sábado, 18 de maio de 2024

TRISTE BRASIL...


Segundo a sabedoria popular, até um burro cego consegue, vez por outra, mordiscar a cenoura. Como que para comprovar esse antigo ditado, o STF — que já proibiu o cumprimento antecipado da pena por condenados 2ª instância, anulou os processos de Lula e o reconduziu o "descondenado" ao tabuleiro da sucessão presidencial em 2022 — formou maioria na última quinta-feira para rejeitar um pedido de Habeas Corpus apresentado por um advogado que não integra a lista de representantes de Bolsonaro, com o objetivo era encerrar a investigação que apura a "suposta" tentativa de golpe de Estado e impedir uma eventual prisão do ex-presidente. 
Até o meio-dia de ontem, quando em que eu conclui este texto, a ministra Cármen Lúcia e os ministros Flávio Dino, Cristiano Zanin, Dias Toffoli e Edson Fachin haviam acompanhado o voto do relator, ministro Nunes Marques, relator do caso, contrário à concessão do pedido. Alexandre de Moraes se declarou impedido.
Falando no diabo, o "mito" recebeu alta do Hospital Vila Nova Star (na capital paulista), depois de passar 13 dias internado por conta de um quadro de erisipela. Como diz outro velho ditado, "vaso ruim não quebra fácil".

Alguns chavões são tão enjoativos quanto inesquecíveis. "Há males que vêm para pior" é um deles, e "O que não tem remédio remediado está" é outro exemplo lapidar. Ambos calçam como uma luva no cenário político tupiniquim, já que o atual governo é uma edição revista e piorada das gestões de
Lula (2003-2010) e Dilma (2011-2016), que desaguaram no mandato-tampão do Vampiro do Jaburu (2016-2018), no desgoverno protagonizado pelo pior mandatário desde Tomé de Souza (2019-2022) e na volta do demiurgo de Garanhuns (2022-?), que almeja viver até os 120 anos e disputar outras 10 eleições (que Deus nos livre e guarde dessa catástrofe).

Ao optar pela criação do Ministério Extraordinário de Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul e nomear o petista Paulo Pimenta mestre de cerimônias do dilúvio, Lula adotou um comportamento oposto ao exibido por Bolsonaro durante a pandemia, mas atraiu as enchentes gaúchas para dentro do Palácio do Planalto. No conteúdo, o xamã petista acertou em cheio ao desqualificar, por contraste, o sadismo que veio antes — na pandemia, ao se apresentar como um estorvo para um país que precisava cuidados científicos e tranquilidade político, Bolsonaro tornou-se candidato favorito à derrota em 2022. Na forma, porém, o petista errou ao iniciar com o pé esquerdo a implementação do seu plano para federalizar a hecatombe ambiental.
 
Em vez de politizar a tragédia nomeando um candidato não declarado ao governo gaúcho em 2026, Lula poderia ter escolhido um nome "menos partidário" ou, melhor ainda, formar um comitê tripartite, no qual seu apadrinhado defenderia os pontos de vista do governo federal num colegiado em que soariam também as vozes do governador tucano Eduardo Leite e dos prefeitos de cidades invadidas pelas águas. Pesquisa Quaest informou que a maioria dos brasileiros (55%) avalia que o Sun Tzu de Garanhuns não merece ser reeleito. A comoção produzida pela enchente gaúcha se apresentou como uma oportunidade para demonstrar o contrário. Embora ele tenha dado mostras de que não tem medo de tempestade, resta saber se terá competência para conduzir o barco.
 
Formou-se em torno do Rio Grande do Sul um cinturão nacional de bons sentimentos, mas o apagão de dados climáticos e as falhas na prevenção de desastres clamam pela solidariedade de um bom inquérito. Tragédias ambientais não desastres naturais, mas, no Brasil, assumem ares de flagelos estatais. No ano passado, 75 pessoas morreram no RS — 16 nas inundações de junho, 54 nas cheias de setembro e cinco nas águas de novembro. Pelas últimas contas, o dilúvio atual já produziu mais de 170 cadáveres.
 
Em sua coluna no UOL, Josias de Souza anotou que, há oito meses, o MPF instaurou um inquérito civil para apurar as responsabilidades de órgãos públicos. Na época, a investigação se restringia a cerca de 30 municípios da regiões da Serra e dos Vales gaúchos. Agora, com quase 90% das cidades parcialmente submersas, diz-se que é hora de salvar vidas, não de buscar culpados. Mas uma coisa não prescinde da outra. 
 
Os refugiados do clima vivem uma época de faltas e de excessos. Falta de moradia, de segurança e de estabilidade financeira. Excesso de mortos, de lama e de ansiedade. O suplício talvez fosse menor no futuro se os avisos funerários de hoje viessem com os nomes dos gestores públicos responsáveis pela hecatombe. Eles são responsáveis pelo que fazem e, sobretudo, pelo que deixam de fazer. A omissão é um novo nome para negacionismo.