segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

E ASSIM CAMINHA A POLÍTICA TUPINIQUIM


Depois de muitas bicadas e revoadas de penas, João Doria venceu Eduardo Leite e Arthur Virgílio nas prévias do PSDB, mas até os tucanos duvidam da sua capacidade de romper a polarização entre o picareta dos picaretas e capitão-cloroquina. 

Magalhães Pinto costumava dizer que a política muda como as nuvens. Pode ser. Até onde a vista alcança, vislumbra-se a possibilidade de Moro jogar o governador paulista para o acostamento da "terceira via".

No discurso de vitória, Doria disse que "os governos Lula e Dilma representaram a captura do Estado pelo maior esquema de corrupção do qual se tem notícia no país", e que "Bolsonaro vendeu um sonho e entregou um pesadelo. Mas é bom lembrar que cinco grão-tucanos foram encrencados em casos de corrupção: Eduardo Azeredo, que chegou a puxar cadeia, Aécio Neves, Beto Richa, José Serra e Geraldo Alckmin. A exemplo do petismo, o tucanato peitou as investigações e blindou os seus encrencados.

Hoje, metade da bancada tucana na Câmara vota com o governo do capitão, aprofundando ainda mais a tradicional cisão entre os membros do partido. Alckmin, que cogita de se aliar ao PT de Lula, tem o desplante de chamar Doria de "traidor", e diversos tucanos se preparam para voar pela janela do troca-troca partidário que se abrirá no ano que vem. 

Aécio planeja ficar no partido, mas apenas para exercer em Minas Gerais (o segundo maior colégio eleitoral do país) o papel de quinta-coluna, enquanto personagens como FHC e Bruno Araújo compartilham do ceticismo em relação às chances do governador paulista na disputa pela Presidência.  

O problema no desempenho de Doria à frente do governo estadual — não fosse por ele, dificilmente teríamos 60% dos brasileiros com o esquema vacinal completo, 75% dos paulistas com duas doses (ou a dose única, no caso da Jensen) e 100% dos paulistanos totalmente vacinados. É o "perfil elitista" do governador que afugenta o eleitorado.

Uma ala do tucanato acha que o partido deve apoiar qualquer candidato ao Planalto com potencial para unir o centro, ainda que ele não seja tucano, enquanto outra acha que Leite teria mais jogo de cintura para eventuais composições. O mandatário gaúcho nega que tencione deixar o ninho, mas cobra do partido — e do vencedor das prévias — a construção de uma aliança robusta, capaz de derrotar Lula e Bolsonaro.

Há alguns meses, ao grão duque do tucanato eriçou as plumas de alguns correligionários ao dizer que não excluía a hipótese de votar em Lula se a polarização com Bolsonaro sobrevivesse até o segundo turno. Já o sapo barbudo afirma que deseja "construir uma chapa para ganhar as eleições", mas o petismo terá de pagar um pedágio para concretizar esse deslocamento simbólico da esquerda para o centro. O candidato da ORCRIM em São Paulo é Haddad, e uma das segundas intenções embutidas no acerto com Alckmin seria retirar Márcio França da disputa paulista, de modo a facilitar a vida do ex-prefeito de um só mandato.

A caminho da porta de saída do PSDB, o eterno picolé de chuchu degusta os elogios do ex-rival — "Foi um governador responsável", perorou o picareta dos picaretas —, mas mantém viva a opção de migrar para o PSD de Gilberto Kassab, pelo qual disputaria novamente o governo de São Paulo. Alea jacta est

Mudando de um ponto a outro, ouvi no rádio agorinha mesmo que Michelle Bolsonaro e a amigona do peito Damares Alves festejaram a aprovação de André Mendonça pelo Senado. Na visão da pastora, o fato de o indicado ser ministro presbiteriano fará dele um magistrado melhor. Faltou explicar por que alguém que não reza pelo mesmo catecismo que ela seria necessariamente uma escolha pior.

Deveriam avisar essa senhora que o Brasil ainda é um país laico, e o chefe do executivo, que a Constituição (que ele nunca leu) exige dos candidatos a supremos togados reputação ilibada e notável saber jurídico, e não que tenham "tomado muita tubaína" ou sejam "terrivelmente evangélicos". Por outro lado...

Não custa lembrar que Collor indicou o primo Marco Aurélio e FHC, o atual decano (vade retro!). Que Lewandowski, Carmen Lucia, Toffoli e Fux ganharam a suprema toga do demiurgo de Garanhuns, e Rosa Weber, Barroso e Fachin, da nefelibata da mandioca, e que Alexandre de Moraes foi guindado ao posto pelo vampiro do Jaburu e Nunes Marques, pelo sultão do bananistão, que agora abrilhanta a Corte com um  pastor. Glória a Deus!

Perguntada sobre a candidatura de Sergio Moro à Presidência, Damares respondeu com outra pergunta: "Quem?" Sabe-se agora que, além de sua atuação à frente do ministério ser uma tragédia, a dita-cuja tem vocação também para a comédia. 

Triste Brasil!