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sábado, 12 de novembro de 2016

A INESPERADA DERROTA DE HILLARY CLINTON

Pouca gente botou fé quando Donald Trump anunciou que iria disputar a presidência dos EUA. Mas o cara desbancou um a um os demais “pré-candidatos” e, ao final de uma campanha acirradíssima e de baixíssimo nível, acabou sendo eleito, contrariando a maioria das pesquisas ― que até a véspera da eleição apontavam Hillary Clinton como provável vencedora.

As eleições americanas não são como as daqui. Lá, os votos dos eleitores (ainda que dados para candidatos específicos) servem para eleger os delegados no Colégio Eleitoral que os representarão na escolha final do futuro presidente. Cada Estado tem uma quantidade de delegados proporcional à população; no total, são 538 representantes, e são necessários os votos de 270 deles para eleger um presidente da República. Na maioria dos casos, a determinação final dos votos dos Estados é absoluta; ou seja, mesmo que o candidato “A” derrote o candidato “B” no Estado “X” por 55% contra 45% dos votos válidos, “A” obterá todos os representantes de “X”, ao passo que “B” não levará nenhum ao Colégio Eleitoral (os únicos Estados em que se realiza uma contagem diferente são o Maine e o Nebraska). Assim, é possível que “B” obtenha mais votos totais que “A” e acabe derrotado no Colégio Eleitoral por ter perdido a disputa nos Estados mais populosos.

Observação: Vale salientar que não existem apenas dois partidos políticos nos Estados Unidos. Embora o Democrata e o Republicano sejam os mais conhecidos, até porque se alternam no poder desde as mais priscas eras, há dezenas de outras legendas ― como o Partido Libertário, o Partido Verde, o Partido Novo, o Partido da Montanha, o Partido da Reforma, o Partido dos Trabalhadores (é, lá também tem), o Partido do Alaska, o Partido do Havaí, etc. ―, que, por receberem apoio mínimo nas eleições gerais, não aparecem nas cédulas de todos os Estados (com exceção do Libertário e do Verde).

Entendeu? Nem eu! Mas sigamos adiante, ou melhor, voltemos agora ao dia 8, quando o mundo ficou boquiaberto com a vitória de Trump ― ou melhor, com a derrota de Hillary. Até porque os americanos não escolheram o candidato de que mais gostavam, e sim o que menos detestavam. E, surpreendentemente, a democrata superou o republicano em falta de empatia e índices de rejeição.
S
ob alguns aspectos, esse resultado inesperado faz lembrar a eleição de Doria, que se deveu em grande parte à manifesta rejeição dos paulistanos à classe política como um todo ― e o prefeito eleito fez absoluta questão de salientar, durante toda a campanha, que não era político, mas gestor e empresário bem-sucedido.    

A vitória de Trump premiou uma das campanhas mais heterodoxas da história e a ambição de um empresário que venceu na política explorando ao máximo a frustração do público com os políticos tradicionais. Assim que sua vitória foi confirmada as Bolsas despencaram na Ásia (quedas de 5,35% em Tóquio e 2,16% em Hong Kong) e o peso mexicano caiu 10,2% ― uma desvalorização que não se via desde a crise global de 2008.

Desafiando o consenso de que não chegaria longe devido à inexperiência na política e ao linguajar vulgar, a despeito da divulgação de um vídeo em que afirmava que era famoso e podia “pegar as mulheres pela xoxota”, de uma dúzia de acusações de assédio sexual, das promessas de sobretaxar as importações, construir um muro na fronteira com o México e deportar de cerca de 11 milhões de imigrantes ilegais (só para citar alguns exemplos notórios), Trump não só chegou ao final da disputa disparando impropérios e barbaridades e destilando ódio, mas também a venceu, vendendo-se como o forasteiro político capaz de desafiar um sistema corrupto que tem na concorrente ora derrotada seu maior símbolo de decadência. Aliás, quando tudo parecia perdido para o republicano, uma ajudinha do diretor do FBI fez a diferença: no finalzinho de outubro, Comey reabriu a investigação sobre Hillary ter usado um servidor privado de e-mail quando era secretária de Estado. O FBI reiterou sua decisão anterior às vésperas da eleição, mas aí o estrago já estava feito.

Hillary foi primeira-dama entre 1993 e 2001, senadora pelo estado de Nova York entre 2001 e 2009 e secretária de Estado entre 2009 e 2013. Ainda assim, ela é vista como uma pessoa com duas condutas ― uma a portas fechadas, para apoiadores importantes e doadores de recursos de campanha, e outra, pública, para os eleitores médios do partido democrata. Alguns fatores relacionados a sua vida pessoal explicam essa “natureza secreta” ― como os traumas dos anos 1990, quando as finanças e a vida íntima dos Clinton foram expostas e divulgadas. No cômputo geral, parece que sua aura de pessoa fria, inacessível, distante e com pendor para os segredos suplantou as credenciais de décadas na vida pública que a qualificavam como uma das candidatas mais preparadas para concorrer à Casa Branca.

Trump nasceu rico e tornou-se bilionário (para muitos, ele é “apenas” multimilionário) com empreendimentos de sucesso no setor imobiliário e, dizem, mediante sonegação de milhões de dólares em impostos através de manobras legalmente questionáveis. Fala-se também que ele coleciona falências e vários fracassos nos negócios, como uma companhia aérea entregue aos credores, jogos de tabuleiro que não venderam e hotéis e cassinos luxuosos falidos, e que enfrenta duas ações coletivas de ex-alunos da Trump University por estelionato, além de ser tido e havido como um mentiroso de marca maior: um jornal canadense checou 253 informações do republicano em 33 dias e constatou que ele não passa um dia sem mentir ― chegando a contar 25 lorotas num único dia! Ao fim e ao cabo, as diferenças entre os dois lados da campanha resultaram numa das eleições com maior polarização política e tensão racial da história ― e, por que não dizer, uma das mais sujas, com várias empreitadas polêmicas, a maioria delas protagonizada por Trump, que, após 14 temporadas à frente do programa de TV "O Aprendiz", introduziu o estilo "reality show" na campanha presidencial, capitalizou a "raiva" de grande parte do público contra o governo e acabou derrotando todos os adversários, inclusive Hillary, numa virada monumental ocorrida no próprio dia da eleição.

Por essas e outras, a disputa foi dominada por acusações mútuas, com menos tempo dedicado a propostas e mais às personalidades de dois dos candidatos mais impopulares da história.
A meu ver, venceu o pior, mas Trump também não deverá ser facilmente engolido pelas lideranças internacionais, já que disparou contra muçulmanos, mexicanos, chineses, japoneses e coreanos, entre outros, gerando incertezas sobre suas posições e propostas. Espera-se que ele perceba o quanto seria arriscado adotar as medidas drásticas alardeadas durante a campanha, como o abandono unilateral do Nafta, os acirramentos com o México e a China e a combinação de cortes de impostos e aumento de gastos com potencial para expandir o déficit público americano em até US$ 5 trilhões em dez anos.

Em política, é comum dizer o contrário do que se pensa e fazer o oposto do que se diz. Logo após sua inesperada vitória, o pato Donald assumiu um tom conciliatório em seu discurso: “Agora é hora de os EUA curarem as feridas da divisão, de promover a união. A todos os republicanos, democratas e independentes de todo o país, digo que é hora de nos unirmos como um só povo", disse o presidente eleito, em sua versão “paz e amor”. Passados 4 dias, as atenções se voltam para as políticas que ele adotará como presidente, mas fazer uma análise dessa questão neste momento seria mero exercício de futurologia. Melhor deixar a poeira assentar e voltar ao assunto daqui alguns dias ― ou semanas.

(Com conteúdo da Folha).