas na primeira página: “Deputado
conta que votou pela reeleição por R$ 200 mil”.
A matéria citava os deputados federais Ronivon Santiago e
João Maia, que afirmaram em depoimentos gravados que receberam 200 mil
reais cada, em dinheiro, para votar a favor da emenda; seu pares Chicão
Brígido, Osmir Lima e Zila Bezerra foram mencionados
nominalmente e dúzias de outros parlamentares figuraram como suspeitos de participação
no esquema. Ao fim e ao cabo, ninguém foi preso.
Uma semana depois de a Folha ter publicado a denúncia, Santiago
e Maia renunciaram
por “motivos de foro íntimo”, segundo ofícios idênticos enviados ao
Presidente da Câmara, e Chicão, Osmir e Zila foram
absolvidos pela CCJ em processo
relatado por deputado governista. Apesar da fartura de provas documentais,
o então engavetador-geral da República, Geraldo Brindeiro, não acolheu
nenhuma representação que pedia o envio de denúncia ao STF.
Em 4 de junho a emenda foi aprovada pelo Senado, onde o governo já contava com ampla maioria, e imediatamente promulgada, de modo a garantir sua vigência nas eleições do ano seguinte, das quais Fernando Henrique sairia como primeiro presidente reeleito.
Em 27 de junho de 1997, por indicação de FHC, o engavetador-geral foi reconduzido ao cargo (que acabou exercendo por oito anos, de julho de 1995 a junho de 2003).
FHC sempre negou o esquema, mas em 2007 mudou um pouco a história: “O Senado votou [a reeleição] em junho [de 1997] e 80% aprovou. (…) Houve compra de votos? Provavelmente. Foi feita pelo governo federal? Não foi. Pelo PSDB: não foi. Por mim, muito menos”.
FHC sempre negou o esquema, mas em 2007 mudou um pouco a história: “O Senado votou [a reeleição] em junho [de 1997] e 80% aprovou. (…) Houve compra de votos? Provavelmente. Foi feita pelo governo federal? Não foi. Pelo PSDB: não foi. Por mim, muito menos”.
Anos mais tarde, em delação premiada firmada com a força-tarefa da Lava-Jato, o ex-deputado Pedro Corrêa, que admitiu ter se envolvido em crimes desde seu primeiro mandato parlamentar, em 1978, pela extinta Arena, e que foi condenado pelo então juiz Sergio Moro a 20 anos e três meses de prisão quando ainda cumpria sua pena no mensalão, afirmou aos investigadores que o episódio envolvendo a PEC da reeleição no governo FHC “foi um dos momentos mais espúrios” que ele presenciou em todos os anos de deputado federal.
Segundo Corrêa, houve uma disputa de propinas para aprovar a PEC. De um lado, FHC; do outro, Paulo Maluf — que na época havia deixado a prefeitura de São Paulo com alta aprovação e com sua candidatura à Presidência da República cogitada.
Por parte do governo federal, a iniciativa da reeleição foi liderada pelo então ministro das Comunicações Sérgio Motta (morto em 1998) e pelo então presidente da Câmara Luis Eduardo Magalhães (também morto em 1998), com o apoio do então deputado Pauderney Avelino e dos então governadores do Amazonas e do Acre “entre outras lideranças governistas”.
O delator disse ainda que essas lideranças compraram os
votos de mais de 50 deputados, e que, além dos fatos já
narrados, também participou desse episódio, mas de forma contrária, tentando
alijar com propinas deputados em desfavor da emenda constitucional com recursos
do então ex-prefeito da cidade de São Paulo e hoje deputado federal, Paulo
Maluf.
“Maluf sabia que, se o governo conseguisse passar a emenda da reeleição, seu maior concorrente seria o presidente à época, FHC”, disse Corrêa, e que ele e os deputados Severino Cavalcanti e Salatiel Carvalho foram convocados pelo turco “para se contrapor ao governo e também cooptar, com propina, parlamentares que estivessem se vendendo ao governo FHC”.
“Maluf sabia que, se o governo conseguisse passar a emenda da reeleição, seu maior concorrente seria o presidente à época, FHC”, disse Corrêa, e que ele e os deputados Severino Cavalcanti e Salatiel Carvalho foram convocados pelo turco “para se contrapor ao governo e também cooptar, com propina, parlamentares que estivessem se vendendo ao governo FHC”.
FHC disse que Corrêa apenas repetiu o
que foi veiculado pela imprensa na época e que já tratou do assunto em sua
biografia lançada recentemente sobre o período em que ocupou a Presidência da
República, chamada Diários da Presidência. No livro, ele relata
que o episódio foi uma “questão do Congresso”.
Em um dos “diários”, o tucano chega a relatar que foi informado por Luis Eduardo Magalhães que Maluf teria oferecido R$ 1 milhão ao deputado Fernando Brandt, da comissão da Câmara que analisava a proposta da emenda constitucional da reeleição, para votar contra a medida, mas não cita outros parlamentares nem os detalhes relatados por Corrêa.
Em um dos “diários”, o tucano chega a relatar que foi informado por Luis Eduardo Magalhães que Maluf teria oferecido R$ 1 milhão ao deputado Fernando Brandt, da comissão da Câmara que analisava a proposta da emenda constitucional da reeleição, para votar contra a medida, mas não cita outros parlamentares nem os detalhes relatados por Corrêa.
Segundo a Gazeta
do Povo, a assessoria de Maluf
disse que “O favorecido no episódio foi Fernando Henrique Cardoso com a sua
reeleição, e portanto é o FHC que deve ser ouvido”. Pauderney Avelino,
por meio de nota, rechaçou as acusações do delator e afirmou que não
responderia a “bandidos e ladrões do dinheiro público”. ACM Neto,
da família de Luis Eduardo Magalhães, não se manifestou, a exemplo dos
demais políticos citados na delação que ainda estão vivos.
Continua no próximo capítulo.