quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

RESTAURE-SE O IMPÉRIO DA MORALIDADE OU LOCUPLETEMO-NOS TODOS (PARTE III)



Primeiro e segundo colocados nas pesquisas, Lula e Bolsonaro pisoteiam a imagem um do outro sem se darem conta de que expõem os seus próprios pés de barro. Num seminário do PT, o demiurgo de Garanhuns disse que Bolsonaro é o presidente "mais subserviente" ao Congresso da história. Em viagem ao Rio, Bolsonaro comparou o PT de Lula a uma "quadrilha" e disse que o molusco quer "voltar à cena do crime." 

Lula fala do Orçamento paralelo da Era Bolsonaro com a autoridade de um especialista. Na prática, as chamadas emendas orçamentárias secretas, definidas e executadas pelos oligarcas do Centrão, constituem uma nova versão do mensalão petista, que antecedeu o petrolão, ambos criados sob a égide de Lula. Já Bolsonaro discursa sobre "quadrilha" com desenvoltura própria do chefe da organização familiar da rachadinha. Menciona o risco da volta de personagens como o multicondenado José Dirceu sem se dar conta de que já reabilitou os sócios do petismo. 

Não é que a quadrilha quer voltar ao Poder. Ela nem saiu. Bolsonaro concorre à reeleição filiado ao PL de Valdemar Costa Neto, ex-presidiário do mensalão. Na viagem ao Rio, levou a tiracolo o chefe da Casa Civil Ciro Nogueira, oligarca do PP, parceiro do PT no saque à Petrobras. Nesse tipo de embate ético, contendores como Lula e Bolsonaro correm o risco de convencer um pedaço da plateia de que os dois têm razão.

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Ironicamente, a operação que exporia as entranhas do maior e mais bem organizado esquema de corrupção de toda a história do capitalismo (segundo a Transparência Internacional) nasceu em 2008, durante o segundo mandato de Lula. No entanto, como foi dito no capítulo de abertura desta sequência, a primeira fase ostensiva da Lava-Jato foi deflagrada em 17 de março de 2014, já sob a égide de Dilma, a inolvidável.

Em março de 2015, o ministro Teori Zavascki autorizou a abertura de 21 inquéritos no STF contra 50 senadores, deputados federais, caciques políticos e afins. Descobriu-se que a empreiteira Odebrecht fora o pivô de um megaescândalo que culminou na condenação de Marcelo Odebrecht — o “príncipe das empreiteiras” — a 47 anos de prisão, e seu pai, Emílio, a 4 anos. Juntamente com setenta e tantos executivos do alto escalão da construtora, pai e filho fecharam o acordo de colaboração/leniência que ficou conhecido como a Delação do Fim do Mundo e envolveu o pagamento de R$ 8,6 bilhões a título de indenização.

A despeito de muitos terem ouvido as trombetas anunciando o Apocalipseo mundo só acabou para Zavascki, que morreu em janeiro de 2017, às vésperas de homologar a megadelação (a ministra Cármen Lúcia, então presidente do STF, tomou a tarefa para si, e o ministro Edson Fachin ficou com a relatoria dos processos da Lava-Jato na Corte).

Ao autorizar a abertura dos inquéritos da lista de Janot, o ministro Zavascki determinou (por falta de elementos) o arquivamento simultâneo de sete implicações feitas por delatores a políticos como Aécio NevesDelcídio do Amaral e Henrique Eduardo Alves. Como esses casos não resultaram em investigações, não foram incluídos no levantamento feito pelo portal jurídico JOTA, mas todos os envolvidos viraram protagonistas ou coadjuvantes de outras investigações da Lava-Jato.

Ainda segundo o Jota, cerca de 30% dos 193 inquéritos da Lava-Jato e de seus desdobramentos na mais alta corte do país foram arquivados, tiveram a denúncia rejeitada ou resultaram em absolvição total ou parcial dos réus. Vale destacar que isso não significa que os outros 70% resultaram em condenação, até porque a maior parte deles continuava em tramitação. Mas, dos seis réus nas duas únicas ações penais que haviam sido julgadas até então, três foram absolvidos, um teve a pena extinta por prescrição e somente dois foram condenados à prisão. Uma análise dessas decisões mostra que os desfechos se basearam no tripé "falta de provas, extinção de punibilidade e prazo para término das investigações", e que os arquivamentos foram corriqueiros desde o início da Lava-Jato.

ObservaçãoCabe ao Legislativo pôr fim ao nefasto foro especial por prerrogativa de função, mas não são poucos os deputados e senadores que têm rabo preso com a Justiça, de modo que esperar que essa caterva aprove uma proposta que a prejudique seria como dar a Herodes a chave do berçário e estranhar a morte das criancinhas (falo do governador da Judéia por época do nascimento de Jesus, não de um imitador barato que tem feito o diabo para impedir que crianças entre 5 e 11 anos sejam vacinadas contra a Covid).

Processos envolvendo cinco dos seis ex-presidentes eleitos diretamente desde o fim da ditadura militar resultaram na prisão de Lula e levaram Michel Temer a ser preso preventivamente na PF do Rio de Janeiro. O emedebista e seus compinchas foram soltos, cinco dias depois, pelo desembargador Antonio Ivan Athié, que o jornalista J.R. Guzzo classificou magistralmente como “especialista em libertar ladrões do erário que ficou sete anos afastado da magistratura por acusações de praticar estelionato”.

Observação: É importante não confundir prisão preventiva com prisão temporária. Esta última costuma ser decretada durante uma investigação, visando assegurar o sucesso de determinada diligência, por exemplo, e sua duração é de 5 dias (prorrogáveis por mais 5) ou, em caso de crime hediondo, de 30 dias (prorrogáveis por mais 30). Já a prisão preventiva pode ser decretada tanto durante uma investigação quanto no decorrer da ação penal e, ao contrário da prisão temporária, não tem prazo determinado.

Devido a uma ação no STJ por estelionato e formação de quadrilha, Athié ficou afastado do cargo durante sete anos. Outro inquérito contra ele foi arquivado em 2008 pelo STJ a pedido do MPF, que alegou não ter encontrado provas de que o desembargador tivesse proferido sentenças em conluio com advogados. O magistrado retornou às atividades em 2011, depois que o STF trancou a ação.

Continua...