sábado, 26 de março de 2022

FOI ENCHENTE OU MÃO DE GENTE


Jabuti não sobre em árvore”, diz a sabedoria popular. No último dia 11, o presidente do Senado instalou uma comissão, presidida pelo ministro Ricardo Lewandowski, do STF, tendo como relatora a ex-secretária-geral do Supremo na presidência do próprio Lewandowski, e mais nove integrantes, para oferecer ao Senado um anteprojeto de lei de Impeachment visando substituir a anacrônica Lei 1079, de 1950. 

Seria de esperar que isso começasse pela Câmara, pois o Senado é a casa revisora. E causa espécie o fato de que (pelo menos em tese) Lewandowski pode ser julgado no Senado, que é a casa julgadora de ministros do Supremo. E mais estranho ainda é: 1) quem faz lei são os congressistas, e não integrantes de uma comissão composta por pessoas sem mandado; 2) o presidente dessa comissão é um ministro do Supremo que acumula o cargo de juiz do TSE em ano de eleição; 3) esse magistrado se notabilizou por ter presidido o julgamento em que se rasgou o parágrafo único do art. 52 da Constituição, deixando elegível a presidanta condenada. Tantas estranhezas levaram o senador Lasier Martins expressar suas desconfianças na tribuna. O jabuti "ou foi enchente ou mão de gente”.


Há cerca de 20 pedidos de impeachment parados no Senado, esperando que Rodrigo Pacheco os ponha em exame. A comissão instalada por Pacheco terá seis meses para deliberar, o que já dá ao presidente do Senado uma desculpa para esperar sentado sobre os pedidos até setembro, véspera das eleições, como vem fazendo o presidente da Câmara e mandachuva do Centrão, Arthur Lira, em relação aos quase 150 pedidos de impeachment em desfavor do presidente desta republiqueta de bananas. Mas isso é outra conversa.


O senador Lasier Martins disse, na tribuna, que o real autor da iniciativa é o ministro Lewandowski. Na instalação, o eminente togado afirmou que é preciso punir quem apresentar pedido de impeachment não aceito, deixar claro o que é crime de responsabilidade e dar direito a ampla defesa e ao contraditório. 


Punir o denunciante se a denúncia não for aceita? Vai atingir os promotores também? Alexandre Garcia (de quem eu discordo na maior parte das vezes, embora reconheça que até um relógio parado acerta a hora duas vezes por dia) disse que cobriu o julgamento de Dilma e que ela teve todo direito de defesa e do contraditório. Quanto a esclarecer o que seja crime de responsabilidade, basta ser alfabetizado e ler a lei 1079, que trata do assunto há 72 anos. A lei afirma que é crime do presidente agir contra o livre exercício do Legislativo ou do Judiciário e contra o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais. Imagino que isso valha reciprocamente para os três poderes, como sonhou Montesquieu


Se alguém quer mexer na lei em ano eleitoral, sem que isso se configure uma necessidade ou urgência (já que serviu para Collor e Dilma); se começou com um ato de subserviência do presidente do Senado, como sugere o senador Lasier; se há tanta esquisitice em torno desse jabuti que apareceu ex machina, o patrão desses servidores do público, que é o cidadão, o pagador de impostos, o eleitor, precisa saber o que estão preparando assim de forma tão estranha quanto um jabuti no galho. O presidente do Senado precisa esclarecer que história é essa.


Com Alexandre Garcia