segunda-feira, 10 de julho de 2023

E AGORA, JAIR?

 

A roda rodou, a fila andará. A direita tomará um novo rumo. E agora, JairComo ficará sua sucessão pessoal em 2026? A escolha será pautada pelos temas do imbrochável, imorrível, insuportável e ora inelegível? Recairá sobre um membro de seu clã ou sobre alguém com poder político e aura de administrador? É fato que encerrou-se uma fase, e que o país continua marchando. A questão é: para onde?

 
As possíveis mudanças não trarão o país de volta ao estágio inicial da redemocratização, quando rivalizavam PT e PSDB. A revolução digital deu voz a milhares de atores novos, e a lógica do algoritmo favorece o escândalo, o exagero, e até a agressiva desqualificação do adversário político. Resta saber se essas "novas tendências" — que encarnaram em Bolsonaro — terão condições de hegemonizar a direita ou apenas se integrarão a ela. E como se dará o debate no campo oposto. 
Não havendo mais o bicho-papão que dizia barbaridades a cada passagem pelo cercadinho, pode surgir uma perspectiva ligeiramente mais sofisticada — e mais difícil de combater. 

 

Inelegível por decisão do TSE, Bolsonaro encontra-se impedido de concorrer/exercer cargos eletivos até 2030. Uma vez que a maioria dos ministros decidiu que o encontro com embaixadores teve motivação eleitoral, com desvio de finalidade no uso da estrutura pública, cabe ao MPF apresentar uma ação civil pública por improbidade administrativa. 

 

Lei de Improbidade Administrativa não prevê a possibilidade de prisão, mas admite punições como a perda de função pública, ressarcimento de prejuízos aos cofres públicos, multa, perda de bens e proibição de assinar contratos com o poder público. No caso de Bolsonaro, eventual condenação o impedirá de continuar exercendo as funções presidente do PL (pelas quais ele recebe do ex-mensaleiro e ex-presidiário Valdemar Costa Neto um salário mensal de R$ 41 mil).

 

Observação: A lei foi em questão foi alterada recentemente e, para a condenação por improbidade, é preciso que haja dolo. Se o dolo restar provado, caberá à Justiça definir se aplicará a punição de suspensão dos direitos políticos e por quanto tempo, já que o prazo varia de 1 mês até 12 anos a partir do momento em que todos os recursos estiverem esgotados, o que pode estender o período de inelegibilidade do capitão. 

 

Ficou expresso na decisão do TSE que a reunião com embaixadores, realizada com recursos públicos, teve finalidade eleitoral. Se o TCU entender da mesma forma, Bolsonaro terá que devolver esses valores. Já o efeito de estender o tempo de inelegibilidade só deve acontecer se for provado que o capitão agiu de forma intencional, pois a Lei da Ficha Limpa fala em contas reprovadas por irregularidade que "configure ato doloso de improbidade".

 

Existe a possibilidade de enquadrar Bolsonaro por improbidade administrativa em ao menos três dos inquéritos já abertos contra ele na Justiça — as investigações sobre fraudes em cartões de vacinação, apropriação das joias sauditas e vazamento de investigação sigilosa da PF. No entanto, ações dessa natureza costumam se arrastar por anos, de modo a possiblidade de uma decisão rápida é vista como improvável.

 

Não tem sido fácil para o patriarca do clã das rachadinhas e das mansões milionárias compradas com panetones de chocolate e dinheiro vivo vestir a fantasia de vítima de um sistema judiciário-eleitoral que lhe tirou a cidadania passiva (capacidade para ser votado) até 2030, sobretudo num momento em que questões outras tiram-lhe o foco da vitimização. 

 

Populistas e autocratas tendem a morrer "ab intestato". Na Rússia, Putin usou o poste Dmitry Medvedev quando não pode emplacar um novo mandato presidencial — e depois mudou a lei e concedeu a vice-presidência a Medvedev como prêmio de consolação. No Brasil, o ex-ditador Getúlio Vargas não deixou herdeiros — embora o caudilho Leonel Brizola tenha chamado a si a hereditariedade getuliana (herdeiro por presunção). Ivete Vargas, filha de Cândida Vargas e neta do irmão de Getúlio, nunca passou de deputada, e o Partido Trabalhista Brasileiro, fundado por Getúlio, perdeu prestígio e virou um quase nada.

 

Lula e Bolsonaro não são propensos a formar herdeiros políticos e sucessores. O plantador de "postes" já se insinua candidato ao quarto mandato presidencial  e, a julgar por seus vitupérios, aposta em manter a polarização com o execrável líder da direita radical, que, perguntado sobre quem lhe sucederá na liderança da extrema-direita, diz estar vivo politicamente e desencoraja herdeiros presuntivos.

 

Rascunha-se na Câmara um projeto de lei visando restituir a Bolsonaro sua elegibilidade. Leis que miram privilegiar pessoa certa e aniquilar condenações são flagrantemente inconstitucionais. Se passar no Congresso e for sancionada por Lula, essa excrescência deve morrer no STF. Mas vale lembrar que políticos, como bons chupins que são, buscam integrar a corte e tirar vantagens em todos os ninhos — ainda que por tabela, como no projeto em questão. 


Bolsonaro é investigado nos inquéritos sobre milícias digitais e tentativa de golpe de 8 de janeiro. O TSE determinou o encaminhamento à PGR do acórdão de inelegibilidade e peças processuais. Se for definitivamente condenado, mesmo que não seja preso, o capitão perderá os direitos à cidadania ativa e passiva. 

 

Observação: A lei complementar sobre inelegibilidade abre a possibilidade de concessão de liminar para suspender, provisória e cautelarmente, a decisão do TSE. mas é preciso que haja plausibilidade no pedido, e nenhum operador do Direito isento seria capaz de encontrar plausibilidade no votos favoráveis a Bolsonaro na corte eleitoral. Raul Araújo argumentou que os fatos não foram graves e a difusão pela TV Brasil e rede telemática era natural, mas ficou evidente que o capitão convocou embaixadores para mostrar o país como uma república bananeira sem Justiça e com sistema eleitoral fraudulento. Quanto ao voto de Nunes Marques, então, nem se fala. Além disso, bater às portas do STF durante o recesso e com Rosa Weber como plantonista seria pura perda de tempo. 

 

Diante das minguadas possibilidades de reversão da inelegibilidade, quer por via recursal, quer por projeto de lei, Bolsonaro parece estar na porta do Inferno descrito na Divina Comédia, onde está escrito: "Lasciate ogni speranza, voi ch´entrate". 

 

Com Fernando Gabeira e Walter Maierovithc