segunda-feira, 15 de novembro de 2021

MORO LÁ — SERÁ? (PARTE 2)

 

Comemora-se hoje o 132º aniversário de outro episódio da nossa história que, devidamente despido do glamour fantasioso atribuído pelos livros didáticos, não passou de um golpe de Estado político-militar desfechado com o fito de pôr fim à monarquia constitucional parlamentarista do Império, apear do trono D. Pedro II e implementar o presidencialismo republicano como forma de governo. 

Meses depois de o Marechal Deodoro da Fonseca proclamar a República, o Brasil já conhecia a primeira crítica articulada sobre o processo que havia removido a monarquia do poder: o livro Fatos da Ditadura Militar no Brasil, escrito em 1890 pelo advogado paulistano Eduardo Prado, que foi o primeiro autor a considerar a Proclamação da República um "golpe de Estado ilegítimo" aplicado pelos militares.

Na visão do empresário Luiz Philippe de Orleans e Bragança, tataraneto de D. Pedro II e militante do movimento de direita Acorda Brasil, "a proclamação foi um golpe de uma minoria escravocrata aliada aos grandes latifundiários, aos militares, a segmentos da Igreja e da maçonaria. O que é fato notório é que foi um golpe ilegítimo". Sua tese é esposada pelo historiador José Murilo de Carvalho, autor do livro O Pecado Original da República (editora Bazar do Tempo).

O jornalista e historiador José Laurentino Gomes, autor da trilogia 1808, 1822 e 1889, concorda com a leitura do “golpe”, mas pondera que a questão envolve a luta pelo direito de nomear os acontecimentos históricos que, no caso dos republicanos, conseguiram emplacar a ideia de "proclamação" e não de "golpe". "O que aconteceu em 1889, em 1930 e em 1964 é a mesma coisa: exército na rua fazendo política. Depende de quem legitima o quê. O movimento de 1964 não foi legitimado pela sociedade, mas a revolução de 1930 o foi tanto pelos sindicatos quanto pelas mudanças promovidas por Getúlio Vargas. A proclamação é contada hoje por quem venceu", argumenta.

Já o historiador Marcos Napolitano, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade da USP, assevera que é possível, sim, falar em golpe na fundação da República, mas questionar sua legitimidade, como faz Orleans e Bragança, seria um revisionismo histórico incabível. "Se pensarmos que a monarquia era um regime historicamente vinculado à escravidão (esta sim, uma instituição ilegítima, sob quaisquer aspectos), acho pessoalmente que a fundação da República foi um processo político legítimo que, infelizmente, não veio acompanhado de reformas democratizantes e inclusivas", explica.

Resumo da ópera: Com o fim do governo provisório e a promulgação da Constituição Republicana de 1891, o Congresso Nacional guindou o Marechal Deodoro da Fonseca à presidência da República Velha — ou República das Oligarquias. Dito de outra maneira, a primeira república tupiniquim começou com um golpe militar, e o primeiro presidente, também militar, foi eleito indiretamente e “convidado” a deixar o cargo pelas Forças Armadas. Ao longo de 132 anos de história republicana, o Brasil teve até hoje 35 presidentes, que chegaram ao poder pelo voto popular, por eleição indireta, via linha sucessória ou por golpe de Estado. Oito deles, a começar por Deodoro, foram de alguma maneira apeados do poder. E como o que começa mal tende a piorar, o atual inquilino do Palácio do Planalto só continua no Palácio do Planalto (quando não está passeando ou promovendo motociatas, naturalmente), porque o povo brasileiro não tem vergonha na cara. Está na hora de mudar. E de aprender a votar.

 Dito isso, passemos à postagem do dia:

Ainda sobre Sérgio Moro, diz Dora Kramer que o discurso de candidato a Presidente na cerimônia de filiação ao Podemos não significa que será esse o destino do ex-juiz na vida política que agora inaugura; que todos os pretendentes ao Planalto nessa altura entram no jogo desse modo e que ele prometeu mundos e fundos — como erradicar a pobreza no Brasil. Diz ainda que sua fala, típica de um "cristão-novo", não contribuiu para reduzir desconfianças e desaprovações — dada a atitude de candidato a justiceiro dotado de capacidade de resolver todas as mazelas, muitas delas decorrentes “da degeneração da classe política”, e que Moro pareceu apostar excessivamente na credulidade das pessoas nesse tipo de pretendente a herói, mostrando-se verde na política e ainda completamente referido na figura do magistrado cujo único fator de direção é o próprio juízo a respeito do certo e do errado. Será?

Conforme eu ponderei no post anterior, Moro jamais foi o candidato dos meus sonhos. Por outro lado, em vista do que está colocado no tabuleiro, talvez ele seja a peça mais importante do jogo. Sua filiação ao Podemos, partido que se posicionou o tempo todo para recebê-lo como candidato a Presidente, mira o espectro eleitoral das forças de centro-direita do país, frustradas pelo mau desempenho administrativo de Bolsonaro e as alianças com os partidos do chamado Centrão, sobretudo o PP, o PL e o Republicanos. Seu discurso na cerimônia de filiação deixou isso muito claro e tende a galvanizar apoios dos eleitores decepcionados com o capitão-negação e certos setores da sociedade que apoiavam incondicionalmente a Lava-Jato, como os militares. 

A pré-candidatura de Moro cria mais problemas para Bolsonaro do que para os partidos de oposição, no primeiro turno — caso chegue ao segundo, aí a história será outra. O ex-juiz não esconde as mágoas com Bolsonaro. Desde sua saída do governo, ele vem tendo a sua imagem de juiz competente e íntegro desconstruída — a primeira por sucessivas decisões do STF, e a segunda pelos adversários políticos da operação anticorrupção da qual foi artífice e é o principal símbolo, que o acusam de parcialidade.

A entrada de Moro no Podemos, partido que tem 10 deputados federais e nove senadores, mexe com a tabuleiro eleitoral de 2022 porque ocupa um quadrante à direita que seria fundamental para a reeleição de Bolsonaro. Trata-se de uma legenda independente em relação ao governo no Senado, mas nem tanto na Câmara — Moro é ligado ao senador Álvaro Dias (PR), ex-candidato à Presidência pela legenda, que articulou sua filiação. Sua candidatura é contingenciada por Bolsonaro, que supostamente conta com o apoio de 25% do eleitorado, e também pelos pré-candidatos da chamada "terceira via", Henrique Mandetta (DEM), Rodrigo Pacheco (PSD-MG), Simone Tebet (MDB-MS) e Alessandro Vieira (Cidadania-SE), além dos tucanos João Doria (SP) e Eduardo leite (RS), todos mirando o chamado centro democrático, e do pedetista Ciro Gomes, mais à esquerda.

A filiação de Moro encerra um ciclo político antissistema, que surgiu nas manifestações contra o funesto governo de Dilma, prosperou com a campanha por seu impeachment, mandou recados para todos os partidos nas eleições municipais de 2016 e culminou com a não menos funesta eleição de Bolsonaro, em 2018. A anunciada filiação do capetão ao partido de Valdemar Costa Neto e a articulação de sua federação governista com o PP e o Republicanos consolidam um bloco político de direita no poder, no âmbito do sistema partidário existente, que ganha até mais nitidez programática.

Moro seria o herdeiro natural desse sentimento antissistema, que procurou capitalizar com seu discurso, mas o Podemos, o Novo e o MBL já estão no leito natural da política eleitoral: o Congresso e o seu sistema partidário. A consolidação de sua candidatura vai depender muito mais do poder de alavancagem do apoio popular à Lava-Jato do que de alianças, que serão restritas devido aos ressentimentos dos políticos tradicionais com sua atuação naquela operação.

A conferir.

Com Ricardo Rangel Luiz Carlos Azedo