Sem mandato e inelegível, Bolsonaro responderá por suas investidas golpistas e poderá ser punido também na esfera criminal, onde é alvo de investigações relacionadas ao 8 de janeiro e reunidas no inquérito das milícias digitais. O corregedor do TSE apontou em seu voto uma relação direta entre o discurso que o imbrochável fez contra as urnas, antes da eleição, e os ataques do período pós eleitoral — representados pela minuta golpista encontrada na casa de Anderson Torres. Já o ministro Alexandre de Moraes fez referências às milícias digitais durante o julgamento — o inquérito das milícias digitais reúne todas as investidas golpistas feitas pelo imorrível, bem como sua atuação na disseminação de fake news).
A relação das FFAA com todo esse processo também é objeto da apuração. Depoimentos tomados pela PF no escopo do inquérito das milícias revelam que os generais Luiz Eduardo Ramos, ex-ministro da Secretaria-Geral mas com passagem por Casa Civil e Secretaria de Governo, e Augusto Heleno, chefe da Abin, aliaram-se ao patriarca do clã das rachadinhas e das mansões milionárias para atacar o sistema eleitoral e as urnas eletrônicas.
Diz-se que os militares foram usados por Bolsonaro, quando na verdade eles se deixaram usar — alguns com entusiasmo —, e só não aderiram ao golpe porque o auto comando das Forças Armadas se dividiu. No final de agosto de 2021, generais, almirantes e brigadeiros se puseram de acordo com o golpe que o capitão pretendia aplicar no 7 de Setembro. Ano passado, confirmada a vitória de Lula, o Exército acolheu à porta de seu QG milhares de bolsonaristas que, durante 67 dias, cobraram a anulação do resultado da eleição.
Segundo documentos do próprio Exército, o ambiente no acampamento comportava toda sorte de delitos — de prostituição e porte ilegal de arma de fogo a consumo de drogas —, e ali foi urdido também o atentado a bomba que visava explodir parte do aeroporto de Brasília. Para que os parentes dos fardados escapassem à prisão na noite de 8 de janeiro, a PM teve autorização para desmanchar o acampamento manhã do dia seguinte.
Na seara eleitoral, Bolsonaro ainda responde a15 processos referentes às eleições de 2022. Uma das ações tem como alvo o que foi chamado de "ecossistema de desinformação bolsonarista", e aponta o uso das redes sociais para divulgação de dados inverídicos com finalidade de impactar o pleito. Outra ações miram os ataques ao sistema eleitoral, incluindo as ações da PRF no segundo turno e a concessão de benefícios sociais às vésperas da eleição — como a antecipação do pagamento do Auxílio Brasil e do Vale-Gás. Há ainda ações envolvendo atos de campanha nas dependências do Palácio do Planalto e do Alvorada, que desvirtuaram a finalidade pública dos prédios.
De acordo com o ex-ajudante, Bolsonaro detestava que ele pagasse as contas de familiares de Michelle (plano de saúde do irmão, mensalidades da faculdade da irmã, depósitos em contas de outros parentes e entregas de recursos em espécie a integrantes do staff que servia a primeira-dama), mas não havia como deixar de atender os pedidos que chegavam dos assessores dela.
Cid disse ainda que teve de pagar boletos do cartão de crédito que a primeira-dama usava, mas era da amiga Rosemary Cardoso Cordeiro; como ela era funcionária do Senado lotada no gabinete do senador bolsonarista Roberto Rocha, ele receava que a história se transformasse em mais um problema para Bolsonaro.
Outros dois inquéritos envolvendo o ex-mandatário devem ser julgados no TSE até o final do ano. Se ele restar condenado, ficará novamente inelegível por oito anos (os prazos correm simultaneamente e são contados 2 de outubro de 2022, data do primeiro turno das eleições). Já numa eventual condenação do TCU, a contagem é feita a partir da data do trânsito em julgado da decisão, o que arrastaria a inelegibilidade do "mito" para além de 2031.
A maioria dos pedidos de investigação pendentes contra Bolsonaro tem a ver com suas atitudes ao longo do mandato (notadamente durante a pandemia), bem como com as milícias digitais, as joias sauditas e até declarações feitas quando inda era deputado federal. Em fevereiro, dez desses pedidos foram encaminhados para a primeira instância (5 foram apresentados após o ataque contra o STF no 7 de setembro de 2021; os demais tratam de declarações racistas e da realização de uma motociata nos Estados Unidos).
Também em fevereiro o ministro Luiz Fux enviou para a Justiça Eleitoral um pedido de inquérito apresentado pela PF por suspeita de uso indevido de imagens de crianças e adolescentes, durante a campanha eleitoral, que incitavam o uso de armas.
Longe de mim compactuar com as ideias da patuleia ignara — quase sempre nortadas por populismo, corporativismo, autoritarismo, atraso e, claro, muita corrupção — ou da horda bolsonarista. Infelizmente, a derrota do capetão trouxe de volta Lula e o PT, o que é igualmente catastrófico para o país. Para piorar, a corrida presidencial de 2026 já começou. Abundam nomes à esquerda e à direita, o que seria salutar se eles não estivessem umbilicalmente atrelados a Lula e a Bolsonaro.
O Brasil é muito grande para continuar refém do atraso, e os milhões de eleitores que não votaram em nenhum dos dois prova que é possível, sim, uma "terceira via". Só que para isso exigiria uma agenda e um projeto verdadeiramente novo, sem o que teremos a repetição ad aeternum dessa lamentável ladainha.