Há tempos que a educação é uma das muitas calamidades públicas nesta republiqueta de bananas. Agora, sob Bolsonaro, a pasta se tornou alvo de interferências externas (e nada republicanas). A exemplo do ministério da Saúde sob o nada saudoso general Pesadelo, o MEC é vítima de sanguessugas travestidas de pastores evangélicos. O presidente disse que “bota a cara no fogo” pelo dublê de ministro e pastor presbiteriano Milton Ribeiro. Talvez devesse deixar um bombeiro de prontidão.
Uma das inumeráveis virtudes de Bolsonaro é a falta de empatia. Se é capaz de calçar sapatos alheios (metaforicamente falando) e sentir como lhes doem os calos, ele só se vale desse dom quando em relação à primeira-dama, à prole e a alguns amigos.
No penúltimo escândalo envolvendo um ministro de Estado — falo da roubalheira no MEC —, o sultão do Bolsonaristão vem sendo pressionado por políticos, evangélicos, a mídia e adversários a demitir Ribeiro, que foi guindado ao posto com as bênçãos de Michele Bolsonaro. Suspeita-se que o ministro-pastor tenha aberto o cofre da Educação — com os auspícios do mandatário, como o próprio Ribeiro admitiu numa gravação — para satisfazer o apetite de papa-hóstias picaretas. O ministro pensou em colocar o cargo à disposição, mas o mandatário culpou a imprensa por “criminalizar os evangélicos” e mandou Ribeiro permanecer na poltrona.
Ainda que não se destaque pela empatia, Bolsonaro cultiva o hábito de blindar ministros encrencados — como fez com Marcelo Álvaro Antônio, acusado de desviar verbas públicas no escândalo das candidatas laranja do então PSL de Minas Gerais, e Ricardo Salles, investigado sob a suspeita de conluio com madeireiros fora da lei no Ministério do Meio Ambiente.
À época do Mensalão, Lula disse que não podia saber de tudo que acontecia em seu governo, assim como um pai não sabe de tudo que os filhos fazem ou deixam de fazer. Bolsonaro já disse algo parecido, mas, no caso da bandalheira pastoral, foi ele quem recomendou ao ministro que dedicasse especial deferência aos assaltantes, particularmente o pastor Gilmar (como se ouve do próprio ministro na gravação retrocitada).
A diferença em relação a Ribeiro é que o novo escândalo ocorre em ano eleitoral. E cresce a quantidade de prefeitos que sustentam ter recebido pedidos de propina em troca dos serviços pastorais do MEC.
Bolsonaro pode até ter razão — ao menos em parte — quando diz que uma criminalização dos pastores está em curso. Mas isso não se deve a uma hipotética má vontade dos repórteres com os evangélicos, e sim aos indícios de que criminosos podem estar se lambuzando nas arcas da Educação escondidos atrás da Bíblia.
Bolsonaro exagerou quando disse pôr a cara no fogo pela inocência de Ribeiro. Supondo que o subordinado não seja tão inocente quanto seu superior parece acreditar, alguém terá de pagar pelo malfeito. E certamente não será Bolsonaro, que não costuma pensar duas vezes antes de abandonar aliados no campo de batalha para salvar o próprio rabo.
Observação: A pedido da CGU, a PF instaurou um inquérito para investigar se houve favorecimento ilegal em repasses de verbas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, ligado ao Ministério da Educação.
O ministro-pastor já pediu ao togado terrivelmente evangélico André Mendonça e aos presidentes da Câmara e do Senado que intercedessem junto ao presidente em prol de sua permanência no cargo. O clã presidencial gosta dele — sobretudo zero três, que é o mais ideológico e dependente eleitoral dos recursos do Fundo Nacional da Educação, cujo orçamento para este ano é de mais de R$ 40 bilhões.
A primeira-dama e a filharada estão com dó do ministro, mas, em nome dos superiores interesses do país, ele deveria voltar paro templo. Talvez a conjuntura force Bolsonaro a fazer por pressão o que não está propenso a fazer por opção.
Com Josias de Souza