Três ideias rondam o ambiente político neste início do ano eleitoral de 2022: Lula voltará à Presidência, Bolsonaro lançará mão de ilegalidades para resistir à derrota e nenhuma alternativa a tal cenário é possível.
Fala-se disso como se o inesperado não pudesse nos fazer uma
surpresa, conforme descrito nos idos de 1967 por Johnny Alf em Eu e a Brisa. Pois no imprevisível
junto às artes do acidental é que residem a graça e a essência de uma eleição
sob as regras da democracia, onde o que vale é a vontade de milhões de pessoas
envolvidas num processo que só acaba quando termina.
Aos arautos das convicções inamovíveis conviria flexibilizar
as respectivas mentes de modo a não se tornarem reféns de profecias que se
autorrealizam. De algum modo já vivemos isso desde quando forças políticas
começaram a se mobilizar em torno de outra hipótese que não a repetição de
velhos erros. De lá para cá, o que se vê são vaticínios sobre a inviabilidade
da chamada Terceira Via. Isso sem que se dê a esse caminho ao menos o
benefício da dúvida. Uma chance real, não meramente retórica, expressa em
frases do tipo “…caso subam nas pesquisas” acompanhadas de toda sorte de
desqualificações porque ninguém ainda foi capaz de ameaçar a dianteira de Lula
e Bolsonaro.
A oito meses da eleição, FHC hesitava em deixar o
Ministério da Fazenda, Collor era nanico nas pesquisas e Bolsonaro,
tratado como cavalo paraguaio atolado em chuva de verão. Lula esteve no
pódio três vezes antes de sagrar-se campeão, a reeleição de Dilma foi
dada como perdida, Marina Silva vista como a grande possibilidade da
estação, sem nos esquecermos de uma arrancada de Ciro Gomes e da
repentina derrocada de Roseana Sarney. Tudo isso a meses de cada uma
daquelas eleições.
Cabe lançar dúvida também sobre o forrobodó institucional
que Bolsonaro estaria preparando para evitar deixar o Palácio do
Planalto. Primeiro, porque não está fora de questão uma desistência. Do
Palácio, não do Planalto, candidatando-se a outro cargo a fim de não perder o
foro privilegiado. Para isso, contudo, precisaria se desincompatibilizar da
Presidência até abril, deixando Hamilton Mourão por seis meses no cargo.
Impossível não é, mas improvável.
Em segundo lugar, o fracasso das investidas antidemocráticas
torna lícito duvidar do êxito de ações ao modo de Donald Trump no
fatídico janeiro de 2021. Se Bolsonaro precisou enfiar a viola no saco da
moderação pós-7 de setembro, quando ainda dispunha de um ano de mandato pela
frente, depois que for derrotado ele dificilmente terá apoio para tentar melar
o resultado.
Por último, mas não menos importante, o fato de Lula encabeçar
as pesquisas tornou-se estuário não apenas dos votos de seus admiradores, mas
de toda sorte de expectativas embaladas no critério único de que vale qualquer
coisa para impedir a reeleição do atual presidente. Até mesmo deixar de lado a
busca de uma melhor solução para optar pela parte do problema. Ou Bolsonaro
não é fruto dos desmandos do PT? Ou não foi eleito na batida da tecla da
escolha do “menos pior” — que, na visão de um grande contingente de eleitores,
seria a volta dos salvados dos funis do mensalão, do petrolão, do populismo na
economia e da vocação para açambarcar o poder de modo hegemônico?
Não parece racional o país eleger Lula para fugir de Bolsonaro,
que foi eleito para evitar o PT. Volta-se ao ponto inicial e não se
avança no jogo. É preciso alguma clareza. A respeito do fato de Lula et
caterva não acharem que fizeram nada de errado. As pessoas lembram dos
feitos, relevam os malfeitos e não se perguntam, por exemplo, como o molusco de
novo presidente conduziria suas relações com o Congresso. Comprando outra vez
na base da mesada? Os contratos com fornecedores e prestadores de serviço
seguiriam na mesma linha, dado que na concepção do PT os escândalos
foram fruto de ficção persecutória e, portanto, a tendência é a repetição. Senão
vejamos:
A presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann,
afirmou que a campanha petista não ouvirá o “mimimi” do mercado. “Um país
que não tem dívida externa, que tem este mercado consumidor não pode ter o povo
com fome e sem renda”, disse a ex-senadora rebaixada a deputada, em entrevista à coluna de Malu Gaspar, no jornal O
Globo de segunda-feira 10.
Ainda segundo a petista — que também classificou de “aberração”
a reforma
trabalhista aprovada durante a gestão do Vampiro do Jaburu, que Lula
pretende reverter, caso consiga se eleger, o teto de gastos estourado por Bolsonaro
com a PEC dos Precatórios para inflar o orçamento durante a eleição, que
está desmoralizado e será descartado em um próximo governo petista. E mais: que
“não tem necessidade de carta ao povo brasileiro, as pessoas já conhecem o
Lula; não precisamos mais de um Palocci”.
Observação: A primeira carta ao povo brasileiro,
de fato, foi ditada a Antonio Palocci por Emilio
Odebrecht, como descobriu a Lava-Jato. Uma segunda carta já foi
publicada, ao contrário do que disse Gleisi Hoffmann: é
aquele artigo de Guido Mantega, que promete quebrar a economia do Brasil mais
uma vez. As pessoas conhecem Lula, e Emilio Odebrecht
conhece-o ainda melhor.
Concorrer na seara de Lula e Bolsonaro é
tarefa difícil. Mas não impossível se houver boa vontade para aceitar que uma
pessoa normal no Planalto já é bem melhor que locatários do Palácio adeptos da
teatralidade, da flexibilidade moral, da intimidade com a mentira, do
sectarismo intenso e da aversão ao contraditório. Para dizer o mínimo.
Com Dora Kramer e O Antagonista