Primeiro e segundo colocados nas pesquisas, Lula e Bolsonaro pisoteiam a imagem um do outro sem se darem conta de que expõem os seus próprios pés de barro. Num seminário do PT, o demiurgo de Garanhuns disse que Bolsonaro é o presidente "mais subserviente" ao Congresso da história. Em viagem ao Rio, Bolsonaro comparou o PT de Lula a uma "quadrilha" e disse que o molusco quer "voltar à cena do crime."
Lula fala do Orçamento paralelo da Era Bolsonaro com a autoridade de um especialista. Na prática, as chamadas emendas orçamentárias secretas, definidas e executadas pelos oligarcas do Centrão, constituem uma nova versão do mensalão petista, que antecedeu o petrolão, ambos criados sob a égide de Lula. Já Bolsonaro discursa sobre "quadrilha" com desenvoltura própria do chefe da organização familiar da rachadinha. Menciona o risco da volta de personagens como o multicondenado José Dirceu sem se dar conta de que já reabilitou os sócios do petismo.
Não é que a quadrilha quer voltar ao Poder.
Ela nem saiu. Bolsonaro concorre à reeleição filiado ao PL de Valdemar
Costa Neto, ex-presidiário do mensalão. Na viagem ao Rio, levou a tiracolo
o chefe da Casa Civil Ciro Nogueira, oligarca do PP, parceiro do PT
no saque à Petrobras. Nesse tipo de embate ético, contendores como Lula
e Bolsonaro correm o risco de convencer um pedaço da plateia de que os
dois têm razão.
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A despeito de muitos terem ouvido as trombetas anunciando
o Apocalipse, o mundo só acabou
para Zavascki, que morreu em janeiro de 2017, às vésperas de homologar
a megadelação (a
ministra Cármen Lúcia, então presidente do STF, tomou a
tarefa para si, e o ministro Edson Fachin ficou com a
relatoria dos processos da Lava-Jato na Corte).
Ao autorizar a abertura dos inquéritos da lista de Janot,
o ministro Zavascki determinou (por falta de elementos) o
arquivamento simultâneo de sete implicações feitas por delatores a políticos
como Aécio Neves, Delcídio do Amaral e Henrique
Eduardo Alves. Como esses casos não resultaram em investigações, não foram
incluídos no levantamento feito pelo portal jurídico JOTA, mas todos os envolvidos viraram
protagonistas ou coadjuvantes de outras investigações da Lava-Jato.
Ainda segundo o Jota, cerca de 30% dos 193
inquéritos da Lava-Jato e de seus desdobramentos na mais alta
corte do país foram arquivados, tiveram a denúncia rejeitada ou resultaram em
absolvição total ou parcial dos réus. Vale destacar que isso não significa que
os outros 70% resultaram em condenação, até porque a maior parte deles
continuava em tramitação. Mas, dos seis réus nas duas únicas ações penais que
haviam sido julgadas até então, três foram absolvidos, um teve a pena extinta
por prescrição e somente dois foram condenados à prisão. Uma análise dessas
decisões mostra que os desfechos se basearam no tripé "falta de provas,
extinção de punibilidade e prazo para término das investigações", e
que os arquivamentos foram corriqueiros desde o início da Lava-Jato.
Observação: Cabe ao Legislativo pôr
fim ao nefasto foro especial por prerrogativa de função, mas não
são poucos os deputados e senadores que têm rabo preso com a Justiça, de modo
que esperar que essa caterva aprove uma proposta que a prejudique seria como dar
a Herodes a chave do berçário e estranhar a morte das
criancinhas (falo do governador da Judéia por época do nascimento de
Jesus, não de um imitador barato que tem feito o diabo para impedir
que crianças entre 5 e 11 anos sejam vacinadas contra a Covid).
Processos envolvendo cinco dos seis ex-presidentes eleitos diretamente
desde o fim da ditadura militar resultaram na prisão de Lula e
levaram Michel Temer a ser preso preventivamente na PF do
Rio de Janeiro. O emedebista e seus compinchas foram soltos, cinco dias depois, pelo
desembargador Antonio Ivan Athié, que o jornalista J.R. Guzzo classificou
magistralmente como “especialista em libertar ladrões do erário que ficou
sete anos afastado da magistratura por acusações de praticar estelionato”.
Observação: É importante não confundir prisão
preventiva com prisão temporária. Esta última costuma ser
decretada durante uma investigação, visando assegurar o sucesso de determinada
diligência, por exemplo, e sua duração é de 5 dias (prorrogáveis por mais 5)
ou, em caso de crime hediondo, de 30 dias (prorrogáveis por mais 30). Já a
prisão preventiva pode ser decretada tanto durante uma
investigação quanto no decorrer da ação penal e, ao contrário da prisão
temporária, não tem prazo determinado.
Devido a uma ação no STJ por estelionato e
formação de quadrilha, Athié ficou afastado do cargo durante
sete anos. Outro inquérito contra ele foi arquivado
em 2008 pelo STJ a pedido do MPF, que alegou não
ter encontrado provas de que o desembargador tivesse proferido sentenças em
conluio com advogados. O magistrado retornou às atividades em 2011, depois
que o STF trancou a ação.
Continua...