THE UNIVERSE REMEMBERS EVERYTHING
A maioria de nós acredita que o passado se foi, que nem mesmo Deus pode fazer com que o que foi não tenha sido. O futuro, por sua vez, é tido como incerto, embora uma parte dele dependa de leis naturais — daí ser possível prever a posição dos astros em qualquer data futura, o dia e a hora do próximo eclipse lunar e a maioria dos efeitos de uma reação física ou química.
Observação: Conforme comentou meu velho amigo Edward no primeiro capítulo desta sequência, a concepção de tempo varia profundamente entre as culturas. O povo Aymara, do altiplano andino, possui uma visão única: para eles, o passado (nayra, que significa "fronte" e "olho") está à frente, porque é conhecido e visível, enquanto o futuro (qhipa, "atrás") está às costas, por ser desconhecido e invisível. Já entre alguns povos indígenas do Brasil, como os Munduruku e os Pirahã, a experiência temporal é distinta. Sua concepção não é espacial como a dos Aymara, mas focada em um presente contínuo e expansivo. Eles valorizam intensamente a memória ancestral e o mundo imediato, vivendo de forma plena o momento, sem a mesma abstração linear de futuro que caracteriza o pensamento ocidental.
Ainda não conseguimos prever o que acontecerá na semana que vem — não porque o futuro seja intrinsecamente incerto, mas porque envolve variáveis com as quais nem os computadores mais poderosos conseguem lidar. Mas conhecer é prever, e isso torna possíveis todas as técnicas, da máquina a vapor ao computador.
CONTINUA DEPOIS DA POLÍTICA
A intentona bolsonarista não prosperou devido ao amadorismo acachapante do ex-presidente e seus capangas. A tramóia urdida pelo filho do pai nos EUA frutificou, mas não impediu a condenação do chefe e demais integrantes do núcleo crucial do golpe. Para piorar a situação dessa caterva, a “química que rolou” com a calopsita alaranjada reverteu a tendência de queda do molusco eneadáctilo, que por ora é tido como imbatível em 2026, independente de quem for o adversário.
Um presidente em viés de alta nas pesquisas não precisa calçar mocassim, mas tampouco deve exagerar no tamanho do salto. Discursando para uma plateia companheira, o xamã petista disse que não rolou apenas uma química entre eles, "pintou uma indústria petroquímica." Na mesma em que ele destilou confiança no Rio de Janeiro, o representante comercial americano Jamieson Greer e o secretário de Tesouro Scott Bessent disseram, numa entrevista em Washington, que o tarifaço contra o Brasil se deveu a afronta ao "estado de direito e aos direitos humanos", "censura" a big techs e "detenção ilegal" de americanos no Brasil.
O encontro de Mauro Vieira com o chefe da diplomacia americana Marco Rubio pavimentou o caminho para uma conversa entre Lula e Trump. A chance de melhoria das relações bilaterais é grande, pois pior do que está é difícil ficar. Mas nada justifica a exacerbação do otimismo.
O último político brasileiro que se entusiasmou com Trump foi Bolsonaro. Quando seu ídolo foi coroado pela segunda vez, o futuro hóspede da Papuda exultou: "Estou animado. Não vou nem tomar mais Viagra". Mas não demorou a se dar conta de que quem pula junto com Trump dá um salto mortal.
Lula olha para Trump do alto de um salto agulha de 15 cm, mas faria um bem a si mesmo se descesse para um discreto, compacto e seguro salto Anabela. Além disso, para quem está na bica de completar 80 anos, parecer sensual deveria ser a última das preocupações.
Não temos como prever tudo, mas sabemos quase tudo que é preciso para prever a evolução física do mundo, mesmo porque as leis da natureza são constantes. Na escala microfísica, o determinismo é universal; na escala física, o futuro é previsível, mas a conduta humana não obedece às leis universais.
Quando se trata do futuro, não estamos apenas no incerto, no imprevisível, mas também no indeterminado. Alguns futuros são contingentes. Talvez um dia possamos prever tudo do cosmos, ainda que não consigamos predizer o comportamento de nosso melhor amigo — ou mesmo o nosso.
O tempo nos apresenta três graus de ser: o superior é o passado (o que não pode não ser); o intermediário é o presente (o que é, simplesmente); e o inferior é o futuro (que pode ser ou não ser). O presente é real, o passado, real e necessário, e o futuro, apenas possível — ou a diversidade dos possíveis, já que se trata menos de um ser do que de uma potência.
No que se refere ao tempo, talvez sejamos vítimas de uma confusão — frequente e quase inevitável. Como bem observou Santo Agostinho, ˝se ninguém me pergunta, eu sei, mas se me perguntam e quero explicar, já não sei mais˝. Temos apenas um conhecimento intuitivo, não conceitual, e esse conhecimento intuitivo não é direto, já que não temos acesso ao próprio tempo, apenas às coisas que estão no tempo e mudam com o tempo.
Percebemos a mudança, não o tempo. É o que já assinalava David Hume: ˝Toda vez que não temos percepções sucessivas, não temos noção do tempo, mesmo se houvesse uma sucessão real nos objetos˝. O tempo não pode fazer sua aparição nem completamente só, nem acompanhado de um objeto constante e invariável, apenas se deixa descobrir por alguma sucessão perceptível de objetos mutáveis. O tempo passou porque agora não chove mais, porque eu dormi, porque o ponteiro do relógio se moveu, e por aí vai. É a razão pela qual temos a impressão — enganadora — de que, se as coisas parassem de mudar, o próprio tempo pararia.
Em versos que todos os escolares franceses conhecem, o poeta Lamartine escreveu: ˝Ô temps! Suspends ton vol, et vous, heures propices. Suspendez votre cours, laissez-nous savourer les rapides delices des plus beaux de nos jours.˝ Mas o filósofo poderia responder ao poeta: “Que o tempo suspenda seu voo, admito! Mas… por quanto tempo?”
Como todos nós, o bardo francês confunde tempo com acontecimentos temporais. Mesmo que pudéssemos deter o curso dos acontecimentos, mesmo que as coisas pudessem se manter numa espécie de presente perpétuo, mesmo que o devir se detivesse, o tempo propriamente dito não se deteria. Talvez o futuro fosse semelhante ao presente, mas o tempo continuaria seu curso.
Os poetas não são os únicos a confundir a forma do tempo com seu conteúdo. O mesmo acontece com sociólogos, psicólogos e filósofos. Alguns sociólogos falam, por exemplo, em aceleração do tempo, quando na verdade há cada vez mais ações ou acontecimentos no mesmo lapso de tempo — ou talvez essa seja a impressão que temos, já que o tempo é a medida pela qual expressamos velocidade, e ele mesmo não pode ter velocidade — segue sempre segundo após segundo, por definição.
Em última análise, falar em velocidade do tempo é uma incoerência, já que pressupõe exprimir a variação do tempo em relação a si mesmo. Por outro lado, as equações relativísticas de Einstein demonstraram que o tempo é relativo: ele passa mais devagar para um observador em movimento em relação a outro, sem que exista um referencial privilegiado. Isso já foi detalhado em outras postagens, mas foge ao escopo desta abordagem.
Alguns historiadores afirmam que os gregos tinham uma concepção cíclica do tempo. É fato que eles — e outros povos antigos — previam o movimento dos astros, o retorno das estações e a repetição dos mesmos acontecimentos a intervalos regulares. Mas o fato de alguns acontecimentos serem cíclicos prova apenas que o tempo não o é. Se fosse, os eventos se confundiriam com seus precedentes. Afirmar que o mesmo acontecimento se repete a intervalos regulares, como a volta completa de um círculo, implica admitir que o mesmo momento ocorre em momentos diferentes, o que é contraditório; logo, esposar a tese do eterno retorno é tomar a repetição de eventos pela circularidade do próprio tempo.
Podemos dizer que o porvir é a parte do tempo que ainda não é presente, e que o futuro continua sendo futuro, ou seja, uma dimensão essencial e constitutiva da temporalidade tão real quanto o presente, mas que ainda não é, a parte do tempo que nunca atingimos, mas que representamos sempre. Essa distinção do tempo e de seu conteúdo nos oferece um meio indireto de definir o tempo: se suprimirmos tudo o que existe à nossa volta, restam o espaço que esses corpos ocupavam e tempo no qual ocorriam todos os acontecimentos.
Nesse contexto, o espaço aparece como uma espécie de forma vazia, na qual se podem introduzir objetos tridimensionais. Se retirarmos o espaço, resta somente o tempo no qual e pelo qual pensamos, que aparece como uma espécie de forma vazia na qual se podem introduzir processos de uma dimensão: as mudanças que acontecem às coisas sensíveis (os corpos extensos no espaço) e aos pensamentos, o nosso.
Em última análise, isso ilustra a distinção entre a forma do tempo e seu conteúdo. Os acontecimentos são sempre distintos, mas o tempo permanece o mesmo — como na concepção de Newton, segundo a qual ˝o tempo absoluto, verdadeiro e matemático, sem relação a nada de exterior, escoa uniformemente e se chama duração˝.
Essa é também a concepção de Kant, para quem o tempo era uma forma pura pela qual percebemos as coisas exteriores e nossos próprios pensamentos, um quadro a priori no qual se instalam a posteriori todos os fenômenos percebidos, estejam eles em nós ou fora de nós. Mas talvez o tempo não seja uma forma sem conteúdo: o que seria um tempo vazio, uma duração sem nada que dure? Absolutamente nada. Segundo a concepção de Leibniz, oposta nesse ponto à de Newton, sem acontecimentos não haveria tempo..
O tempo não é uma substância que existe por si mesma e que os diversos acontecimentos que nele se desenrolam, reais ou possíveis, vêm a preencher, e sim uma relação entre os acontecimentos existentes. E o mesmo se dá com o espaço, com a diferença de que o espaço e o tempo não definem o mesmo tipo de relações entre as coisas.
O espaço é uma ordem de coexistências na qual os existentes que são compatíveis entre si podem estar, um em relação ao outro, numa relação espacial. Já o tempo é uma ordem de sucessão onde os existentes incompatíveis só podem coexistir sucessivamente, um antes do outro ou um depois do outro, mas não simultaneamente. Em suma, o tempo nada mais é que essa relação de incompatibilidade entre estados do mundo igualmente existentes.
Vale reforçar que isso não altera o que vimos no começo deste ensaio. O tempo pode existir sem os acontecimentos (como sustentou Newton) ou não existir independentemente deles (como postulou Leibniz). Mas é importante não confundir as propriedades do tempo em si com as dos acontecimentos temporais. Dado que o tempo é constante, unidimensional, unidirecional e imutável, o futuro como dimensão do tempo é sempre o mesmo.
Por outro lado — e tudo sempre tem mais que um lado num universo quadridimensional — não se deve confundir o tempo com seu conteúdo nem com a maneira como ele se nos apresenta. Mas isso é assunto para o capítulo final.
Continua…