segunda-feira, 24 de julho de 2023

MORAES E OS "ANIMAIS SELVAGENS"



Alexandre de Moraes e familiares sofreram agressões em Roma, no último dia 14. As opiniões sobre o incidente são desencontradas: o procurador da República Vladimir Aras, que já chefiou a área de cooperação internacional na PGR, diz que não seria o caso de investigação no Brasil nem (muito menos) de ação no STF; o ministro Flávio Dino, que é ex-juiz federal, considera que as buscas feitas pela PF nos endereços dos envolvidos se destinaram a preservar provas, e que a autorização da ministra Rosa Weber foi acertada. No entanto, se o furdunço ocorreu no aeroporto de Roma, não teria sido o caso de acionar a polícia italiana? Por que esperar 12 horas para tratar tudo em solo brasileiro? E o processo vai ficar no STF com base no foro de quem? Os agressores não têm essa prerrogativa; o ministro Alexandre tem, mas ele é o agredido.

Atualização: Moraes, a mulher e os três filho prestaram depoimento na PF no final desta segunda-feira. Volto com mais informações quando as tiver.
 
Num país em que a Justiça tarda e nem sempre chega, esse inquérito corre com as sandálias aladas de Mercúrio. Em apenas cinco dias o agredido formalizou uma representação, a PGR instaurou o inquérito, o Ministério da Justiça requisitou as imagens às autoridades italianas, 
a presidente do STF autorizou a batida policial, a PF cumpriu mandados de busca e apreensão nos endereços dos acusados e a perícia iniciou a análise de celulares e computadores apreendidos. Na prática, o caso é tratado com o mesmo rigor aplicado contra os encrencados no ataque terrorista de 8 de janeiro. 

Alega-se que o tratamento draconiano é necessário para desestimular novos casos de hostilidade de simpatizantes de Bolsonaro contra autoridades que o ex-presidente acusa de persegui-lo por razões políticas. Da Bélgica, Lula perorou que é preciso punir severamente "esses animais selvagens" que ainda transmitem ódio — fala quem semeou a polarização com seu "nós contra eles" —, parecendo achar que conseguirá matar os radicais tomando ele próprio o veneno do radicalismo.
 
Moraes, que já foi chamado de "canalha" por Bolsonaro, virou alvo preferencial de Bolsonaro et caterva quando avisou que não toleraria golpismos nem ataques à higidez do sistema eleitoral. Sob a alcunha de "Xandão", o ministro personificou os piores pesadelos do imbrochável intragável e momentaneamente inelegível, cujos apoiadores precisavam de uma desculpa para a derrota nas urnas que não fosse o próprio candidato. A campanha acabou, mas o ressentimento continua vivo. 

As imagens das câmeras do aeroporto deverão ser liberadas para a PF após a manifestação do Ministério Público da Itália. De acordo com interlocutores, o que foi recebido até a última sexta-feira corrobora o relato de Moraes (informação confirmada também por Alexandre Padilha, ministro das Relações Institucionais, após conversas com autoridades italianas). Os supostos agressores negam ter hostilizado o ministro — que, segundo eles, teria começou o furdunço. 

Observação: De acordo com J.R. GuzzoMoraes foi à Itália participar de um evento na Universidade de Siena, mas a convite de uma faculdade particular de Direito de Goiânia que pertence a um grupo empresarial dedicado a negócios variados, da venda de refrigerantes ao aluguel de carros, e é dono de um laboratório farmacêutico que faturou R$ 500 milhões com venda de ivermectina durante a pandemia e foi condenado a pagar uma multa de R$ 55 milhões por promover o "kit-Covid".

Mudando de uma toga a outra, Luís Roberto Barroso não foi o primeiro nem o único — mas seria bom que fosse o último — magistrado a faltar com o recato exigido pela cargo. E aqui não se fala do suposto "ativismo" ao qual se referem congressistas quando o Judiciário atua (sempre provocado, vale dizer) no vácuo das omissões do Parlamento, nem à defesa ativa da Constituição (que contraria os adeptos da ruptura democrática, mas assegura a higidez do Estado de Direito).


Não fosse a posição corajosa e o combate permanente dos tribunais superiores aos arroubos autoritários de Bolsonaro, o Brasil poderia ter sido vítima não de um clássico golpe de Estado, mas de um retrocesso institucional cujas consequências são previsíveis num país que já viveu os males da ditadura. E é por isso que causa espécie a conduta de integrantes da alta cúpula do Judiciário, que transitam com espantosa falta de cerimônia por festividades brasilienses, frequentam eventos patrocinados, opinam fora dos autos, vão e vêm como se celebridades fossem e depois reclamam quando são questionados, insultados e atacados. 


Em discurso no congresso da UNE, que é comandada pelo PCdoB, Barroso disse, entre outras coisas: "nós derrotamos a censura” e "nós derrotamos o bolsonarismo para que houvesse a democracia". Tanto ele quanto STF deram muitas explicações, mas palavras ditas são como flechas disparadas de um arco: não voltam mais. reação negativa ao episódio pode servir de exemplo a alguns de seus pares pouco afeitos à contenção e desatentos à ultrapassagem da fronteira entre o decoro exigido à toga e os excessos permitidos aos políticos.

ObservaçãoSete senadores e 70 deputados de 10 partidos assinaram o pedido de impeachment protocolado no Senado em desfavor de Barroso. Resta saber o que fará o presidente da Casa, que está sentado em cima de outros requerimentos.