domingo, 21 de novembro de 2021

HAJA SORDIDEZ

 

A política é a arte do possível, mas está se torando impossível aturar o desgoverno em curso e conviver com a perspectiva de mais quatro anos de bolsonarismo boçal ou, alternativamente, com a volta do lulopetismo ladrão. Não que a ladroagem seja exclusividade da patuleia, longe disso. Basta puxar a capivara de Valdemar Costa Neto para ver o tipo de gente com quem o ainda presidente desta banânia "está noivando" — no fundo, ambos são farinha do mesmo saco, haja vista a troca de gentilezas por mensagem em que o ex-desafeto e ora aliado mandou Bolsonaro tomar no cu.

Nome icônico das trevas da malandragem, antológico ficha-suja, mensaleiro-mor, aliado guloso nas tramoias de Lula, o expoente máximo do PL resolveu, em 2018, apoiar a candidatura de Alckmin. O "mito", sentindo-se preterido, chamou Costa Neto de “corrupto e condenado”. Mas é sabido que, na política, o desafeto de hoje é o aliado de amanhã (ou vice-versa). Assim, depois de se abraçar ao PP de Arthur Lira e Ciro Nogueira, nosso intrépido Messias resolveu buscar no PL do mensaleiro corrupto e condenado o respaldo partidário que lhe permitirá disputar a reeleição.

Sem saudosismos, receios ou peso na consciência, graças apenas à conjuntura e aos agrados e gracejos de um certo capitão, Costa Neto mudou diametralmente de lado. Apaixonou-se, digamos assim — para ficarmos na linguagem tão ao gosto e peculiar do inquilino acidental do Planalto. Fazer o quê? Vida que segue. Virou casaca, como se diz popularmente, para se aboletar no poleiro de quem paga melhor ou pode render mais dividendos. Quem há de lhe jogar pedras por isso? Só quem não o conhece.

Dentre outras virtudes, o Valdemar de quem falamos aqui é ex-presidiário. Mofou um bom tempo na cadeia para cumprir parte da pena de sete anos por uma penca de crimes que lhe foram imputados — os demais seguem na morosa análise processual ou descansam nos escaninhos da Justiça. Como é típico dos colarinhos brancos com interligações influentes na alta-roda brasiliense, o mensaleiro foi agraciado com o regime semiaberto em troca de trabalhos nada forçados na padaria de um amigo. E de padeiro a parceiro preferencial do presidente desta banânia, sem escalas. Lá atrás, teve apenas de ostentar — com a discrição devida, mas não sem a galhardia de quem parece acreditar que carrega um troféu por bom comportamento — a tão em voga tornozeleira eletrônica. Cumprido o prazo inicial, foi beneficiado por um indulto mal-ajambrado.

Valdemar é, indiscutivelmente, um prodígio da política rasteira. Com os trunfos que nunca perdeu, regressa triunfalmente, metendo o pé direito no tapete vermelho do Planalto que o leva ao pináculo do poder central. Com um plantel de realizações dignas de mafiosos de alto calibre, firmou o enlace matrimonial, dando as mãos a um entusiasmado mandatário que fez dele a “noiva escolhida” para uma jornada de campanhas eleitorais e acertos visando a prosperidade de ambos. Serão felizes para sempre? Vai saber.

Foi Bolsonaro quem primeiro falou em escolher “a namorada mais bonita” para o casamento. Quem quiser pode criticar à boca pequena o gosto duvidoso nesse sentido. Mas, como manda a boa etiqueta, é melhor ninguém meter a colher no relacionamento dos dois. Fechemos, pois, o foco sobre o “noivo” e suas preferências.

O Bolsonaro de outros tempos, quando ainda trovejava indignação contra malfeitos para convencer a turba de que era o candidato mais adequado a ocupar a Presidência, tratava o mandachuva do PL como tratava o Centrão. O filho zero três, seu preferido e malcriado Carlos Bolsonaro, não teve papas na língua para tratar (no passado, é claro!) o radiativo mensaleiro pelo termo que lhe consagrou: “ladrão”. 

Relatava Carluxo em suas redes sociais as propinas supostamente angariadas pelo antes desafeto em contratos fraudados na usina de Furnas. Depois, quando o papai resolveu estreitar a relação, trazendo o antigo opositor para o altar, simplesmente surrupiou o post de acusações, dada a necessidade de apagar as “injúrias” com as quais tratava esse ainda aventureiro do PL.

Assim caminha a velha e carcomida política tupiniquim, coroando os arrivistas de sempre. Bolsonaro, camuflado de mensaleiro por circunstância do matrimônio — mas também por força da ambição desmedida que o levou a arquitetar um desavergonhado orçamento secreto —, tinha ânsia de realizar o toma-lá-dá-cá para conquistar o objetivo maior da reeleição. Não hesitou em furar o teto fiscal, calotear credores e pegar a grana pesada da ordem de mais de R$ 90 bilhões para gastar à vontade. Aliou-se a fiéis do baixo clero, de Arthur Lira a Roberto Jefferson, e convidou a escória, a escumalha, o rebotalho, enfim, tudo que há de pior, para se sentar seu lado.

Valdemar veio para assenhorar a lambança. Ao firmar o acordo pré-nupcial, decerto os dois amarraram uma bem detalhada divisão de bens. Como manda o figurino, antes mesmo de consumado o enlace. Teve espaço até para um ménage à trois, trazendo para a roda — ou para a alcova — o antes dileto do "mito", agora ministro, Ciro Nogueira. Os três entabularam os entendimentos para uma espécie de “trisal” rumo à vitória nas eleições. Se serão bem-sucedidos é outra conversa. Como o papel tudo aceita, deixa estar.

Com a cara de pau lambuzada de óleo de peroba, Bolsonaro sequer ruboriza diante de tamanha promiscuidade. Chafurda na esbórnia política que tanto questionou, e ainda tenta posar de bacana. Justificar o inexplicável. Seu negacionismo e mitomania patológicos não são capazes de disfarçar a perda do senso de ridículo (se é que alguém pode perder algo que nunca teve). Resta ao presidente a desfaçatez indolente (perdoem a rima, não foi intencional).

Preparando-se para formalizar a mais abominável articulação de sequestro de dinheiro público da história do País, o sultão do Bolsonaristão planeja embolsar recursos extras para emendas secretas e o famigerado Fundo Eleitoral, que já perfaria cerca de R$ 5 bilhões. As emendas extras contariam na casa de R$ 16 bilhões. É dinheiro dos contribuintes, do aposentados. Verbas que tinham, por preceito constitucional e direito privado dos credores, outro destino e obrigações já contratadas, mas que foram negligenciadas, relegadas, caloteadas sem a menor cerimônia.

Bolsonaro quer se refestelar na farra da campanha. Depois do casamento custoso, será preciso meter a mão grande na bufunfa por meio de um orçamento secreto imoral, consagrando a nova era da roubalheira aberta. Sim, porque ela é desenhada e executada à luz do dia, para quem quiser ver. Com um balcão de negócios montado no Palácio e no Congresso, tem gerente do caixa, interlocutores, ameaças com cobranças caras, aos moldes da agiotagem salafrária, para cooptar o apoio de parlamentares arredios e outros nem tanto.

Em meio a tudo isso, o acerto de Bolsonaro e Valdemar é daqueles que entram para a história do crime organizado. Liberou geral! A farra parece tomar conta de vez em Brasília. A inflação descontrolada está aí. O desemprego também. Os juros altos, idem. Tudo piorou para cada um dos contribuintes que quitam a fatura dessa festa. Valdemar, Lira, Ciro, Jefferson, Bolsonaro et caterva minaram a democracia representativa e agora constroem o que há de pior nas entranhas de nossa República Federativa. 

Ai de nós. Só nos resta rezar e esperar as urnas.

Com Carlos José Marques