quinta-feira, 17 de setembro de 2020

DE VOLTA A RENÚNCIA DE JÂNIO, SUAS CONSEQUÊNCIAS E OUTRAS CURIOSIDADES — PARTE 8


Vimos no capítulo anterior que o grão duque tucano, insuflado pelos ventos benfazejos do Plano Real, elegeu-se presidente em 1994 e, picado pela célebre “mosca azul”, articulou a aprovação de uma reforma constitucional destinada a permitir que presidentes da República (e seus vices) disputassem a reeleição (apenas uma vez para um mandato subsequente e sem restrição para um pleito não consecutivo).

Como é burro ou não tem arte quem parte e reparte e não fica com a melhor parte, o próprio FHC disputou a reeleição em 1998 e tornou a derrotar, já no primeiro turno, um certo retirante nordestino analfabeto, desculturado e malandro, que usou o sindicalismo como trampolim para a política e fundou uma agremiação de criminosos disfarçada de partido (que se locupletaria do Erário por anos a fio).

Sobre a reeleição em sentido lato, falaremos em outra oportunidade; sobre a emenda constitucional que a implementou, vale relembrar em poucos parágrafos como funciona a política brasileira. Aliás, em 2014, quando FHC criticou Lula pelo baixo nível da campanha de Dilma, o sevandija de Garanhuns respondeu: “Vi o ex-presidente falar com a maior desfaçatez:É preciso acabar com a corrupção’. Ele devia dizer quem é que estabeleceu a maior promiscuidade entre Executivo e Congresso quando ele começou a comprar voto para ser aprovada a reeleição”.

Lula reclamar de corrupção em governo alheio é o mesmo que Marcola, chefe do PCC, imputar crimes à facção arquirrival Comando Vermelho, mas o fato é que, menos de quatro meses depois que a PEC da reeleição foi aprovada na Câmara, o jornal Folha de São Paulo publicou reportagem com chamada em duas linhas na primeira página: “Deputado conta que votou pela reeleição por R$ 200 mil”.

A matéria citava os deputados federais Ronivon Santiago e João Maia, que afirmaram em depoimentos gravados que receberam 200 mil reais cada, em dinheiro, para votar a favor da emenda; seu pares Chicão Brígido, Osmir Lima e Zila Bezerra foram mencionados nominalmente e dúzias de outros parlamentares figuraram como suspeitos de participação no esquema. Ao fim e ao cabo, ninguém foi preso.

Uma semana depois de a Folha ter publicado a denúncia, Santiago e Maia renunciaram por “motivos de foro íntimo”, segundo ofícios idênticos enviados ao Presidente da Câmara, e Chicão, Osmir e Zila foram absolvidos pela CCJ em processo relatado por deputado governista. Apesar da fartura de provas documentais, o então engavetador-geral da República, Geraldo Brindeiro, não acolheu nenhuma representação que pedia o envio de denúncia ao STF.

Em 4 de junho a emenda foi aprovada pelo Senado, onde o governo já contava com ampla maioria, e imediatamente promulgada, de modo a garantir sua vigência nas eleições do ano seguinte, das quais Fernando Henrique sairia como primeiro presidente reeleito. 

Em 27 de junho de 1997, por indicação de FHC, o engavetador-geral foi reconduzido ao cargo (que acabou exercendo por oito anos, de julho de 1995 a junho de 2003).

FHC sempre negou o esquema, mas em 2007 mudou um pouco a história: “O Senado votou [a reeleição] em junho [de 1997] e 80% aprovou. (…) Houve compra de votos? Provavelmente. Foi feita pelo governo federal? Não foi. Pelo PSDB: não foi. Por mim, muito menos”. 

Anos mais tarde, em delação premiada firmada com a força-tarefa da Lava-Jato, o ex-deputado Pedro Corrêa, que admitiu ter se envolvido em crimes desde seu primeiro mandato parlamentar, em 1978, pela extinta Arena, e que foi condenado pelo então juiz Sergio Moro a 20 anos e três meses de prisão quando ainda cumpria sua pena no mensalão, afirmou aos investigadores que o episódio envolvendo a PEC da reeleição no governo FHCfoi um dos momentos mais espúrios” que ele presenciou em todos os anos de deputado federal.

Segundo Corrêa, houve uma disputa de propinas para aprovar a PEC. De um lado, FHC; do outro, Paulo Maluf — que na época havia deixado a prefeitura de São Paulo com alta aprovação e com sua candidatura à Presidência da República cogitada.

Por parte do governo federal, a iniciativa da reeleição foi liderada pelo então ministro das Comunicações Sérgio Motta (morto em 1998) e pelo então presidente da Câmara Luis Eduardo Magalhães (também morto em 1998), com o apoio do então deputado Pauderney Avelino e dos então governadores do Amazonas e do Acre “entre outras lideranças governistas”.

O delator disse ainda que essas lideranças compraram os votos de mais de 50 deputados, e que, além dos fatos já narrados, também participou desse episódio, mas de forma contrária, tentando alijar com propinas deputados em desfavor da emenda constitucional com recursos do então ex-prefeito da cidade de São Paulo e hoje deputado federal, Paulo Maluf.

Maluf sabia que, se o governo conseguisse passar a emenda da reeleição, seu maior concorrente seria o presidente à época, FHC”, disse Corrêa, e que ele e os deputados Severino Cavalcanti e Salatiel Carvalho foram convocados pelo turco “para se contrapor ao governo e também cooptar, com propina, parlamentares que estivessem se vendendo ao governo FHC”.

FHC disse que Corrêa apenas repetiu o que foi veiculado pela imprensa na época e que já tratou do assunto em sua biografia lançada recentemente sobre o período em que ocupou a Presidência da República, chamada Diários da Presidência. No livro, ele relata que o episódio foi uma “questão do Congresso”.

Em um dos “diários”, o tucano chega a relatar que foi informado por Luis Eduardo Magalhães que Maluf teria oferecido R$ 1 milhão ao deputado Fernando Brandt, da comissão da Câmara que analisava a proposta da emenda constitucional da reeleição, para votar contra a medida, mas não cita outros parlamentares nem os detalhes relatados por Corrêa.

Segundo a Gazeta do Povo, a assessoria de  Maluf disse que “O favorecido no episódio foi Fernando Henrique Cardoso com a sua reeleição, e portanto é o FHC que deve ser ouvido”. Pauderney Avelino, por meio de nota, rechaçou as acusações do delator e afirmou que não responderia a “bandidos e ladrões do dinheiro público”. ACM Neto, da família de Luis Eduardo Magalhães, não se manifestou, a exemplo dos demais políticos citados na delação que ainda estão vivos.

Continua no próximo capítulo.