DIANTE DE DETERMINADOS MISTÉRIOS, É MELHOR FAZER O QUE A BÍBLIA DIZ QUE MARIA FEZ DEPOIS DE DAR À LUZ A JESUS: FICOU EM SILÊNCIO E PONDEROU AS COISAS NO CORAÇÃO.
Começando pela péssima recordação:
Em janeiro de 2021, dias após Bolsonaro completar dois anos de mandato, eu escrevi que:
Na mesma postagem, comentei que R$ 15 milhões do 1,8 bilhão gasto com alimentação foram “investidos” em leite condensado, outros R$ 2,2 milhões em chicletes, R$ 32,7 milhões em pizza e refrigerante, R$ 6 milhões em frutos do mar e R$ 2 milhões em vinhos. Por meio de nota, o Ministério da Defesa, então comandado pelo general Fernando Azevedo e Silva, afirmou que “o leite condensado é um dos itens que compõem a alimentação por seu potencial energético, podendo ser usado eventualmente em substituição ao leite".
No que tange ao chiclete, a pasta sustentou que “o produto ajuda na higiene bucal das tropas, que, às vezes, não têm tempo de fazer a escovação apropriada, como também é utilizado para aliviar as variações de pressão durante a atividade aérea”, bem como ressaltou que havia 370 mil militares na ativa, e que cada um recebia apenas R$ 9 por dia para alimentação.
Naquele mesmo dia, durante almoço com apaniguados e puxa-sacos numa churrascaria em Brasília, Bolsonaro reagiu às críticas com a finesse que lhe é peculiar: “Quando vejo a imprensa me atacar, dizendo que comprei 2 milhões e meio de latas de leite condensado, vá pra puta que pariu, imprensa de merda! É pra enfiar no rabo de vocês da imprensa essas latas de leite condensado. Essas acusações levianas não levam a lugar nenhum e se me acusam disso é sinal que não tem do que me acusar (…) Isso não é mordomia, não é privilégio”.
Tanto é possível mentir dizendo a verdade quanto dizer a verdade mentindo. Conta-se que Fidel Castro, ao ser questionado sobre a penúria na ilha forçar universitárias a se prostituírem para sobreviver, respondeu que era exatamente o contrário: a situação em Cuba era tão boa que até as prostitutas eram universitárias.
No que tange à reduflação:
Com o preço dos laticínios nas alturas, margarinas e produtos lácteos à base de soro de leite se tornaram uma alternativa mais barata. Isso sem falar na reduflação — estratégia usada por fabricantes para mascarar o aumento no preço dos produtos. Trata-se de um duro golpe no bolso dos consumidores, já que o preço não cai — isso quando não aumenta. A empresa de salgadinhos Lay's, subsidiária da Pepsi Co, relançou sua batata frita num pacote maior, com um novo nome — Party Size — e um aumento de preço que superou em muito o do peso.
Outros exemplos são o pacote do biscoito recheado Trakinas, que trazia 200 gramas do produto, agora traz 126 (redução de 37%), as barras de 180 gramas do chocolate Garoto, que agora pesam 90 gramas (redução de 50%), os pacotinhos de queijo ralado de 50 gramas, que agora trazem 40 gramas (redução de 20%), e por aí vai. Até limpar a bunda está custando mais: os rolos de papel higiênico, que tinham 60 metros nos anos 1970, passaram a ter entre 30 e 20 metros.
No que tange ao leite condensado:
O produto tradicional é denso, cremoso, de sabor marcante e textura uniforme porque feito a partir da concentração do leite integral com adição de açúcar. Já o “pseudo leite condensado” é uma versão fabricado com soro de leite — um subproduto da fabricação de queijos — muito mais pobre, tanto nutricional quanto sensorialmente.
Enquanto o leite condensado verdadeiro tem um dulçor profundo e uma untuosidade que se funde perfeitamente com chocolate, coco ou frutas, a versão mais barata é aguada, menos doce e com um retrogosto levemente metálico ou ácido, dependendo da formulação. A ausência de gordura e sólidos lácteos compromete sua capacidade de emulsificar e caramelizar, afetando não só o sabor, mas também a estrutura de pavês, tortas, mousses, pudins, recheios e coberturas, e exigindo correções com creme de leite, gelatina ou amido — o que encarece a receita e proporciona um resultado sempre inferior, com sabor apagado e textura comprometida. Mas é no brigadeiro que o pseudo leite condensado revela sua total imprestabilidade.
Ao ser levado ao fogo com chocolate e manteiga, o leite condensado original engrossa, ganha brilho e ponto de enrolar. Já o feito com soro de leite demora mais para atingir o ponto, não ganha consistência adequada, separa líquidos e, quando esfria, vira uma massa pastosa e sem elasticidade. Resultado: o que deveria ser uma celebração da simplicidade vira um exercício de frustração. Portanto, não se iluda com a economia porca proporcionada por um produto mais barato na prateleira, pois você precisará de mais ingredientes para compensar as deficiências. Em última análise, é a reduflação disfarçada de economia: menos produto, menos qualidade, mais frustração.
Uma alternativa mais econômica que o Leite Moça, Mococa, Itambé e assemelhados é a versão caseira. Você precisa apenas misturar um litro de leite integral e 1 ½ xícara (chá) de açúcar cristal numa panela, deixar ferver por 35 minutos, transferir para uma batedeira e bater até esfriar (por cerca de 15 minutos). Para saber se a mistura está pronta para ser batida, coloque uma gota num pratinho ou pires que que ficou no freezer por pelo menos uma hora: se a gota não escorrer quando você virar o pratinho, pode despejar o conteúdo da panela na batedeira e finalizar o preparo.
Bom proveito.