sexta-feira, 11 de outubro de 2024

ELEIÇÕES LÁ E CÁ



O segundo turno das eleições municipais está marcado para domingo 27, e a eleição presidencial norte-americana, para primeira terça-feira do mês que vem. Disputam a prefeitura de Sampa Ricardo Nunes e Guilherme Boulos, e a Casa Branca, Donald Trump e Kamala Harris — que está 3 pontos percentuais à frente da calopsita alaranjada, segundo pesquisa do jornal The New York Times. 

Cá em Pindorama, prefeitos de municípios com mais de 200 mil eleitores, governadores de Estados e presidentes da República são eleitos por maioria absoluta (50% dos votos válidos + 1 voto). Quando nenhum candidato alcança esse quórum no primeiro turno, os eleitores voltam às urnas, três semanas depois, para escolher entre o primeiro e o segundo colocados, e vence aquele que obtiver mais votos. 
 
Lá na terra do Tio Sam o sistema eleitoral não é bipartidário. Existem dezenas de partidos políticos além do Democrata (liberal) e do Republicano (conservador), mas a maioria não figura nas cédulas da maioria dos estados, e alguns estados têm inclinação partidária definida — como o republicano Texas e o democrata Washington (não confundir com a capital federal). Candidatos "independentes" surgem de tempos em tempos — como o magnata texano Ross Perot em 1992 e o ex-prefeito de Nova York Michael Bloomberg, em 2020 —, mas isso é outra conversa.
 
Esse modelo foi criado no XVIII, quando ainda não havia eleições presidenciais diretas em nenhuma parte do mundo, visando garantir a união das ex-colônias britânicas, e é mantido até hoje para evitar que estados menos populosos sejam ofuscados numa eleição decidida pelo voto popular nos grandes centros urbanos. 
Na prática, porém, a disputa fica concentrada nos "swing states" — como Arizona, Geórgia, Michigan, Nevada, Carolina do Norte, Pensilvânia e Wisconsin —, que "oscilam" entre os candidatos democrata e republicano. 

Lá, existe a possibilidade de um candidato ser eleito com menos votos populares do que o adversário. Foi o que aconteceu em 2016, quando Donald Trump derrotou Hillary Clinton, em 2000, quando George W. Bush venceu Al Gore, e em 1888, 1876 e 1824. Isso porque o não é eleito pelo voto direto da população, mas por um Colégio Eleitoral formado por delegados eleitos pelos cidadãos de cada estado, que podem votar de modo independente, embora a maioria respeite a vontade popular e as diretrizes do partido. 

O candidato que obtém mais votos em um estado fica com todos os delegados daquele estado ("the winner takes all", como na canção imortalizada pelo ABBA), mas precisa de pelo menos 270 votos dos 538 possíveis (total que corresponde à quantidade de delegados estabelecida em 1964). Se esse quociente não for alcançado (ou se houver empate), o presidente é eleito pela Câmara dos Representantes, e o vice-presidente, pelo Senado, o vice-presidente.
 
Em nossas eleições municipais, os nobres vereadores e os insignes deputados estaduais, federais e distritais são eleitos com base num "sistema proporcional", que nada deve em obscuridade ao sistema norte-americano. A distribuição das vagas
 começa pelo quociente eleitoral — que é obtido mediante a divisão do número total de votos válidos pelo número de vagas em disputa (somente os partidos que alcançam esse índice mínimo têm direito a vagas) — e segue pelo quociente partidário — resultado da divisão do total de votos válidos que o partido recebeu pelo quociente eleitoral —, que determina a quantidade de vagas a que cada partido tem direito. 

Mais de 430 mil candidatos disputaram 58,4 mil cadeiras nas assembleias legislativas dos 5.569 municípios no último domingo, e haverá segundo turno para prefeito, no próximo dia 27, em 98 cidades com mais de 200 mil eleitores cadastrados. 

O sempre mui esclarecido eleitor paulistano (que já elegeu Celso PittaLuíza Erundina e Fernando Haddad, entre outras aberrações) escalou para o embate final o emedebista Ricardo Nunes e o psolista Guilherme Boulos, que obtiveram, respectivamente, 29,48% (1,8 milhão) e 29,07% (1,78 milhão) dos votos válidos no pleito mais acirrado desde a redemocratização. Pablo Marçal (PRTB) ficou em 3° lugar, 28,4% (1,72 milhão), a menos de 1 ponto percentual de ir para o segundo turno e menos de 60 mil votos atrás de Boulos. Seu crescimento assustador nas pesquisas só foi refreado pela propaganda eleitoral no rádio e na TV (Nunes era dono 65% do horário). 

Tábata Amaral (PSB) ficou com 9,91% (605,6 mil votos) e declarou apoio a NunesJosé Luiz Datena (PSDB), que já abandonou outras cinco candidaturas, teve 1,84% (112,3 mil votos, perdendo até para o vereador mais votado) e liquidou de vez o já moribundo partido dos tucanos. Brancos e nulos somaram 14,5% (quase 1 milhão de votos), e 2,5 milhões de eleitores (26,88%) não se deram ao trabalho de comparecer às urnas. 

Marçal, que tumultuou a corrida eleitoral com ataques e factoides — culminando com a publicação de um prontuário médico falso que pregava em Boulos a pecha de cocainômano — disse que ficou feliz com o resultado, que agora vai apoiar Nunes e que ainda não decidiu se disputar o Palácio do Bandeirantes ou a Presidência (que Deus nos livre de mais essa desgraça).

Nunes se elegeu vereador em 2012 e 2016, perdeu duas eleições para deputado federal (em 2014 e 2018), elegeu-se vice-prefeito em 2020 na chapa de Bruno Covas e ostenta no currículo uma investigação sobre a "máfia das creches", um B.O. de violência doméstica e um tiro disparado na década de 1980. O apoio do governador Tarcisio é seu maior trunfo, mas o incomível imbrochável insuportável — que continua livre, leve, solto e posando de cabo eleitoral de luxo — promete participar mais ativamente de sua campanha neste segundo turno.

Nunes precisa melhorar seu desempenho nos próximos debates e sabatinas se quiser abiscoitar as viúvas de Marçal e os 84,2 mil eleitores que votaram em Marina Helena (NOVO). Segundo o Datafolha, ele está 22 pontos à frente de Boulos e é menos rejeitado pelos paulistanos (21% a 58%). Cerca de 5% dos 1.200 entrevistados disseram que votarão em branco ou anularão o voto, e 3,4% não sabem ou não responderam.

Boulos é uma versão "despiorada" e escolarizada de seu padrinho político. Antes de virar coordenador do MTST (Movimento dos Trabalhadores sem Teto), ele cursou filosofia na USP, especializou-se em psicologia clínica pela PUC e fez mestrado em psiquiatria (também pela USP). Na política, disputou (e perdeu) a Presidência em 2018 e a prefeitura de Sampa em 2020, mas foi o deputado federal mais votado em 2022, apesar de colecionar polêmicas, processos judiciais e três detenções — o que não chega a surpreender, considerando que os paulistas concederam quatro mandatos consecutivos de deputado federal ao palhaço Tiririca.

Siamo fregatti!