quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

RESTAURE-SE O IMPÉRIO DA MORALIDADE OU LOCUPLETEMO-NOS TODOS! (PARTE IX)

 

Em abril de 2016, uma reportagem de capa da revista VEJA expôs o estreito parentesco entre o Petrolão, o Mensalão, o assassinato de Celso Daniel e a conspiração forjada para impedir o esclarecimento dessa execução. Somados, os quatro escândalos — que pertencem à mesma linhagem político-policial e foram protagonizados pelo mesmo clã — demonstraram que a transformação do PT em organização fora da lei, decidida a submeter a máquina federal a seus desígnios e eternizar-se no poder, começou a se definir em janeiro de 2002. Entre o formidável acervo de provas, destacava-se o lote de áudios que registraram conversas gravadas por investigadores da PF, dando conta das safadezas de Lula e seus devotos.

Na qualidade de prefeito de Santo André — uma das maiores cidades do país e a primeira letra do ABC, berço político de Lula e seu espúrio partido —, Celso Daniel já tinha brilho suficiente para figurar na constelação das estrelas nacionais do PT. Em janeiro de 2002, quando foi sequestrado numa esquina de São Paulo, ele havia cruzado as fronteiras da administração municipal para coordenar o programa de governo de Lula (função que Antônio Palocci assumiria e que o tornaria ministro da Fazenda).

Foi um crime político, berraram em coro os Altos Companheiros quando o corpo foi encontrado numa estrada de terra, perto da capital. A comissão de frente escalada pelo PT para o cortejo fúnebre, liderada por José Dirceu, Eduardo Mercadante e Luiz Eduardo Greenhalgh, caprichou no olhar colérico, no figurino de quem não teve tempo nem cabeça para combinar o paletó com a gravata, nos cabelos cuidadosamente desalinhados, exsudando sofrimento.

Até então, a única versão na praça se amparava no relato do empresário Sérgio Gomes da Silva, vulgo “Sombra”, ex-assessor de Celso Daniel, segundo o qual ambos voltavam do jantar num restaurante em São Paulo quando o carro foi interceptado numa esquina por bandidos que, estranhamente, levaram o prefeito e nem tocaram na testemunha. 

O depoimento pareceu tão verossímil quanto uma nevasca no Nordeste, mas a comissão de frente monitorada por Lula não tinha tempo a perder com possíveis contradições no samba-enredo cuja letra mal-ajambrada não destoava do refrão que, naquele momento, interessava ao PTo assassinato fora cometido por motivos políticos

Dirceu e Mercadante lembraram que panfletos atribuídos a uma misteriosa organização ultradireitista haviam prometido a execução de dirigentes do partido. Toninho do PT, prefeito de Campinas, já havia sido abatido a tiros em setembro de 2001. Daniel era a segunda vítima, e Greenhalgh, grávido de ira com a reprise da tragédia, acusou o então presidente FHC de ter ignorado os apelos que imploravam meia dúzia de medidas preventivas.

A polícia paulista deu o caso por encerrado após umas poucas semanas e, estranhamente, o PT endossou sem ressalvas a tese do crime comum. A família do morto discordou do desfecho conveniente, o Ministério Público achou a conclusão apressada e seguiu investigando a história, e logo surgiram evidências de que o crime tivera motivações políticas, sim, só que os bandidos eram ligados ao PT.

Ainda no início do último mandato de Daniel, empresários da área de transportes e pelo menos dois secretários municipais haviam concebido, com a concordância do prefeito, o embrião do que o Brasil contemplaria, em escala extraordinariamente ampliada, com a descoberta do Mensalão. Praticando extorsões ou desviando dinheiro público, a quadrilha infiltrada na administração de Santo André supria campanhas do PT. Em 2001, ao constatar que os quadrilheiros estavam embolsando boa parte do dinheiro, o alcaide andreense avisou que denunciaria a irregularidade ao comando do partido. E foi justamente para tratar desse assunto que Sombra, um dos pecadores, convidou Daniel para um jantar em São Paulo.

Entre o fim de janeiro e meados de março de 2002, investigadores da PF gravaram muitas horas de conversas telefônicas entre cinco protagonistas da história de horror: Sérgio Gomes da Silva, o SombraIvone Santana — namorada da vítima —, Klinger Luiz de Oliveira — secretário de Serviços Municipais —, Gilberto Carvalho — secretário de Governo de Santo André — e Luiz Eduardo Greenhalgh — advogado do PT para causas especialmente cabeludas. As 42 fitas resultantes da escuta foram encaminhadas ao juiz João Carlos da Rocha Mattos.

Em março de 2003, pouco depois do início do primeiro mandato de Lula, o magistrado alegou que as gravações haviam sido feitas sem autorização judicial e ordenou que fossem destruídas. Mas a queima de arquivo malogrou: incontáveis cópias dos áudios garantiram a eternidade dos registros telefônicos. 

Em outubro de 2005, quando cumpria pena de prisão por venda de sentenças, o eminente magistrado revelou a VEJA que os diálogos mais comprometedores envolviam Gilberto Carvalho, secretário-particular de Lula de janeiro de 2003 a dezembro de 2010 e chefe da Secretaria Geral da Presidência no primeiro mandato de Dilma. “Ele comandava todas as conversas”, disse o juiz de araque. “Dava orientações de como as pessoas deviam proceder e mostrava preocupação com as buscas da polícia no apartamento de Celso Daniel”.

Em abril de 2011, já em liberdade, o conspícuo julgador reiterou a acusação: “A apuração do caso do Celso começou no fim do governo FHCA pedido do PT, a PF entrou no caso. Mas, quando o Lula assumiu, a PF virou, obviamente. Daí ela, a PF, adulterou as fitas, eu não sei quem fez isso lá. A PF apagou as fitas, tem trechos com conversas não transcritas. O que eles fizeram foi abafar o caso, porque era muito desgastante, mais que o Mensalão. 

Ainda segundo Rocha Mattos, o que aconteceu foi que o dinheiro das companhias de ônibus, arrecadados para o PT, não estava chegando integralmente a Celso Daniel. Quando o prefeito descobriu, agentes da PF manipularam as fitas para tirar o que talvez fosse mais grave envolvendo Gilberto Carvalho

De acordo com a reportagem, as seis gravações escancararam a sórdida conjura dos grampeados dispostos a tudo para enterrar na vala dos crimes comuns um homicídio repleto de digitais do PT. A história do prefeito sequestrado, torturado e morto era um caso de polícia e uma coisa da política. As conversas também revelaram a alma repulsiva da quadrilha. Celso Daniel apareceu nas gravações como um entulho a remover. Não mereceu uma única lágrima, um mísero lamento. Os comparsas se dedicaram em tempo integral à missão de livrar Sombra da cadeia para evitar que ele afundasse atirando.

Com a queima das provas sonoras, Rocha Mattos virou sócio do clube de magistrados para quem uma irregularidade processual é muito mais grave que qualquer delito (haja vista a anulação dos processos que tramitavam contra Lula na 13ª Vara de Curitiba). Nessa escola de doutores, aprende-se que quem arromba a porta do vizinho que está matando a mãe e evita a consumação do crime deve ser preso por invasão de domicílio

Como as gravações das conversas entre Lula e seus devotos foram autorizadas pelo juiz Sergio Moro, o STF andou à caça de pretexto semelhante para declarar inexistente o palavrório que estarreceu o país. Mas milhares de cópias em circulação nas redes sociais informavam que a verdade já não poderia ser destruída. Graças à escuta promovida pela Lava-Jato, uma conspiração contra o Estado de Direito comandada por Lula e apoiada por Dilma foi abortada, e o resto é firula bacharelesca, conversa fiada. 

O fato de que há culpados a punir é inarredável — tão inarredável quanto o fato de que, como se soube mais adiante, o castigo não virá. Costuma-se dizer que até um relógio quebrado acerta a hora duas vezes por dia, e que até um burro cego consegue mordiscar a cenoura de vez em quando. Embora muito pouco se aproveite do que Bolsonaro disse nos últimos três anos, é preciso reconhecer que sua insolência acertou na mosca ao dizer no último dia 12, quando falou que eleger Lula em outubro vindouro seria o mesmo “reconduzir o criminoso à cena do crime”.

Em face do exposto, peço aos gatos-pingados que me leem a especial gentileza de pensar nisso quando forem votar, já que demover a escumalha descerebrada que se divide entre a volta ao passado pútrido das gestões petistas e a reeleição de um anormal que parece se esforçar para concluir a destruição que o impeachment impediu Dilma de consumar é uma missão inglória. 

A ignorância é um câncer em fase de metástase, e sempre há quem se aproveite disso para alcançar seus objetivos escusos. Afinal, o que seria dos “espertinhos” se os “trouxas” não existissem?

Continua...